segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Velhice: Notas sobre a dor, a “cor” e a delícia de ser o que é.


             

          A Velhice: Notas sobre a dor, a “cor” e a delícia de ser o que é.


A tragédia da velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas sim no fato de ainda nos sentirmos jovens”. Oscar Wilde




  Ubiracy de Souza Braga*
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Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).




                                              
A velhice é um processo individual (Freud), simultaneamente social (Marx), cultural (Morgan/Engels) e de evolução natural (Darwin), indiscutível e inevitável sobre a morte (Ariès), para qualquer ser humano, dando sentido (Weber) e forma à vida (Simmel). Nessa fase sempre ocorrem mudanças biológicas, fisiológicas, psicossociais, econômicas e políticas que compõe o cotidiano (Lukács/Heller) da vida das pessoas. Em muitas culturas e civilizações, principalmente as orientais, o velho, o idoso é visto com respeito e veneração, representando uma fonte de experiência, de seu valioso saber acumulado ao longo dos anos, da prudência e da reflexão. Enquanto em outras, o idoso tem como representação social estigmas (Goffmann) como: “o velho”, “o ultrapassado” e psicologicamente falando: “a falência múltipla do potencial do ser humano”.
Tese: Estudos recentes têm demonstrado cada vez com maior clareza do ponto de vista técnico-metodológico (pesquisa empírica) e científico (discursivo) que, o avanço da idade não determina a deterioração da inteligência, pois ela está associada à educação, ao padrão de vida, a vitalidade física, mental e emocional. Também é preciso perder o preconceito (cf. Arendt, 2009) sobre a idade cronológica das pessoas. Vale fazer um alerta importante, talvez, só na América do Sul estima-se que no início deste novo milênio mais de 30 milhões de pessoas estarão com idade acima de 60 anos. No Brasil, só o Estado de São Paulo representará quase três milhões de pessoas ou cerca de 8% dessa população. O aumento desta população tende a expandir ainda mais nas próximas décadas, o que justifica o interesse e a preocupação da sociedade e do governo em criar ações para tratar questões ligadas à velhice.
            No dia 17 de agosto de 1986, o jornal O Estado de São Paulo, por ocasião do falecimento de Mãe Menininha do Gantois e da grande presença de pessoas em seu sepultamento, escreveu em seu Editorial: “a importância exagerada dada a uma sacerdotisa de cultos afro-brasileiros é a evidência mais chocante de que não basta ao Brasil ser catalogado como a oitava economia do mundo, se o País ainda está preso a hábitos culturais arraigadamente tribais”. Dois pesos e duas medidas: a) o preconceito étnico e racial; b) o preconceito sobre a velhice; c) o preconceito contra o fato de ser mulher, para lembrarmo-nos de John Lennon & Yoko Ono que advertiam: “woman is the nigger of the world”, publicado em seu álbum “Sometime in new york city” (1972).
            Maria Escolástica da Conceição Nazaré (Salvador, 10 de fevereiro de 1894 - 13 de agosto de 1986), conhecida como Mãe Menininha do Gantois, foi uma Iyálorixá brasileira, filha de Oxum (cf. Prandi, 1995a; 1995b; 2001). Nasceu em 1894, no dia de Santa Escolástica, na Rua da Assembleia, entre a Rua do Tira Chapéu e a Rua da Ajuda, no Centro Histórico de Salvador, tendo como pais Joaquim e Maria da Glória. Descendente de escravos africanos, ainda criança foi escolhida para ser Iyálorixá do terreiro Ilê Iyá Omi Axé Iyamassê, fundado em 1849 por sua bisavó, Maria Júlia da Conceição Nazaré, cujos pais eram originários de Agbeokuta, sudoeste da Nigéria. Foi apelidada Menininha, talvez por seu aspecto franzino. “Não sei quem pôs em mim o nome de Menininha… Minha infância não tem muito o que contar… Agora, dançava o candomblé com todos desde os seis anos”.
