A
Velhice: Notas sobre a dor, a “cor”
e a delícia de ser o que é.
“A tragédia da
velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas sim no fato de ainda nos
sentirmos jovens”. Oscar Wilde
Ubiracy
de Souza Braga*
_______________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
A
velhice é um processo individual
(Freud), simultaneamente social
(Marx), cultural (Morgan/Engels) e de
evolução natural (Darwin),
indiscutível e inevitável sobre a morte
(Ariès), para qualquer ser humano, dando sentido (Weber) e forma à vida (Simmel).
Nessa fase sempre ocorrem mudanças biológicas, fisiológicas, psicossociais,
econômicas e políticas que compõe o cotidiano (Lukács/Heller) da vida das
pessoas. Em muitas culturas e civilizações, principalmente as orientais, o
velho, o idoso é visto com respeito e veneração, representando uma fonte de
experiência, de seu valioso saber acumulado ao longo dos anos, da prudência e
da reflexão. Enquanto em outras, o idoso tem como representação social estigmas
(Goffmann) como: “o velho”, “o ultrapassado” e psicologicamente falando: “a
falência múltipla do potencial do ser humano”.
Tese: Estudos
recentes têm demonstrado cada vez com maior clareza do ponto de vista
técnico-metodológico (pesquisa empírica) e científico (discursivo) que, o
avanço da idade não determina a deterioração da inteligência, pois ela está
associada à educação, ao padrão
de vida, a vitalidade física, mental e emocional. Também é preciso perder o
preconceito (cf. Arendt, 2009) sobre a idade cronológica das pessoas. Vale fazer
um alerta importante, talvez, só na América do Sul estima-se que no início
deste novo milênio mais de 30 milhões de pessoas estarão com idade acima de 60
anos. No Brasil, só o Estado de São Paulo representará quase três milhões de
pessoas ou cerca de 8% dessa população. O aumento desta população tende a expandir
ainda mais nas próximas décadas, o que justifica o interesse e a preocupação da
sociedade e do governo em criar ações para tratar questões ligadas à velhice.
No dia 17 de agosto de 1986, o
jornal O Estado de São Paulo, por
ocasião do falecimento de Mãe Menininha
do Gantois e da grande presença de pessoas em seu sepultamento, escreveu em
seu Editorial: “a importância exagerada dada a uma sacerdotisa de cultos afro-brasileiros
é a evidência mais chocante de que não basta ao Brasil ser catalogado como a
oitava economia do mundo, se o País ainda está preso a hábitos culturais
arraigadamente tribais”. Dois pesos e duas medidas: a) o preconceito étnico e
racial; b) o preconceito sobre a velhice; c) o preconceito contra o fato de ser
mulher, para lembrarmo-nos de John Lennon & Yoko Ono que advertiam: “woman
is the nigger of the world”, publicado em seu álbum “Sometime in new york city”
(1972).
Maria Escolástica da Conceição
Nazaré (Salvador, 10 de fevereiro de 1894 - 13 de agosto de 1986), conhecida
como Mãe Menininha do Gantois, foi uma Iyálorixá brasileira, filha de Oxum (cf.
Prandi, 1995a; 1995b; 2001). Nasceu em 1894, no dia de Santa Escolástica, na
Rua da Assembleia, entre a Rua do Tira Chapéu e a Rua da Ajuda, no Centro
Histórico de Salvador, tendo como pais Joaquim e Maria da Glória. Descendente
de escravos africanos, ainda criança foi escolhida para ser Iyálorixá do
terreiro Ilê Iyá Omi Axé Iyamassê, fundado em 1849 por sua bisavó, Maria Júlia
da Conceição Nazaré, cujos pais eram originários de Agbeokuta, sudoeste da
Nigéria. Foi apelidada Menininha,
talvez por seu aspecto franzino. “Não sei quem pôs em mim o nome de Menininha…
Minha infância não tem muito o que contar… Agora, dançava o candomblé com todos
desde os seis anos”.
