segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Jânio Quadros renunciou há 50 anos. História & Memória


                             Jânio Quadros renunciou há 50 anos. História & Memória.

                                                                         Ubiracy de Souza Braga*

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Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).


               Jânio da Silva Quadro (1917 - 1992) foi um político e o vigésimo segundo presidente do Brasil, entre 31 de janeiro de 1961 e 25 de agosto de 1961 - data em que renunciou ao mandato. Em 1985 elegeu-se prefeito de São Paulo pelo PTB. Foi o único sul-mato-grossense presidente do Brasil. A versão corrente de que Jânio Quadros nascera em Campo Grande foi contestado pelo ex-governador sul-mato-grossense, Pedro Pedrossian, em seu livro “Pedro Pedrossian, o Pescador de Sonhos - Memórias”, publicado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Mato Grosso do Sul, em 2006. Natural de Miranda, Pedrossian conta a passagem da família Quadros por Porto Esperança e Miranda e acrescenta: “Minha mãe (Rosa Pedrossian) confirma a versão (de que Jânio nascera em Miranda, na chácara Jambeiro), pois estudara com a mãe do candidato (Jânio)”.

            Quando criança morou em Curitiba, tendo feito os quatro primeiros anos do ensino fundamental no Grupo Escolar Conselheiro Zacarias, hoje Colégio Estadual Conselheiro Zacarias; mais tarde, estudou no Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo para, depois, formar-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, abrindo banca na capital paulista em 1943, logo após a sua graduação. Foi professor de Geografia no tradicional Colégio Dante Alighieri, considerado excelente professor. Tempos depois, lecionou Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

            Filho do farmacêutico Gabriel Quadros, nascido no estado de Mato Grosso (na porção que hoje corresponde ao Mato Grosso do Sul), mas criado em Curitiba (aonde foi colega de escola do futuro governador e ministro Ney Braga) e na capital paulista, em bairros da Zona Norte, Santana e, depois, Vila Maria, que se converteria em seu fiel e cativo reduto eleitoral. Em 1947 foi eleito suplente de vereador na cidade de São Paulo pelo Partido  Democrata Cristão (o mesmo partido   do   jovem André Franco Montoro, a quem enfrentaria em uma eleição estadual 35 anos depois). Com a cassação dos mandatos dos parlamentares do Partido Comunista Brasileiro - PCB (por determinação geral do então presidente Eurico Gaspar Dutra) pôde assumir uma cadeira na Câmara Municipal, desempenhando mandato entre 1948 e 1950. Na ocasião tornou-se conhecido como o maior autor de “proposições, projetos de lei e discursos de todas as casas legislativas do país no período, assinando ainda a grande maioria das propostas e projetos considerados favoráveis à classe trabalhadora”. Na sequência foi consagrado como o deputado estadual mais votado, com mandato entre 1951 e 1953.
A seguir elegeu-se prefeito do município de São Paulo, o que caracterizou uma grande façanha, pois enfrentou “uma enorme coligação de partidos”, assim composto: PSP-PSD-UDN-PTB-PRP-PR-PL. Essa coligação registrou a candidatura do professor Francisco Antônio Cardoso, que tinha uma campanha milionária, com uma enxurrada de material de propaganda e com apoio ostensivo das máquinas municipal e estadual. De outro lado, o PDC e o PSB lançam Jânio Quadros, com poucos recursos financeiros - sua campanha foi chamada de “o tostão contra o milhão”. Exerceu a função de 1953 a 1955, licenciando-se do cargo em 1954, durante a sua campanha para governador. Seu vice, que exerceu interinamente o cargo, foi José Porfírio da Paz, que também foi autor do hino do São Paulo Futebol Clube.
            O sistema partidário brasileiro já vem sendo sistematicamente estudado desde a década de 1960 sendo emblemáticos os trabalhos de Soares (1983), que estuda os partidos políticos como variáveis dependentes do sistema socioeconômico. Na década de 1980 os trabalhos de Campello de Souza (1983), Lima Júnior (1983) e Santos (1987) inauguram uma nova metodologia na abordagem do estudo dos partidos políticos, agora tomando as variáveis políticas como independentes das variáveis sócio-econômicas e que sofrem condicionamentos das instituições políticas e das regras que organizam as disputas político-partidárias na sociedade. A década de 1990 assiste uma ampliação dos estudos baseados na tradição inaugurada por Campello de Souza e Lima Júnior agora aplicado a nível estadual, a exemplo dos trabalhos organizados por Lima Júnior em 1974, que estudou os subsistemas partidários do Ceará, Bahia, São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul dentre outros.