Foi iniciada no culto dos orixás de Keto aos 8 anos de idade por sua tia-avó e madrinha de batismo, Pulchéria Maria da Conceição (Mãe Pulchéria), chamada Kekerê - em referência à sua posição hierárquica, Iyá kekerê (Mãe pequena). Menininha seria sua sucessora na função de Iyalorixá do Gantois. Com a morte repentina de Mãe Pulchéria, em 1918, o processo de sucessão foi acelerado. Por um curto período, enquanto a jovem se preparava para assumir o cargo, sua mãe biológica, Maria da Glória Nazareth, permaneceu à frente do Gantois. Foi a quarta Iyálorixá do Terreiro do Gantois e “a mais famosa de todas as Iyálorixá brasileiras”. Iyalorixá ou Iyá (mãe) ou ainda, Yalaorixá é uma sacerdotisa e chefe de um terreiro de Candomblé Ketu. Iyá no dialeto Yorubá (cf. Sodré, 1979; 2002) significa (mãe), bem como a junção Iyaiyá (mamãe) ou Iaiá, tendo o mesmo significado de mamãe, senhora, forma carinhosa de falar com a mãe, ou senhora da fazenda muito usada pelos escravos. Palavra utilizada em muitos segmentos das religiões afro-brasileiras, principalmente no Candomblé.
Sucessora de sua mãe, Maria da Glória Nazareth, foi sucedida por sua filha, Mãe Cleusa Millet.
Minha avó, minha tia e os chefes da casa diziam que eu tinha que servir. Eu não podia dizer que não, mas tinha um medo horroroso da missão (...): passar a vida inteira ouvindo relatos de aflições e ter que ficar calada, guardar tudo para mim, procurar a meditação dos encantados para acabar com o sofrimento”.
            Em assim sendo, dado que o preconceito se antecipa ao juízo recorrendo ao passado, sua justificação temporal se limita aos períodos da história - em termos quantitativos a maior parte dela - em que o novo é relativamente raro e o velho predomina no tecido político e social. Em nossa utilização geral, afirma Arendt,
a palavra ´juízo` tem dois significados que se devem distinguir com clareza, mas que se confundem sempre que falamos. Juízo significa, primeiramente, organização e subsunção do individual e particular  ao geral e universal, procedendo-se então a uma avaliação ordenada com a aplicação de parâmetros pelos quais se identifica o concreto e de acordo com decisões. Por trás de todos esses juízos há um prejulgamento, um preconceito. Somente o caso individual é julgado, não o próprio parâmetro ou a questão de ele ser ou não uma medida adequada do objeto que está sendo medido. Num dado momento, emitiu-se um juízo sobre o parâmetro, mas agora esse juízo foi adotado, tornando-se, por assim dizer, um meio para se emitirem futuros juízos. Mas juízo pode significar algo totalmente diferente e sempre significa de fato quando nos confrontamos com algo que nunca vimos e para o que não temos nenhum parâmetro à disposição. Esse juízo que não conhece parâmetro só pode recorrer à evidência do que está sendo julgado, e seu único pré-requisito é a faculdade de julgar, o que tem muito mais a ver com a capacidade de discernir do que com a capacidade de organizar e subordinar. Tais juízos sem parâmetros nos são bastante familiares quando se trata de questões de estética e gosto, que, como observou Kant, não se podem ´discutir`, mas de que se pode, seguramente, discordar e concordar. Na nossa vida cotidiana isso se verifica sempre que dizemos, em face de uma situação desconhecida, que fulano ou beltrano fez um juízo correto ou equivocado” (cf. Arendt, 2009: 154-155). 
Melhor dizendo, em toda crise histórica, são os preconceitos os primeiros a se esboroar e deixar de ser confiáveis, de forma que é essa pretensão de universalidade que distingue muito claramente ideologia de preconceito (sempre parcial por natureza). A ideologia afirma peremptoriamente que não devemos mais nos fiar em preconceitos - declarados como literalmente inapropriados. A falta de padrões no mundo moderno - a impossibilidade de formar novos juízos sobre o que aconteceu e o que acontece todos os dais com base em padrões sólidos, reconhecidos por todos, e de subsumir esses eventos a princípios gerais bem conhecidos, assim como a dificuldade, estreitamente associada, de se proverem princípios de ação para o que deve acontecer agora - tem sido frequentemente descrita como niilismo inerente à nossa época, como desvalorização de valores, uma espécie de crepúsculo dos deuses, uma catástrofe na ordem moral do mundo. Todas essas interpretações pressupõem tacitamente que só se pode esperar que os seres humanos emitam juízos se tiverem parâmetros, que a faculdade de julgar não é, portanto, mais do que a habilidade de consignar casos individuais aos seus lugares corretos e adequados dentro de princípios gerais aplicáveis e sobre os quais estão todos de acordo.