Foi
iniciada no culto dos orixás de Keto aos 8 anos de idade por sua tia-avó e
madrinha de batismo, Pulchéria Maria da Conceição (Mãe Pulchéria), chamada
Kekerê - em referência à sua posição hierárquica, Iyá kekerê (Mãe pequena).
Menininha seria sua sucessora na função de Iyalorixá do Gantois. Com a morte
repentina de Mãe Pulchéria, em 1918, o processo de sucessão foi acelerado. Por
um curto período, enquanto a jovem se preparava para assumir o cargo, sua mãe
biológica, Maria da Glória Nazareth, permaneceu à frente do Gantois. Foi a
quarta Iyálorixá do Terreiro do Gantois e “a mais famosa de todas as Iyálorixá
brasileiras”. Iyalorixá ou Iyá (mãe) ou ainda, Yalaorixá é uma sacerdotisa e
chefe de um terreiro de Candomblé Ketu. Iyá no dialeto Yorubá (cf. Sodré, 1979;
2002) significa (mãe), bem como a junção Iyaiyá (mamãe) ou Iaiá, tendo o mesmo
significado de mamãe, senhora, forma carinhosa de falar com a mãe, ou senhora
da fazenda muito usada pelos escravos. Palavra utilizada em muitos segmentos
das religiões afro-brasileiras, principalmente no Candomblé.
Sucessora
de sua mãe, Maria da Glória Nazareth, foi sucedida por sua filha, Mãe Cleusa
Millet.
“Minha avó, minha tia e os chefes da casa diziam que eu tinha que
servir. Eu não podia dizer que não, mas tinha um medo horroroso da missão
(...): passar a vida inteira ouvindo relatos de aflições e ter que ficar
calada, guardar tudo para mim, procurar a meditação dos encantados para acabar
com o sofrimento”.
Em assim sendo, dado que o
preconceito se antecipa ao juízo
recorrendo ao passado, sua justificação temporal se limita aos períodos da
história - em termos quantitativos a maior parte dela - em que o novo é
relativamente raro e o velho predomina no tecido político e social. Em nossa
utilização geral, afirma Arendt,
“a palavra ´juízo` tem dois significados que se devem distinguir com
clareza, mas que se confundem sempre que falamos. Juízo significa,
primeiramente, organização e subsunção do individual e particular ao geral e universal, procedendo-se então a
uma avaliação ordenada com a aplicação de parâmetros pelos quais se identifica
o concreto e de acordo com decisões. Por trás de todos esses juízos há um
prejulgamento, um preconceito. Somente o caso individual é julgado, não o
próprio parâmetro ou a questão de ele ser ou não uma medida adequada do objeto
que está sendo medido. Num dado momento, emitiu-se um juízo sobre o parâmetro,
mas agora esse juízo foi adotado, tornando-se, por assim dizer, um meio para se
emitirem futuros juízos. Mas juízo pode significar algo totalmente diferente e
sempre significa de fato quando nos confrontamos com algo que nunca vimos e
para o que não temos nenhum parâmetro à disposição. Esse juízo que não conhece
parâmetro só pode recorrer à evidência do que está sendo julgado, e seu único
pré-requisito é a faculdade de julgar, o que tem muito mais a ver com a
capacidade de discernir do que com a capacidade de organizar e subordinar. Tais
juízos sem parâmetros nos são bastante familiares quando se trata de questões
de estética e gosto, que, como observou Kant, não se podem ´discutir`, mas de
que se pode, seguramente, discordar e concordar. Na nossa vida cotidiana isso
se verifica sempre que dizemos, em face de uma situação desconhecida, que
fulano ou beltrano fez um juízo correto ou equivocado” (cf. Arendt, 2009:
154-155).