            Nas eleições de 2010, por exemplo, o humorista cearense Tiririca teve como adversários os ex-jogadores de futebol Romário e Marcelinho Carioca, o que não é pouco em termos de popularidade. Mas, até agora, o fenômeno da propaganda eleitoral tem sido mesmo Tiririca, que apoiou Aloísio Mercadante, candidato pelo PT ao Governo do São Paulo. Este apoio, inclusive, “tem gerado uma pequena crise entre petistas e republicanos”. Faz parte da linha assumida pelo cearense um tom de sarcasmo e deboche sobre o Congresso nacional e o cargo de deputado federal, como por exemplo: “Vote no Tiririca, pior do que tá não fica!”; “Você está cansado de quem trambica? Vote no Tiririca”; “Para deputado federal. Tiririca. Vote no abestado”, entre outros. A denúncia para tornar o candidato Tiririca inelegível partiu da revista Época, associada da rede Globo de Televisão, que divulgou que “o humorista não saberia ler nem escrever”, o que configuraria caso de inelegibilidade dos analfabetos expressa na Constituição de 1988 que dispõe que o alistamento eleitoral e o voto são facultativos para os analfabetos, mas estabelece o analfabetismo como um dos critérios prevalentes para a inelegibilidade. Dois pesos e duas medidas: o analfabeto é obrigado a votar, mas não pode ser votado (cf. Braga, 2010).
Se criatividade fosse o critério mais importante na hora de escolher os representantes políticos, seria difícil - mesmo lembrando as propagandas relativamente recentes dos deputados Tiririca e Enéas, entre outros - desbancar as campanhas eleitorais de Jânio Quadros. “O tostão contra o milhão”, “Jânio vem aí” e o mais conhecido, “varre, varre, vassourinha”, foram alguns dos slogans que permanecem como símbolos de seu jeito peculiar de viver a política. O pedido de renúncia – até hoje motivo de controvérsia entre historiadores e cientistas políticos na discussão sobre os reais objetivos de Jânio – foi entregue ao Congresso há 50 anos e iniciou a crise sucessória entre as correntes políticas do país, que três anos depois culminaria no golpe militar de 1964 (cf. Dreifuss, 1981; pp. 125 e ss; Toledo, 1983, pp. 7 e ss).
Os rumos que o Brasil tomaria caso Jânio Quadros não abdicasse de seu mandato poderiam ser bem diferentes e a democracia brasileira, que dava os primeiros passos, talvez não tivesse sido interrompida por mais de 20 anos em seus direitos civis. Como a história não admite “suposições” (Weber) e nem se repete na “totalidade dos fatos” (Marx), e já “se conhecem os fatos” (Mills) que vieram depois da renúncia, o que se sobressai hoje são as críticas à decisão do ex-presidente. Tratamos aqui apenas da relação entre história política e memória no Brasil. Jânio entrou para a história, como responsável por um retrocesso político sem precedentes para o país. Durante toda a década de 1950, existiam rumores de que a democracia não teria futuro e sua renúncia serviu como um exemplo das correntes mais autoritárias nas críticas ao modelo político que começava a ganhar força. Ele dá o motivo que os militares esperavam, apontando que o povo brasileiro só aparentemente não sabe votar. Sabe sim, criamos neste país o chamado “voto útil”.
Historicamente o “voto útil” ocorre quando os eleitores, principalmente os menos compromissados com a política nacional, decidem seu voto em favor do candidato que estiver à frente nas pesquisas eleitorais. Isto se dá pelo fato de os eleitores entenderem que se o candidato x está com muitas condições de alcançar a vitória, não vale a pena desperdiçar seu voto “com um possível perdedor”. Baseia-se em um significativo grau de racionalidade dos eleitores, que pode ser estimulada via pesquisas eleitorais, que mostram o desenvolvimento dos candidatos durante as campanhas eleitorais. A possibilidade dos eleitores preferirem “voto útil”, migrando sua opção de voto de candidatos “fracos” para candidatos favoritos, é chamada na arena política de “efeito psicológico”.
Candidato da aliança PTN-PSB ganhou o pleito sobre o favorito Ademar de Barros (um de seus maiores inimigos políticos) por uma pequena margem de votos, de cerca de 1%. Sua gestão ocorreu entre 1955 e 1959. Durante o mandato procurou executar ações que passassem uma imagem de moralização da administração pública e de combate à corrupção (uma prática comum era a das “visitas surpresa” às repartições públicas, a fim de verificar a qualidade do serviço oferecido à população) aliada a um empreendedorismo que buscava destaque e projeção, seja na criação de novos serviços e órgãos ou na construção de grandes obras, como pode se verificar, por exemplo, na criação do complexo penitenciário do Carandiru como pode ser visto em sua vida cotidiana nos 10 episódios de Carandiru e outras histórias (cf. Babenco “et alii”, 2005). Assim, angariou grande popularidade e se consagrou como um líder entre os paulistas.