Historicamente foi o médico francês Jean Marie Charcot, em 1867, o primeiro a apresentar um trabalho científico sobre a chamada “terceira idade”. Seu Estudo clínico sobre a senilidade e doenças crônicas procurava destacar a relevância dos estudos sobre o envelhecimento, centrando-se em suas causas e consequências para o organismo humano. Foi um dos maiores clínicos e professores de Medicina da França e juntamente, com Guillaume Duchenne, o fundador da moderna neurologia. Charcot tornou-se um “hábil” hipnotizador, e utilizava essa técnica para induzir no paciente as manifestações próprias da histeria, uma doença mental com variada sintomatologia psíquica, acompanhada de manifestações físicas como enrijecimento do corpo característico da doença.
Escólio: Assim, Hegel que parte da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel “existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento”, mas este desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são “instrumentos de sua manifestação”. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto.
Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que “é em si”, no interior, manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem. O europeu sabe de si, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens “falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem” (cf. Žižek, 1990; 1992; 1998). Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo, esta é a única diferença da existência (Existenz) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre.
            No âmbito da filosofia, Simone de Beauvoir (cf. Braga, 2011a) procurou refletir sobre a exclusão dos idosos, mas do ponto de vista de que sabia que iria se tornar um deles, como quem pensava o próprio destino. Para ela, um dos problemas da sociedade capitalista está no fato de que cada indivíduo percebe as outras pessoas como meio para a realização de suas necessidades: proteção, riqueza, prazer, dominação. Desta forma, nos relacionamos com outras pessoas priorizando nossos desejos, pouco compreendendo e valorizando suas necessidades. Em seu livro, a pensadora demonstra que há uma duplicidade nas relações que os mais jovens têm com os idosos, uma vez que, na maioria das vezes, mesmo sendo respeitado por sua condição de pai ou de mãe, trata-se o idoso como uma espécie de ser inferior, tirando dele suas responsabilidades ou encarando-o como culpado por sobrecarga de compromissos que imputa a filhos ou netos.
            Do ponto de vista literário e filosófico, as suas obras oferecem “uma visão sumamente reveladora de sua vida e de seu tempo”. Em seu primeiro romance, A convidada (1943), explorou os dilemas existencialistas da liberdade, da ação e da responsabilidade individual, temas que abordou igualmente em romances posteriores como O sangue dos outros (1944) e Os mandarins (1954), obra pela qual recebeu o Prêmio Goncourt e que é considerada a sua obra-prima. As teses existencialistas, segundo as quais “cada pessoa é responsável por si própria”, introduzem-se também em uma série de quatro obras autobiográficas, além de Memórias de uma moça bem-comportada (1958), destacam-se: A força das coisas (1963) e Tudo dito e feito (1972). Entre seus ensaios críticos cabe destacar principalmente: a) O Segundo Sexo (1949), onde se detém numa profunda análise sobre o papel das mulheres na sociedade; b) A velhice (1970), sobre o processo de envelhecimento, onde teceu críticas apaixonadas sobre a atitude da sociedade para com os anciãos; e last but not least, se já não é um truísmo, A cerimônia do adeus (1981), onde evocou a figura de seu companheiro de tantos anos, o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre.
            Diz um provérbio que “teme mais a morte aquele que mais temeu a vida”. Trata-se de uma clara alusão ao aumento das dificuldades adaptativas incrementada com o passar dos anos para algumas pessoas. Se, em tempos anteriores quando todas as circunstâncias existenciais eram mais satisfatórias, quando toda potencialidade vital era plena, quando o futuro era ainda distante e quando a solidão não tinha sido experimentada, mesmo assim a pessoa passava por momentos de franca dificuldade adaptativa, no envelhecimento então, quando se fazem sentir todas as dificuldades, a capacidade adaptativa anterior só pode mesmo estar piorada. As características trazidas pelo indivíduo à vida (sua constituição) se tornarão mais exuberantes com o envelhecimento e, se o indivíduo viveu desadaptadamente durante fases mais prematuras de sua existência, certamente envelhecerá mais desadaptadamente ainda. As pulsões e paixões reprimidas ao longo da vida não encontram mais na velhice energia suficiente para mantê-las em repressão e eclode na consciência um triste e amargo culto ao passado, com suas frustrações, seus pecados, suas angústias e seus rancores.