Melhor
dizendo, em toda crise histórica, são os preconceitos
os primeiros a se esboroar e deixar de ser confiáveis, de forma que é essa
pretensão de universalidade que distingue muito claramente ideologia de preconceito
(sempre parcial por natureza). A ideologia afirma peremptoriamente que não
devemos mais nos fiar em preconceitos - declarados como literalmente
inapropriados. A falta de padrões no mundo moderno - a impossibilidade de
formar novos juízos sobre o que aconteceu e o que acontece todos os dais com
base em padrões sólidos, reconhecidos por todos, e de subsumir esses eventos a
princípios gerais bem conhecidos, assim como a dificuldade, estreitamente
associada, de se proverem princípios de ação para o que deve acontecer agora -
tem sido frequentemente descrita como niilismo inerente à nossa época, como
desvalorização de valores, uma espécie de crepúsculo dos deuses, uma catástrofe
na ordem moral do mundo. Todas essas interpretações pressupõem tacitamente que
só se pode esperar que os seres humanos emitam juízos se tiverem parâmetros,
que a faculdade de julgar não é, portanto, mais do que a habilidade de
consignar casos individuais aos seus lugares corretos e adequados dentro de
princípios gerais aplicáveis e sobre os quais estão todos de acordo.
Historicamente
foi o médico francês Jean Marie Charcot, em 1867, o primeiro a apresentar um
trabalho científico sobre a chamada “terceira idade”. Seu Estudo clínico sobre
a senilidade e doenças crônicas procurava destacar a relevância dos estudos
sobre o envelhecimento, centrando-se em suas causas e consequências para o
organismo humano. Foi um dos maiores clínicos e professores de Medicina da
França e juntamente, com Guillaume Duchenne, o fundador da moderna neurologia. Charcot
tornou-se um “hábil” hipnotizador, e utilizava essa técnica para induzir no
paciente as manifestações próprias da histeria, uma doença mental com variada
sintomatologia psíquica, acompanhada de manifestações físicas como
enrijecimento do corpo característico da doença.
Escólio:
Assim, Hegel que parte da consciência
comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só
é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto
pela consciência e a história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história
concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a
analogia que em Hegel “existe de forma coincidente entre a história da
filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento”, mas este
desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta
lentamente através dos filósofos, que são “instrumentos de sua manifestação”.
Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades
e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o
preocupa é a categoria fundamental que determina o todo do sistema, e o assinalamento
das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese
do espírito absoluto.
Todo
conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade,
não possui nenhum outro interesse além do aquilo que “é em si”, no interior,
manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta
diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos
racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza.
Isto pertence à essência do homem. O europeu sabe de si, é objeto de si mesmo.
A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como
livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens “falam
mal de conhecer é porque não sabem o que fazem” (cf. Žižek, 1990; 1992; 1998).
Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem
relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se
também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera
o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo,
esta é a única diferença da existência (Existenz)
a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e
eu sou livre somente enquanto existo como livre.
No âmbito da filosofia, Simone de
Beauvoir (cf. Braga, 2011a) procurou refletir sobre a exclusão dos idosos, mas
do ponto de vista de que sabia que iria se tornar um deles, como quem pensava o
próprio destino. Para ela, um dos problemas da sociedade capitalista está no
fato de que cada indivíduo percebe as outras pessoas como meio para a
realização de suas necessidades: proteção, riqueza, prazer, dominação. Desta
forma, nos relacionamos com outras pessoas priorizando nossos desejos, pouco
compreendendo e valorizando suas necessidades. Em seu livro, a pensadora
demonstra que há uma duplicidade nas relações que os mais jovens têm com os
idosos, uma vez que, na maioria das vezes, mesmo sendo respeitado por sua
condição de pai ou de mãe, trata-se o idoso como uma espécie de ser inferior,
tirando dele suas responsabilidades ou encarando-o como culpado por sobrecarga
de compromissos que imputa a filhos ou netos.