A presidência da República seria o passo a seguir, mas, no final de 1958, para não passar um “tempo ocioso” na política, se candidatou e se elegeu deputado federal pelo estado do Paraná, com o maior número de votos, mas renunciou ao mandato. Em lugar disso, preparou sua candidatura à presidência, com apoio da União Democrática Nacional (UDN). Utilizou como mote da campanha o “varre, varre vassourinha, varre a corrupção”, cujo jingle tinha como versos iniciais: “varre, varre, varre, varre vassourinha / varre, varre a bandalheira / que o povo já tá cansado / de sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!”. Contudo, Jânio chegou à presidência da República de forma muito veloz. Em São Paulo, exerceu sucessivamente os cargos de vereador, deputado, prefeito da capital e governador do estado. Como populista tinha um estilo político exibicionista, dramático e demagógico. Conquistou grande parte do eleitorado prometendo combater a corrupção e usando uma expressão por ele cunhada: varrer toda a sujeira da administração pública. Por isso o seu símbolo de campanha era uma vassoura. Qual a razão do sucesso de Jânio Quadros?
Castilho Cabral, presidente do antigo Movimento Popular Jânio Quadros, sempre se perguntava por que esse moço desajeitado conseguiu realizar, em menos de quinze anos, uma carreira política inteira - de vereador a Presidente da República - que não tem paralelo na história do Brasil. Jânio não alcançou o poder na crista de uma revolução armada, como Getúlio Vargas. Não era rico, não fazia parte de algum clã, não tinha padrinhos, não era dono de jornal, não tinha dinheiro, não era ligado a grupo econômico, não servia aos Estados Unidos nem à Rússia, não era bonito, nem simpático. O que era, então, Jânio Quadros? Jânio trazia em si e em sua mensagem, algo que tinha que se realizar. E que excedia, até mesmo excedeu, sua capacidade de realização… Todo um conjunto de valores e uma conjugação de interesses somavam-se em suas iniciativas e aliavam-se, nas resistências que encontrou. Analisada, a renúncia não tem explicação. Ou melhor, nenhuma das explicações que lhe foram dadas satisfaz.
Jânio representava a promessa de revolução pela qual o povo ansiava. Embora Jânio fosse considerado um conservador - era declaradamente anticomunista - seu programa de governo foi um programa revolucionário. Jânio e o Presidente da Argentina Arturo Frondizi. Propunha a modificação de fórmulas antiquadas, uma abertura a novos horizontes, que conduziria o Brasil a uma nova fase de progresso, sem inflação, em plena democracia. Assumiu a presidência (pela primeira vez a posse se realizava em Brasília) no dia 31 de janeiro de 1961. Embora tenha feito um governo curtíssimo - que só durou sete meses - pôde, nesse período, traçar novos rumos à política externa e e orientar, de maneira singular, os negócios internos. A posição ímpar de Cuba nas Américas após a vitória de Fidel Castro mereceu sua atenção. Comenta Hélio Silva em A Renúncia: “Foi em seu Governo, breve, mas meteórico, que se firmaram diretrizes tão avançadas que, muitos anos passados, voltamos a elas, sem possibilidade real de desconhecer as motivações que as inspiraram”.
Para combater a burocracia, tomou emprestado o Winston Churchill - que usara o método durante a Guerra - o hábito de comunicar-se com ministros e assessores diretamente por meio de memorandos - apelidados pela imprensa oposicionista de os bilhetinhos de Jânio - os quais funcionário ou ministro algum ousava ignorar. Adquirira esse hábito, que causou estranheza a alguns conservadores - e era até objeto de chacotas da oposição - no governo de São Paulo. Um mestre inato da “arte da comunicação”, Jânio, no intuito de se manter diariamente na “ribalta”, utilizava factoides: “como a proibição do biquíni nos concursos de miss, a proibição das rinhas de galo, a proibição de lança-perfume em bailes de carnaval, e a tentativa de regulamentar o carteado”.

Jânio condecorou, no dia 19 de agosto de 1961, com a “Grã Cruz da ordem Nacional do Cruzeiro do Sul”, Ernesto Che Guevara, o guerrilheiro argentino que fora um dos líderes da revolução cubana - e era ministro daquele país - em agradecimento por Guevara ter atendido a seu apelo e libertado mais de vinte sacerdotes presos em Cuba, que estavam condenados ao fuzilamento, exilando-os na Espanha. Jânio fez esse pedido de clemência a Guevara por solicitação de dom Armando Lombardi, Núncio apostólico no Brasil, que o solicitou em nome do Vaticano. A outorga da condecoração foi aprovada no Conselho da Ordem por unanimidade, inclusive pelos três ministros militares. As possíveis consequências desse ato foram mal calculadas por Jânio.
Sua repercussão foi a pior possível e os problemas já começaram na véspera, com a insubordinação da oficialidade do Batalhão de Guarda que, amotinada, se recusava a acatar as ordens de formar as tropas defronte ao Palácio do Planalto, para a execução dos hinos nacionais dos dois países e a revista.