Antítese: A exaltação da juventude, com notável predomínio dos valores estéticos sobre tantos outros valores, “revela o velho como o grande vilão do mundo moderno e muitas vezes como um objeto de repulsa e rejeição social”. Na mídia, notadamente em filmes de grande bilheteria e de aventura contagiante, normalmente o herói não tem mais de 18 anos, os bandidos estão sempre na faixa dos 35 a 40 anos e os discretos velhinhos não passam de figuras cômicas que dão o toque de humor à cena de tensão. Os valores estéticos estão tão enraizados culturalmente no comportamento das pessoas que um ato de afeto e carinho entre dois idosos, como por exemplo, o caso de um beijo, é capaz de provocar atitudes de desprezo, jocosidade e até reprovação. O mesmo ato, tendo adolescentes como protagonistas, encontra receptividade social extraordinariamente maior.
Com o modelo midiático americanista (cf. Noble, 1977) que herdamos na propaganda então nem se fala. Todos os produtos vinculados ao prazer tais como: refrigerantes (Coca-Cola), cosméticos, alimentos em geral, carros (Ford), viagens, etc., têm jovens atléticos e formosos como atores aparentemente sociais para sua promoção. Para as pessoas de meia idade ficam as propagandas de supermercados, imóveis, planos de saúde e seguradoras. Ou seja, as coisas não relacionadas ao prazer, mas de vital importância aos demais membros da sociedade. Os idosos, quando aparecem, só o fazem quando é necessário um clima cômico ou caricatural, daí reiterar-se mais uma vez a questão do desprezo, da solidão, da angústia, do preconceito do ponto de vista deste estrato social.  
A sociedade contemporânea é exclusivamente alicerçada na produtividade, na meritocracia (cf. Braga, 2011b), no lucro imediato e na utilidade social da pessoa. Cada um de nós foi reduzido a uma mera “função social” e, dentro desta conjuntura das “funções sociais”, não restou sequer um espaço social para o velho. No filme de Elio Petri, La Clase Operaria Va in Paradiso (ITA, 1971), Lulu Massa é um operário consumido pelo capital e cujo trabalho estranhado consome sua vida. A fábrica adota sistema de quotas (metas) que intensifica a produção. Lulu é o operário-padrão da fábrica, sendo hostilizado pelos outros companheiros de chão de fábrica. Após perder um dedo na máquina, Lulu adota uma atitude critica ao modelo de exploração, confrontando a gerencia. Os operários (situação e oposição sindical) contestam as cotas. Após uma greve, Lulu é demitido. Depois de negociações, ele consegue ser readmitido na fábrica, voltando à linha de produção e reintegrando-se ao coletivo de trabalho. Por conta da mobilização operária, o sistema de cotas é revisto pela direção da fábrica. Deste modo, podemos caracterizar a estrutura lógico-explicativa da analise critica do filme de Elio Petri a partir de dois importantes eixos: primeiro, a produção de mais-valia relativa (Marx), com a inovação técnico-organizacional do capital, desvalorização da força de trabalho como mercadoria, degradação do trabalho vivo (saúde do trabalhador) e resistência contingente e necessária do proletariado etc. Segundo, capital consome trabalho vivo e trabalho estranhado consome vida. Os dois eixos explicativos da estrutura narrativa do filme constituem os traços essenciais do que seria a chamada precarização (e precariedade) do trabalho no capitalismo globalizado.
Até palavras como tradicional, conservador e ortodoxo, inexplicavelmente adquiriram teor pejorativo. É como se o novo “devesse ser obrigatoriamente bom e melhor”. E é assim que o idoso, considerado um peso social, frustra-se com a subtração de seu espaço existencial, anteriormente vivido com plenitude e sucesso. Experimenta uma profunda reação do sentimento da perda sem nada a substituir o objeto perdido: o seu valor como pessoa. Desta forma, mesmo indivíduos relativamente equilibrados emocionalmente durante a vida pregressa, com a velhice tendem a descompensar.