Do ponto de vista literário e
filosófico, as suas obras oferecem “uma visão sumamente reveladora de sua vida
e de seu tempo”. Em seu primeiro romance, A convidada (1943), explorou os
dilemas existencialistas da liberdade, da ação e da responsabilidade
individual, temas que abordou igualmente em romances posteriores como O sangue dos outros (1944) e Os mandarins (1954), obra pela qual recebeu
o Prêmio Goncourt e que é considerada a sua obra-prima. As teses
existencialistas, segundo as quais “cada pessoa é responsável por si própria”,
introduzem-se também em uma série de quatro obras autobiográficas, além de Memórias de uma moça bem-comportada
(1958), destacam-se: A força das coisas
(1963) e Tudo dito e feito (1972).
Entre seus ensaios críticos cabe destacar principalmente: a) O Segundo Sexo (1949), onde se detém numa
profunda análise sobre o papel das mulheres na sociedade; b) A velhice (1970), sobre o processo de
envelhecimento, onde teceu críticas apaixonadas sobre a atitude da sociedade
para com os anciãos; e last but not
least, se já não é um truísmo, A
cerimônia do adeus (1981), onde evocou a figura de seu companheiro de
tantos anos, o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre.
Diz um provérbio que “teme mais a
morte aquele que mais temeu a vida”. Trata-se de uma clara alusão ao aumento
das dificuldades adaptativas incrementada com o passar dos anos para algumas
pessoas. Se, em tempos anteriores quando todas as circunstâncias existenciais
eram mais satisfatórias, quando toda potencialidade vital era plena, quando o
futuro era ainda distante e quando a solidão não tinha sido experimentada,
mesmo assim a pessoa passava por momentos de franca dificuldade adaptativa, no
envelhecimento então, quando se fazem sentir todas as dificuldades, a
capacidade adaptativa anterior só pode mesmo estar piorada. As características
trazidas pelo indivíduo à vida (sua constituição) se tornarão mais exuberantes
com o envelhecimento e, se o indivíduo viveu desadaptadamente durante fases
mais prematuras de sua existência, certamente envelhecerá mais desadaptadamente
ainda. As pulsões e paixões reprimidas ao longo da vida não encontram mais na
velhice energia suficiente para mantê-las em repressão e eclode na consciência
um triste e amargo culto ao passado, com suas frustrações, seus pecados, suas
angústias e seus rancores.
Antítese: A
exaltação da juventude, com notável predomínio dos valores estéticos sobre
tantos outros valores, “revela o velho como o grande vilão do mundo moderno e
muitas vezes como um objeto de repulsa e rejeição social”. Na mídia,
notadamente em filmes de grande bilheteria e de aventura contagiante,
normalmente o herói não tem mais de 18 anos, os bandidos estão sempre na faixa
dos 35 a 40 anos e os discretos velhinhos não passam de figuras cômicas que dão
o toque de humor à cena de tensão. Os valores estéticos estão tão enraizados
culturalmente no comportamento das pessoas que um ato de afeto e carinho entre
dois idosos, como por exemplo, o caso de um beijo, é capaz de provocar atitudes
de desprezo, jocosidade e até reprovação. O mesmo ato, tendo adolescentes como
protagonistas, encontra receptividade social extraordinariamente maior.
Com
o modelo midiático americanista (cf. Noble, 1977) que herdamos na propaganda
então nem se fala. Todos os produtos vinculados ao prazer tais como:
refrigerantes (Coca-Cola), cosméticos, alimentos em geral, carros (Ford),
viagens, etc., têm jovens atléticos e formosos como atores aparentemente sociais para sua promoção. Para as
pessoas de meia idade ficam as propagandas de supermercados, imóveis, planos de
saúde e seguradoras. Ou seja, as coisas não relacionadas ao prazer, mas de
vital importância aos demais membros da sociedade. Os idosos, quando aparecem,
só o fazem quando é necessário um clima cômico ou caricatural, daí reiterar-se
mais uma vez a questão do desprezo, da solidão, da angústia, do preconceito do
ponto de vista deste estrato social.