Só a poucas horas da cerimônia, já na manhã do dia 19, conseguiram os oficiais superiores convencer os comandantes da guarda a se enquadrar. A oposição aproveitou-se desse mero ato de cortesia, feita a um governante que havia prestado um favor ao Brasil, para transformá-lo em tempestade num copo d'água. Na imprensa e no Congresso começaram a surgir violentos protestos contra a condecoração de Guevara. Alguns militares ameaçaram devolver suas condecorações em sinal de protesto. Em represália ao que foi descrito como um apoio de Jânio ao regime ditatorial de Fidel, nesse mesmo dia, Carlos Lacerda entregou a chave do Estado da Guanabara ao líder anticastrista Manuel Verona, diretor da Frente Revolucionária Democrática Cubana, que se encontrava viajando pelo Brasil em busca de apoio à sua causa.
Sua repercussão ao nível ideológico - com a permissividade da mídia brasileira como “capital da notícia” -, foi a pior possível e os problemas já começaram na véspera, com a insubordinação da oficialidade do Batalhão de Guarda que, amotinada, se recusava a acatar as ordens de formar as tropas defronte ao Palácio do Planalto, para a execução dos hinos nacionais dos dois países e a revista. Só a poucas horas da cerimônia, já na manhã do dia 19, conseguiram os oficiais superiores convencer os comandantes da guarda a se enquadrar. A oposição aproveitou-se desse “mero ato de cortesia”, feita a um governante que havia prestado um favor ao Brasil, para transformá-lo em tempestade num copo d`água. Na imprensa e no Congresso começaram a surgir violentos protestos contra a condecoração de Guevara. Alguns militares “ameaçaram devolver suas condecorações em sinal de protesto”. Em represália ao que foi descrito como um apoio de Jânio ao regime político de Fidel Castro (cf. Braga, 2011), nesse mesmo dia, Carlos Lacerda entregou simbolicamente a chave do Estado da Guanabara ao líder anticastrista Manuel Verona, diretor da Frente Revolucionária Democrática Cubana, que se encontrava viajando pelo Brasil em busca de apoio à sua causa.
O problema cubano representou capítulo determinante das relações hemisféricas. Nele, incluía-se o tratamento de temas como as relações Estados Unidos América Latina, a solidariedade continental, o problema do comunismo e o princípio da não intervenção. O sistema interamericano, representado pelo Tiar e pela OEA, foi obrigado a lidar, de um lado, com a possibilidade de instalação de modelo de governo fundamentado em ideologia distinta daquela do bloco ocidental, sem ferir princípios da não intervenção ou mesmo da autodeterminação (citado, por exemplo, por Roberto Campos em suas memórias); de outro, com uma revolução que patrocinava guerrilhas pelo continente, além da ameaça (ainda que improvável), de intervenção extracontinental, sem que se estabelecesse o precedente de intervenção em Estados americanos.  Enfim, nesse intrincado jogo de interesses que dividiu as repúblicas americanas, teve destaque a posição brasileira. A delegação, liderada por Francisco Clementino de San Tiago Dantas, opôs-se às sanções contra Cuba e, junto com Argentina, México, Chile, Bolívia e Equador, absteve-se da resolução que suspendia o governo cubano da OEA. San Tiago Dantas tornou-se uma das principais figuras da reunião, defendendo firmemente a inoperância e ilegalidade de sanções, cujo resultado (na visão de San Tiago), seria a consolidação da influência soviética.
A Política Externa Independente (PEI), criada por San Tiago Dantas (juntamente com Afonso Arinos e Araújo Castro) e adotada por Jânio Quadros, introduziu grandes mudanças na política internacional do Brasil. O país transformou as bases da sua ação diplomática e esta mudança representou um ponto de inflexão na história contemporânea da política internacional brasileira, que passou a procurar estabelecer relações comerciais e diplomáticas com todas as nações do mundo que manifestassem interesse num intercâmbio pacífico. Inaugurada em seu governo, foi firmemente conduzida pelo chanceler Afonso Arinos de Melo Franco. A inovação não era bem vista pelos Estados Unidos da América nem por vários grupos econômicos que se beneficiavam da política anterior e nem pela direita nacional, em especial por alguns políticos da UDN, que apoiara Jânio Quadros na eleição.
Enquanto o chanceler Afonso Arinos discursava no Congresso Nacional e divulgava, pela imprensa, palavras que conseguiam tranquilizar alguns setores mais esclarecidos da opinião pública, a corrente que comandava a campanha de oposição à nova política externa, liderada por Carlos Lacerda, Roberto Marinho (Organizações Globo), Júlio de Mesquita Filho (O Estado de S. Paulo) e Dom Jaime de Barros Câmara (arcebispo do Rio de Janeiro), ganhava terreno entre a massa propriamente dita, a tal ponto que alguns de seus eleitores começaram a acusar “Jânio de estar levando o Brasil para o comunismo”. Essa inovadora política externa de Jânio Quadros também provocou algumas resistências nos meios militares. O almirante Penna Botto, que havia protagonizado a deposição de Carlos Luz no episódio do Cruzador Tamandaré, chegou a lançar, em 1961, um livro intitulado A Desastrada Política Exterior do Presidente Jânio Quadros. Ipso facto essa política introduziu grandes mudanças na política internacional do Brasil. O país transformou as bases da sua ação diplomática e esta mudança representou um ponto de inflexão na história contemporânea da política internacional brasileira, que passou a procurar estabelecer relações comerciais e diplomáticas com todas as nações do mundo que manifestassem interesse num intercâmbio pacífico.

Bibliografia geral consultada.
BRAGA, Ubiracy de Souza, “Atira. Tenório, no fim, resolveu não atirar. As armas da crítica e a crítica das armas”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/08/24;

Idem, “Fidel Alejandro Castro Ruz faz 85 anos”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/08/14;

Idem, “O Palhaço Tiririca & Analfabetismo Político Brasileiro”. Disponível em: http://secundowordpress.com/2010/11/05;

Idem, “Terrorismo de Estado”. Disponível em: http://alaninet.org;

DREIFUSS, René Armand, 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 2ª edição revista. Petrópolis (RJ): Vozes, 1981;

TOLEDO, Caio Navarro de, O Governo Goulart e o Golpe de 64. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1983;

BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Jânio Quadros. São Paulo: Brasiliense, 2ª edição, 1999;

BOTTO, Almirante Carlos Penna, A Desastrada Política Exterior do Presidente Jânio Quadros. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 1961;

CARRARO, Adelaide, Eu e o Governador, Editora Loren, 1977;

CASTILHO CABRAL, Carlos. Tempos de Jânio e Outros Tempos. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1962;