No plano heurístico da totalidade/globalidade com esse background aparentemente se compreende que nações até a pouco denominada “jovens”, entre as quais se destaca o Brasil, já não podem mais ostentar esse pomposo adjetivo sem que sejam feitas  algumas importantes distinções.  Ao mesmo tempo em que cresce a pressão dos jovens para ocupar seu lugar na sociedade, cresce também o número de pessoas idosas que se sentem descartadas não só do mercado de trabalho, mas da própria sociedade. À insegurança sentida pelos jovens no que se refere ao seu futuro, corresponde a insegurança das pessoas que ultrapassam a idade produtiva. Essa nova configuração  levanta logo uma série de questionamentos, seja na linha de identificação dos fatores que a provocaram e a continuam mantendo, seja na linha  dos desafios e medidas que se colocam com premência em relação ao presente e ao futuro não muito distante.   Toda essa problemática tem profunda incidência de cunho ético-político. O século XXI traz consigo outro aspecto nem sempre devidamente contemplado ao menos no contexto das nações ditas emergentes: o do rápido e expressivo envelhecimento da população.
A originalidade do processo de envelhecimento da população brasileira não se manifesta apenas por coordenadas histórico-culturais, nem somente pela freada brusca da natalidade. Uma análise atenta e cuidadosa que propicie uma plena busca de superação dos problemas não pode esquecer muitos outros fatores sociais que remetem para a história das pessoas, comparativamente às pessoas com deficiência têm sido caracterizadas por diversos paradigmas no decorrer da história da humanidade os quais resistem ao longo dos séculos, tendo provocado consequências históricas, benéficas ou não, na vida dessas pessoas, claro que naturalmente sempre entendidas dentro de um contexto sócio-político e cultural. Concretamente isso significa que a história pessoal, com sua multiplicidade de variáveis, pode ser marcada de maneira predominante por emoções e afetos positivos ou negativos.
Enfim, a sociedade, em todas as culturas, tem atravessado diversas fases no que se refere às práticas sociais. Ela começou praticando a exclusão social de pessoas que por causa das condições atípicas não lhe pareciam pertencer à maioria da população. Em seguida desenvolveu o atendimento segregado dentro de instituições, passou para a prática da integração social e recentemente adotou a filosofia da inclusão social para modificar os sistemas sociais gerais. O livro: Idosos no Brasil - Vivências, desafios e expectativas na terceira idade, organizado pela professora Anita Liberalesso Néri e coeditados pela Editora Fundação Perseu Abramo e pelas Edições SESC, reúne análises aprofundadas dos dados da pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio - SESC (Nacional e São Paulo). A pesquisa, em seu caráter meritório é uma das mais amplas já realizadas no Brasil sobre os idosos, em análise  comparativa interagiu com 2.136 pessoas com mais de 60 anos, e também 1.608 jovens e adultos de 16 a 59 anos, residentes em 20 municípios pequenos, médios e grandes das cinco regiões do país.
 Assinados por reconhecidos estudiosos da chamada “terceira idade”, os artigos escritos especialmente para o livro analisam a realidade e as expectativas dessa parcela cada vez maior da população em relação a escolaridade, discriminação social, garantia dos direitos, saúde, discriminação racial, família, cultura e lazer, produtividade e renda, entre outros cruzamentos. Numa abordagem mais original, analisam também, sempre a partir dos resultados obtidos na pesquisa, a autoimagem dos idosos, assim como a imagem que deles têm os mais jovens, compondo um retrato surpreendente e fidedigno da terceira idade no Brasil. Ao final do livro, como apoio à leitura dos textos, gráficos e tabelas trazem um resumo substancial da pesquisa. A divulgação desses dados e de suas análises, ao proporcionar a rediscussão do papel do idoso na família, nos grupos de convívio e em outros espaços sociais, tem como objetivo sensibilizar a sociedade em geral, e também, mais especificamente, dar subsídios para que governantes, gestores, gerontólogos e geriatras reformulem políticas públicas e ampliem serviços e equipamentos para que os idosos possam usufruir com dignidade e novas possibilidades de realização essa etapa de suas vidas.