A
sociedade contemporânea é exclusivamente alicerçada na produtividade, na
meritocracia (cf. Braga, 2011b), no lucro imediato e na utilidade social da
pessoa. Cada um de nós foi reduzido a uma mera “função social” e, dentro desta
conjuntura das “funções sociais”, não restou sequer um espaço social para o
velho. No filme de Elio Petri, La Clase
Operaria Va in Paradiso (ITA, 1971), Lulu Massa é um operário consumido
pelo capital e cujo trabalho estranhado consome sua vida. A fábrica adota
sistema de quotas (metas) que intensifica a produção. Lulu é o operário-padrão
da fábrica, sendo hostilizado pelos outros companheiros de chão de fábrica.
Após perder um dedo na máquina, Lulu adota uma atitude critica ao modelo de
exploração, confrontando a gerencia. Os operários (situação e oposição
sindical) contestam as cotas. Após uma greve, Lulu é demitido. Depois de
negociações, ele consegue ser readmitido na fábrica, voltando à linha de
produção e reintegrando-se ao coletivo de trabalho. Por conta da mobilização
operária, o sistema de cotas é revisto pela direção da fábrica. Deste modo,
podemos caracterizar a estrutura lógico-explicativa da analise critica do filme
de Elio Petri a partir de dois importantes eixos: primeiro, a produção de
mais-valia relativa (Marx), com a inovação técnico-organizacional do capital,
desvalorização da força de trabalho como mercadoria, degradação do trabalho
vivo (saúde do trabalhador) e resistência contingente e necessária do
proletariado etc. Segundo, capital consome trabalho vivo e trabalho estranhado
consome vida. Os dois eixos explicativos da estrutura narrativa do filme
constituem os traços essenciais do que seria a chamada precarização (e
precariedade) do trabalho no capitalismo globalizado.
Até
palavras como tradicional, conservador e ortodoxo, inexplicavelmente adquiriram
teor pejorativo. É como se o novo “devesse ser obrigatoriamente bom e melhor”.
E é assim que o idoso, considerado um peso social, frustra-se com a subtração
de seu espaço existencial, anteriormente vivido com plenitude e sucesso. Experimenta
uma profunda reação do sentimento da perda sem nada a substituir o objeto
perdido: o seu valor como pessoa. Desta forma, mesmo indivíduos relativamente
equilibrados emocionalmente durante a vida pregressa, com a velhice tendem a
descompensar.
No
plano heurístico da totalidade/globalidade com esse background aparentemente se compreende que nações até a pouco
denominada “jovens”, entre as quais se destaca o Brasil, já não podem mais
ostentar esse pomposo adjetivo sem que sejam feitas algumas importantes distinções. Ao mesmo tempo em que cresce a pressão dos
jovens para ocupar seu lugar na sociedade, cresce também o número de pessoas
idosas que se sentem descartadas não só do mercado de trabalho, mas da própria
sociedade. À insegurança sentida pelos jovens no que se refere ao seu futuro,
corresponde a insegurança das pessoas que ultrapassam a idade produtiva. Essa
nova configuração levanta logo uma série
de questionamentos, seja na linha de identificação dos fatores que a provocaram
e a continuam mantendo, seja na linha
dos desafios e medidas que se colocam com premência em relação ao presente
e ao futuro não muito distante. Toda
essa problemática tem profunda incidência de cunho ético-político. O século XXI
traz consigo outro aspecto nem sempre devidamente contemplado ao menos no
contexto das nações ditas emergentes: o do rápido e expressivo envelhecimento
da população.
A
originalidade do processo de envelhecimento da população brasileira não se
manifesta apenas por coordenadas histórico-culturais, nem somente pela freada
brusca da natalidade. Uma análise atenta e cuidadosa que propicie uma plena
busca de superação dos problemas não pode esquecer muitos outros fatores sociais
que remetem para a história das pessoas, comparativamente às pessoas com
deficiência têm sido caracterizadas por diversos paradigmas no decorrer da
história da humanidade os quais resistem ao longo dos séculos, tendo provocado
consequências históricas, benéficas ou não, na vida dessas pessoas, claro que naturalmente
sempre entendidas dentro de um contexto sócio-político e cultural.