CASTRO, Viriato de. O Fenômeno Jânio Quadros. São Paulo: Edição do autor, 2ª edição, 1959;

CASTELLO BRANCO, Carlos, A Renúncia de Jânio - Um depoimento. 4ª edição. São Paulo: Ed. REVAN, 1996;

CHAIA, Vera, A Liderança Política de Jânio Quadros. Ibitinga, SP: Ed. Humanidades, 1992; 

KOIFMAN, Fábio (Org.), Presidentes do Brasil, Editora Rio, 2001;

LOPES, Marechal José Machado, O III Exército na Crise da Renúncia de Jânio Quadros, Editora Alhambra,1980;

MELLÃO NETO, João, Jânio Quadros: 3 Estórias para 1 História. São Paulo:Ed. Renovação, 1982;

NÓBREGA, Vandick Londres da, A Grandeza da Renúncia na Voz da História. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1982;

PEREIRA, J., Bilhetinhos de Jânio. 2ª edição. São Paulo: Editora MUSA, 1959;

QUADROS, Jânio, Os dois mundos das três Américas. São Paulo: Martins, 1972;

QUADROS, Jânio e ARINOS, Afonso. História do Povo Brasileiro. São Paulo: J. Quadros Editores Culturais, SP, 1967;

QUADROS NETO, Jânio, Jânio Quadros - Memorial à História do Brasil. São Paulo: RIDEEL, 1996;

RIBEIRO, Mauro, Diário de um Confinado. São Paulo: Editora do Povo Brasileiro, 1968; 

SILVA, Hélio e CARNEIRO, Maria Cecilia Ribas, A Renúncia 1961. São Paulo: Editora Três, 1975;

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992;

VALENTE, Nelson, A Vida de Jânio em Quadros. São Paulo: Editora Nacional, 1993;

VITOR, Mário, Cinco Anos Que Abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965;

YAMASHIRO, José, Jânio - Vida e Carreira Política do Presidente. São Paulo: Livraria Lima Ltda, 1961 

entre outros...

Palestras sobre método e teoria de Erving Goffman na UFC




CONFERÊNCIAS
No Programa de Pós-Graduação em Sociologia

Professor Carlos Benedito de Campos Martins
da Universidade de Brasília


1. Perpectivas Metodológicas do Interacionismo Simbólico em Goffman

Dia 29/08/2011, às 15h00min, na Sala de Vídeo (Av. da Universidade, 2995, 1º Andar)


2. A Sociologia de Goffman: Metodologias Alternativas

Dia 30/08/2011, às 09h30min, na Sala de Vídeo (Av. da Universidade, 2995, 1º Andar)


domingo, 21 de agosto de 2011

Fiódor Dostoiévski e a psicologia de seus personagens.


                                Fiódor Dostoiévski e a psicologia de seus personagens.
                                                                                        Ubiracy de Souza Braga*

“Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto” (Evangelho segundo João, 12: 24).

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Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).



            Gênio do mal, segundo Máximo Górki. Perigoso, segundo Josef Stálin. Até 1953 o currículo autoritário/totalitário soviético para estudos universitários sobre o escritor o classificava como “expressão da ideologia reacionária burguesa individualista”. Segundo ele mesmo, seu mal era uma doença chamada consciência. O inverno se aproxima de Moscou a passos de neve. Estamos a 30 de novembro de 1821. No hospital Maria, destinado aos pobres da cidade, Maria Feodórovna Netchaiev ouve os primeiros gritos de seu segundo filho - Fiodor Mikhailovitch Dostoievski - cujo destino nem a mãe nem o pai - o doutor Mikhail Andrévitch Dostoievski - seriam capazes de adivinhar naquele momento de angústias e esperanças.
            Além disso, o que está escrito na lápide do túmulo de Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881) em São Petersburgo deu frutos, no âmbito da literatura e da filosofia, a saber: Nietzsche, Sartre, Camus, Kafka, Freud, Proust, e entre nós, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, todos devem tributo ao mestre russo, nascido em Moscou. Epiléptico como Machado de Assis, influenciou o existencialismo, o modernismo literário, a psicologia e a teologia. Foi condenado à morte por ler textos censurados em público, mas teve a pena alterada quando já estava de frente para o pelotão de fuzilamento, sendo então levado à Sibéria para quatro anos de trabalhos forçados.
           Fiódor Dostoiévski foi muito influenciado por tradições folclóricas. Algumas acreditavam que as águas de rios, mares e lagos representavam a fronteira entre “o mundo dos vivos e o mundo dos mortos”. Por conta da influência que arrecadou através dessa cultura – onde o homem está entre a vida e a morte –, as personagens da literatura de Dostoiévski estão constantemente expostas a ocasiões complexas, beirando os limites da razão e da lógica, e os limites que o ser humano é capaz de  realizar diante de problemas
universais; contudo, em geral, suas personagens podem ser classificadas em diferentes categorias: “cristãos humildes e modestos”, “autodestrutivos e niilistas”, “cínicos e libertinos”, “intelectuais rebeldes”, enquanto regidos por ideias e não imperativos sociais ou biológicos. Lembra-nos un passant a “filosofia na alcova: ou os preceptores imorais” (cf. Sade, 1999).
            Embora alguns biógrafos insistam que a primeira “crise” de Dostoiévski aconteceu antes da prisão, às cartas que ele enviou ao irmão deixaram bastante claro que ele só começou a apresentar a doença durante sua prisão. Os estudos médicos nunca chegaram a um acordo sobre a epilepsia de Dostoiévski. Freud afirmou que era uma doença histérica, e não epilepsia. Não só pelas Cartas, mas também pelos testemunhos deixados por seus contemporâneos, podemos perceber que Dostoiévski nunca abandonou a religião Ortodoxa, na qual fora criado, ao contrário da lenda que se formou posteriormente. A partir de Freud, o Inconsciente passa a ser uma instância psíquica com leis próprias, regida pelo imperativo da satisfação e que, a todo o momento, quer irromper na consciência e, para tanto, romper com o recalque.
                                       Fyodor Dostoevsky, fotografado em 1827.