Finalmente, no conto de Stanislaw Ponte Preta (1923-1968): “A Velha Contrabandista”, diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha. Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou-a parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela: - Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco? A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu: - É areia! Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
 Mas o fiscal desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas às vezes, o que ela levava no saco era areia. Diz que foi aí que o fiscal se chateou: - Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista. - Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs: - Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias? - O senhor promete que não “espáia”? - quis saber a velhinha. - Juro - respondeu o fiscal. - É lambreta.
Bibliografia geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de Souza, “Simplesmente: Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir”.http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/09/simplesmente-simone-lucie-ernestine.html; Idem, “A ´obesidade mental` da meritocracia no Brasil”. http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/12/obesidade-mental-da-meritocracia-no.html; ARENDT, Hannah, A promessa da política. 2ª edição. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009; PRANDI, Reginaldo, “Dei africani nell’ odierno Brasile: Introduzzione sociologica al candomblé”. In: Luisa Faldini Pizzorno (org.), Solto le acque abissali. Firenze: Aracne, 1995a; Idem, “Raça e Religião”. In: Novos Estudos CEBRAP, n° 42, julho de 1995b; Idem, Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001; SODRÉ. Muniz Araújo Cabral, O Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Codecri, 1979; Idem, Corpo de Mandinga. Manati, 2002; GOFFMANN, Erving, Manicômios, conventos e prisões. São Paulo: Perspectiva, 1974; BOSI, Ecléa, Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979; ŽIŽEK, Slavoj, Ils ne savent pas ce qu’ils font (Le sinthome ideólogique). Paris: Point Hors Ligne, 1990; Idem, Eles Não Sabem o Que Fazem. O sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992; Idem, Die Nacht der Welt Pyschoanalyse und Deutscher Idealismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998; ENGELS, Friedrich, “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”. In: Obras Escolhidas. Volume 3. São Paulo: Editora Alfa-Omega, [s.d].; BEAUVOIR, Simone de, A velhice. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990; BOBBIO, Norberto, O tempo da memória: De senectute e outros escritos autobiográficos. Rio de Janeiro: Campus, 1997; BARROS, Myriam Moraes Lins de (org.), Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999; NOBLE, David, América by design - Science, Technology and the Rise Corporate Capitalism. New York: Alfred A. Knopf Editeur, 1977; MOTTA, Flávia de Mattos, Velha é a vovozinha. Identidade feminina na velhice. Santa Cruz do Sul: Editora da UNISC, 1998; OLIVEIRA,  P. S, Vidas compartilhadas. Cultura e coeducação de gerações na vida cotidiana. São Paulo: Hucitec, 1999; DEBERT, Guita Grin (org.), Antropologia e velhice. Textos didáticos, IFCH/UNICAMP, n.13, 1998; Idem, & GOLDSTEIN, Donna (org.), Políticas do corpo e o curso da vida. São Paulo: Sumaré, 2000; BALLONE, G. J., “Alterações Emocionais no Envelhecimento”. http://gballone.sites.uol.com.br/geriat/andropausa.html, 2002; SILVA, Vera Maria Tietzmann, “Lendo sobre a velhice: resenha”. In: Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003, on line: www.proec.ufg.br; GRÜN, Anselm, A sublime arte de envelhecer. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 2007; ANTUNES, João Lobo, “Dignidade”. In: Memória de Nova Iorque e outros ensaios. Lisboa: Gradiva, 2002; pp. 178-191; ARIÈS, Philippe, “A morte invertida”. In: O homem perante a morte - II. Publicações Europa-América, 1988; 309-358; Idem, Sobre a história da morte no ocidente desde a idade média. 2ª ed. Lisboa: Teorema, 1989; pp. 137-190; CASTRO, Dana, La mort pour de faux et la mort pour de vrai. Paris:Albin Michel, 2000; SILVEIRA, Renato da, Candomblé da Barroquinha, Editora: Maianga ISBN 8588543419; CARNEIRO, Edison, Candomblés da Bahia. Salvador: Editora Museu do Estado da Bahia, 1948, 1954; Editora Martins Fontes, 1961; NÉRI, Anita Liberalesso (org.), Idosos no Brasil: Vivências, desafios e expectativas na terceira idade. Editora: SESC, 2007; 288 páginas, entre outros.

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