Concretamente isso significa que a história
pessoal, com sua multiplicidade de variáveis, pode ser marcada de maneira
predominante por emoções e afetos positivos ou negativos.
Enfim,
a sociedade, em todas as culturas, tem atravessado diversas fases no que se
refere às práticas sociais. Ela começou praticando a exclusão social de pessoas
que por causa das condições atípicas não lhe pareciam pertencer à maioria da
população. Em seguida desenvolveu o atendimento segregado dentro de
instituições, passou para a prática da integração social e recentemente adotou
a filosofia da inclusão social para modificar os sistemas sociais gerais. O
livro: Idosos no Brasil - Vivências,
desafios e expectativas na terceira idade, organizado pela professora Anita
Liberalesso Néri e coeditados pela Editora Fundação Perseu Abramo e pelas
Edições SESC, reúne análises aprofundadas dos dados da pesquisa realizada pela
Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio - SESC
(Nacional e São Paulo). A pesquisa, em seu caráter meritório é uma das mais amplas
já realizadas no Brasil sobre os idosos, em análise comparativa interagiu com 2.136 pessoas com
mais de 60 anos, e também 1.608 jovens e adultos de 16 a 59 anos, residentes em
20 municípios pequenos, médios e grandes das cinco regiões do país.
Assinados por reconhecidos estudiosos da chamada
“terceira idade”, os artigos escritos especialmente para o livro analisam a
realidade e as expectativas dessa parcela cada vez maior da população em
relação a escolaridade, discriminação social, garantia dos direitos, saúde,
discriminação racial, família, cultura e lazer, produtividade e renda, entre
outros cruzamentos. Numa abordagem mais original, analisam também, sempre a
partir dos resultados obtidos na pesquisa, a autoimagem dos idosos, assim como
a imagem que deles têm os mais jovens, compondo um retrato surpreendente e
fidedigno da terceira idade no Brasil. Ao final do livro, como apoio à leitura
dos textos, gráficos e tabelas trazem um resumo substancial da pesquisa. A
divulgação desses dados e de suas análises, ao proporcionar a rediscussão do
papel do idoso na família, nos grupos de convívio e em outros espaços sociais,
tem como objetivo sensibilizar a sociedade em geral, e também, mais
especificamente, dar subsídios para que governantes, gestores, gerontólogos e
geriatras reformulem políticas públicas e ampliem serviços e equipamentos para
que os idosos possam usufruir com dignidade e novas possibilidades de
realização essa etapa de suas vidas.
Finalmente,
no conto de Stanislaw Ponte Preta (1923-1968): “A Velha Contrabandista”, diz
que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela
fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal
da Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha. Um dia,
quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou-a
parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela: - Escuta
aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que
diabo a senhora leva nesse saco? A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe
restavam e mais outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu: - É
areia! Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a
velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal
esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha
que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia
atrás.
Mas o fiscal desconfiado ainda. Talvez a
velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele
maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás,
o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela
respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês
seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas às vezes, o que ela levava no
saco era areia. Diz que foi aí que o fiscal se chateou: - Olha, vovozinha, eu
sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando
pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista. - Mas no
saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o
fiscal propôs: - Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou
parte, não apreendo não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual
é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias? - O senhor
promete que não “espáia”? - quis saber a velhinha. - Juro - respondeu o fiscal.
- É lambreta.
Bibliografia
geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de
Souza, “Simplesmente: Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir”.http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/09/simplesmente-simone-lucie-ernestine.html;
Idem, “A ´obesidade mental` da meritocracia no Brasil”. http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/12/obesidade-mental-da-meritocracia-no.html; ARENDT, Hannah, A promessa da política. 2ª edição. Rio
de Janeiro: DIFEL, 2009; PRANDI, Reginaldo, “Dei africani nell’ odierno
Brasile: Introduzzione sociologica al candomblé”. In: Luisa Faldini Pizzorno
(org.), Solto le acque abissali.