Nele, no inconsciente, estaria tudo aquilo que diz respeito ao próprio sujeito, mas que o eu (a consciência) não pode e na maioria das vezes não quer reconhecer. Enfim, na tentativa de melhor explicar o que vem a ser o Inconsciente em Freud, vos remeto a um trecho da obra de F. Dostoiévski, Memórias do Subsolo:
“Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos seus amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em grande segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até de si próprio; e, em cada homem honesto, acumula-se um número bastante considerável de coisas do gênero. E acontece até o seguinte: quanto mais honesto é o homem, mais coisas assim ele possui. Pelo menos, eu mesmo só recentemente me decidi a lembrar das minhas aventuras passadas e, até hoje, sempre as contornei com alguma inquietação. Mas agora, que não lembro apenas, mas até mesmo resolvi anotar, agora quero justamente verificar: é possível ser absolutamente franco, pelo menos consigo mesmo, e não temer a verdade integral? Observarei a propósito: Heine afirma que uma autobiografia exata é quase impossível, e que uma pessoa falando de si mesma certamente há de mentir” (Dostoiévski,1962b: 173-174).
            Cabe lembrarmos aqui que, em 1927, Freud juntou à tragédia antiga e ao drama shakespeariano uma terceira vertente: Os Irmãos Karamázov. Segundo ele, o romance de  Dostoiévski “era o mais freudiano dos três”, pois em vez de mostrar um inconsciente disfarçado de destino (como Édipo Rei) ou uma inibição culpada, ele põe em cena, sem máscara alguma, “a própria pulsão assassina, isto é, o caráter universal do desejo parricida”: cada um dos três irmãos, com efeito, é habitado pelo desejo de matar realmente o pai. Quatro facetas Freud distingue na rica, como ele mesmo diz, personalidade de Dostoiévski: “o artista criador, o neurótico, o moralista e o pecador”. Daí o parti pris e a psicologia de seus personagens. Freud irá, então, destrinchar cada uma dessas facetas.
De acordo com ele, o caráter moralista é o aspecto mais facilmente acessível. No entanto, o resultado final das batalhas morais de Dostoiévski não foi lá muito glorioso. Para Freud, depois das mais violentas lutas para reconciliar as exigências “instintuais” do indivíduo com as reivindicações da comunidade, que é muito bem precisa em Carl Schorske (1990), Dostoiévski veio a cair na posição retrógrada de submissão à autoridade temporal e espiritual, de veneração pelo czar e pelo Deus dos Cristãos, e de um estreito nacionalismo russo. Ou seja, quando em O Idiota, o desenrolar da trama cujo tema central recai na problemática do indivíduo puro, superior, que acaba sendo para os demais, numa sociedade corrompida, um idiota, um inadaptado. Ou ainda, quando nos aponta Freud: “Esse é o ponto fraco dessa grande personalidade. Dostoiévski jogou fora a oportunidade de se tornar mestre e libertador da humanidade e se uniu a seus carcereiros. O futuro da civilização humana pouco terá por que lhe agradecer” (Freud, 1928: 182).
            O realismo crítico foi um movimento artístico e cultural que se desenvolveu na segunda metade do século XIX. E como os movimentos sociais são a ação conflitante dos agentes das classes sociais, para lembramos de Alain Touraine, a característica principal deste movimento foi dá-se com a abordagem de temas sociais e um tratamento objetivo da realidade do ser humano. Possuía um forte caráter ideológico, marcado por uma linguagem política e de denúncia dos problemas sociais como, por exemplo, miséria, pobreza, exploração, corrupção entre outros. Com uma linguagem clara, os artistas e escritores realistas iam diretamente ao foco da questão, reagindo, desta forma, ao subjetivismo do romantismo.
Em O Diário de um Escritor, em russo, Dnevnik pisatelya apresenta-nos uma série de artigos iniciados em 1873 e recordou que após concluir Gente Pobre é o primeiro romance de Dostoiévski, escrito em 1846 quando tinha 25 anos e tem como personagens humildes habitantes de São Petersburgo. O livro revela uma impressionante maturidade se considerarmos a idade do autor. Podemos vê-lo como um manifesto da sua concepção de literatura, porque encontramos aqui presentes as especificidades que o distinguiriam ao longo de toda a sua obra. Os problemas sociais diários relacionados com a habitação, a comida e o vestuário. O frio e uma sociedade que escarna dos pobres.  Um livro de Dostoiévski, mais um, com uma feroz crítica social. Provavelmente uma das obras que o mandou para a cadeia siberiana. Não seria um livro de Fiódor se uma feroz carga psicológica não carregasse as personagens, onde os seus passados pessoais se misturam com os seus feitios e reações. Para Federico García Lorca, “o insigne escritor russo, Fedor Dostoiévski, muito mais pai da revolução russa do que Lenine”.
Deu uma cópia para seu amigo Dmitry Grigorovich, que a entregou ao poeta Nikolai Alekseevich Nekrasov. Com a leitura do manuscrito “em voz alta”, ambos ficaram extasiados pela percepção social da obra. Às quatro horas da manhã, foram até Dostoiévski para dizer que seu primeiro romance era uma obra-prima. Nekrasov mais tarde entregou a obra a Bielínski. “Um novo Gogol apareceu!”, disse Nekrasov. “Pra você, os Gogol nascem como cogumelos!”, Bielínski respondeu. Logo depois, porém, o crítico concordaria. Ele estava extasiado com o movimento realista na Europa, e considerou o romance de Dostoiévski como a primeira tentativa do gênero na Rússia. Nas obras em prosa, o realismo atingiu seu ápice na literatura. Os romances realistas são de caráter social e psicológico, abordando temas polêmicos para a sociedade da segunda metade do século XIX.
As instituições sociais são criticadas, assim como a Igreja Católica e a burguesia. Nas obras literárias deste período, os escritores também criticavam “o preconceito, a intolerância e a exploração”. Sempre utilizando uma linguagem direta e objetiva. Podemos citar como importantes obras da passagem do romantismo para o realismo: Comédia Humana de Honoré de Balzac, O Vermelho e o Negro de Stendhal, Carmen de Prosper Merimée e Almas Mortas de Nikolai Gogol. Porém, a obra que marca o início do realismo na literatura é a obra Madame Bovary de Gustave Flaubert. Outras importantes obras são: Os Irmãos Karamazov de Fiódor Dostoiévski, Anna Karenina e Guerra e Paz de Leon Tolstói, Oliver Twist de Charles Dickens, Os Maias e Primo Basílio de Eça de Queiroz, entre os mais lidos e citados.
            Para a compreensão da neurose de Dostoiévski, Freud utiliza a análise do “sujeito do sintoma”, nesse caso da epilepsia. Pois bem, Dostoievski era epilético e, segundo suposição de Freud, os sintomas neuróticos teriam assumido forma epilética a partir do assassinato de seu pai. Aí se torna visível a questão do parricídio; como demonstrado pelo complexo de Édipo, Dostoiévski, talvez como qualquer outra pessoa, teria ao mesmo tempo ódio do pai por vê-lo como rival pelo amor da mãe e identificação com ele através da admiração e desejo de ocupar seu lugar, fundando uma relação ambivalente. O ódio, no entanto, seria reprimido pelo que Freud traz como “temor à castração”, e permaneceria no inconsciente. Quando presente um fator bissexual como constitucional da criança, o amor pelo pai faz com que o menino queira assumir a posição da mãe, porém, para isso a criança seria igualmente castrada, de modo que o medo da castração dessa vez causa um medo também à atitude feminina: um homossexualismo latente.
A repressão do ódio pelo pai e a identificação com ele (por buscarem o mesmo lugar em relação à mãe) fundam o superego. Freud traz o exemplo de que “se o pai for duro, violento e cruel, o superego assume dele esses atributos, e, nas relações entre o ego e ele, a passividade que se imaginava ter sido reprimida é restabelecida”. Há relatos também de que as crises de Dostoievski o levavam a ter sensação de estar morto. Isso é explicado pelo sadismo do superego e a passividade do ego, em forma de punição; Dostoievski desejava de maneira inconsciente assumir a posição do pai, agora o pai está morto e ele “é” o pai. Daí as condições e possibilidades por relacionar Freud à obra de Dostoievski através da ideia de que todos os criminosos - e todo crime se fundamenta na vontade de matar o pai em busca de ser/ter o falo -, e à exceção dos psicóticos (cf. Braga, 2010), têm desejos inconscientes de serem punidos (principalmente através do sentimento de culpa), de modo que todo criminoso neurótico já é castigado por si mesmo, como é demonstrado cabalmente em “Crime e Castigo”.
Crime e Castigo, em russo, Преступле́ние и наказа́ние, Prestuplênie i nakazánie, é um romance publicado em 1866. Narra a história de Rodion Românovitch Raskólnikov, um jovem estudante que comete um assassinato e se vê perseguido por sua incapacidade de continuar sua vida após o delito. O livro/romance se baseia numa visão sobre religião e existencialismo O existencialismo, para sermos breves, é uma doutrina ético-filosófica e literária que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. O existencialismo considera cada homem como um ser único que é mestre dos seus atos e do seu destino, portanto, apresenta-se na obra com um foco predominante no tema de atingir salvação por sofrimento, sem deixar de comentar algumas questões do socialismo e niilismo. Os flagrantes traços autobiográficos, como a adoração pela mãe, o vício do jogo (O Jogador) e a fidelidade psicológica, bem como os traços estilísticos do autor, colocaram esta obra, entre as maiores da história da literatura universal e, certamente, junto com Os Irmãos Karamazov, em russo Братья Карамазовы, Brat'ya Karamazovy, garantiram a Dostoiévski a posição de maior escritor russo da história em conjunto com Lev Tolstoy.