Firenze: Aracne, 1995a; Idem, “Raça e Religião”. In: Novos Estudos CEBRAP, n° 42, julho de 1995b; Idem, Mitologia dos Orixás. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001; SODRÉ. Muniz Araújo Cabral, O Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Codecri, 1979; Idem, Corpo de Mandinga. Manati, 2002; GOFFMANN,
Erving, Manicômios, conventos e prisões.
São Paulo: Perspectiva, 1974; BOSI, Ecléa, Memória
e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979; ŽIŽEK,
Slavoj, Ils ne savent pas ce qu’ils font
(Le sinthome ideólogique). Paris: Point Hors Ligne, 1990; Idem, Eles Não Sabem o Que Fazem. O sublime objeto
da ideologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992; Idem, Die Nacht der Welt Pyschoanalyse und
Deutscher Idealismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998; ENGELS, Friedrich,
“A origem da família, da propriedade privada e do Estado”. In: Obras Escolhidas. Volume 3. São Paulo:
Editora Alfa-Omega, [s.d].;
BEAUVOIR,
Simone de, A velhice. Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1990; BOBBIO, Norberto, O
tempo da memória: De senectute e
outros escritos autobiográficos. Rio de Janeiro: Campus, 1997; BARROS,
Myriam Moraes Lins de (org.), Velhice ou
terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política.
Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999; NOBLE, David, América by design - Science, Technology and
the Rise Corporate Capitalism. New York: Alfred A. Knopf Editeur, 1977; MOTTA,
Flávia de Mattos, Velha é a vovozinha.
Identidade feminina na velhice. Santa Cruz do Sul: Editora da UNISC, 1998; OLIVEIRA, P. S, Vidas compartilhadas. Cultura e coeducação
de gerações na vida cotidiana. São Paulo: Hucitec, 1999; DEBERT, Guita Grin
(org.), Antropologia e velhice.
Textos didáticos, IFCH/UNICAMP, n.13, 1998; Idem, & GOLDSTEIN, Donna
(org.), Políticas do corpo e o curso da
vida. São Paulo: Sumaré, 2000; BALLONE, G. J., “Alterações Emocionais no
Envelhecimento”. http://gballone.sites.uol.com.br/geriat/andropausa.html, 2002; SILVA, Vera
Maria Tietzmann, “Lendo sobre a velhice: resenha”. In: Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003, on line: www.proec.ufg.br; GRÜN, Anselm, A sublime arte de envelhecer. Petrópolis
(RJ): Editora Vozes, 2007; ANTUNES, João Lobo, “Dignidade”. In: Memória de Nova Iorque e outros ensaios.
Lisboa: Gradiva, 2002; pp. 178-191; ARIÈS, Philippe, “A morte invertida”. In: O homem perante a morte - II. Publicações
Europa-América, 1988; 309-358; Idem, Sobre
a história da morte no ocidente desde a idade média. 2ª ed. Lisboa:
Teorema, 1989; pp. 137-190; CASTRO, Dana, La
mort pour de faux et la mort pour de vrai. Paris:Albin Michel, 2000; SILVEIRA,
Renato da, Candomblé da Barroquinha,
Editora: Maianga ISBN 8588543419; CARNEIRO, Edison, Candomblés da Bahia.
Salvador: Editora Museu do Estado da Bahia, 1948, 1954; Editora Martins Fontes,
1961; NÉRI, Anita Liberalesso (org.), Idosos
no Brasil: Vivências, desafios e expectativas na terceira idade. Editora:
SESC, 2007; 288 páginas, entre outros.
Visite também os blogs Mangue Sociológico e Café Sociológico
Visite também os blogs Mangue Sociológico e Café Sociológico
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pela sua observação ;)