O Idiota, em russo, Идиот, é um romance escrito em Florença, entre os anos de 1867 e 1868, pelo escritor. Publicado em 1869, o livro foi muito bem recebido pelos críticos da época. Nele Dostoiévski constrói um dos personagens mais impressionantes de toda literatura mundial, o humanista e epilético Príncipe Míchkin, mescla de Cristo e Dom Quixote. Escrito em meio a crises de epilepsia, perturbações nervosas, viagens e sob a pressão de severas dívidas de jogo, O Idiota é considerado pelo crítico estadunidense Harold Bloom um “Cânone Ocidental”, juntamente com Crime e Castigo e Memórias do Subsolo. As Notas do subterrâneo também traduzido como Memórias do Subsolo ou Notas do Subsolo, em russo, Записки из подполья, Zapíski iz pódpol'ia, é um pequeno romance de Fiódor Dostoiévski. Esta obra é considerada como a primeira obra existencialista do mundo. Apresenta-se como um excerto das memórias de um empregado civil aposentado que vive em São Petersburgo. O livro é dividido em duas partes, e relativamente pequeno quando comparado ao tamanho das outras obras-primas de Dostoiévski.
A narrativa apresenta um homem amargo, isolado, sem nome, chamado geralmente de “Homem subterrâneo”. Este personagem, que não menciona seu nome em nenhum momento, encena na primeira parte do romance, que leva o nome de “O subsolo”, um grande solilóquio com a intenção de “comover” de alguma forma seu leitor. Este leitor é de suma importância que seja detectado na leitura, pois o discurso do narrador é “moldado” por seu receptor, dessa forma o seu solilóquio, na verdade, é uma grande evocação de discursos alheios que são parodiados de uma forma zombeteira e às avessas. A personagem chega a dizer que é um homem mau, ou age como tal, mas que pode ser agradado e visto como uma pessoa de bem.
Essa incapacidade de se livrar do peso moral o aflige. Diz que os homens sanguinários eram cultos e inteligentes, reforçando as ideias de Raskolnikov em Преступле́ние и наказа́ние, Prestuplênie i nakazánie, e que ele mesmo gostaria muito de encontrar um motivo pra dar sentido a sua vida, como os chamados homens de ação. Ele conclui que “o melhor é não fazer nada”. Na segunda parte, nomeada de “A propósito da neve molhada”, há três episódios fascinantes que relatam de uma forma concreta como o nosso anti-herói é encurralado socialmente pelos discursos e ações de uma sociedade despótica. Essa narrativa é exposta com uma visão da consciência do protagonista, num dos melhores exemplos do recurso literário fluxo de consciência.
Enfim, se Soren Kierkegaard não leu Fiódor Dostoiévski, no entanto, poderíamos colocar a seguinte questão: o que ele diria sobre O Idiota? Em que medida a escolha pelo olhar amoroso pode ser pensada como uma forma de morbidez enquanto fuga do real? Kierkegaard entende que:
É algo esquisito que uma pessoa não busque o seu interesse pessoal, é esquisito que não devolva as injúrias; é algo esquisito e embaraçoso que perdoe seus inimigos e quase se preocupe em saber se fez o suficiente em favor de seus inimigos, é esquisito que esta pessoa sempre se coloque na posição errada, jamais onde há vantagens em ser corajoso, altivo, desinteressado: tudo isso é esquisito, afetado e meio maluco, em suma: algo que se pode rir, quando alguém, mesmo sendo mundo está seguro de, como cristão, estar de posse da verdade e da felicidade, tanto aqui quanto lá em cima (cf. Kierkegaard, 2005: 234).
            Dostoiévski estava convencido de que o belo é um ideal e a dificuldade em descrevê-lo emerge em sua obra como uma tarefa infinita, pois “somente uma figura no mundo é positivamente bela: é Cristo, de modo que o fenômeno dessa figura ilimitadamente, infinitamente boa já é em si um milagre infinito”. Sendo assim, definir um traço real da personalidade de Míchkin é um desafio e certamente constitui para a maioria dos leitores o que Kierkegaard denominou o “escândalo”. No entanto, para Dostoiévski o real do artista não é outra coisa que o “real comum”. Em O Idiota a “verdade” emerge como um conhecimento mais amplo da realidade humana. Precisamente porque diante das “realidades” terrenas, Dostoiévski sinaliza que a única possibilidade de demonstrar a fé religioso-política é mediante uma espécie de aspiração idealista.
O príncipe Míchkin é um indivíduo cuja pureza de coração, aos olhos dos demais, parece idiota. Em decorrência de um amor extremamente puro, a humildade emerge como uma espécie de auto-humilhação que se mostra como um estado doentio, ou seja, como alguém desconectado do “real”. Seu olhar transformado pelo amor vê, no agir do outro, o que não pode ser visto pelo olho simplesmente físico, ou seja, somente os olhos da fé trazem à luz o que não é de modo objetivo a verdade. É por isso que o príncipe, em seu olhar transformado, consegue perdoar os “pecados”, pois objetivamente ele não vê o que os outros veem e é justamente por isso que ele perdoa. Seu olhar não é ingênuo e, no entanto, do mesmo modo que ele percebe o pecado, ele já o considera perdoado. Como Kierkegaard nas Obras do Amor, Míchkin nos aponta através de seu olhar amoroso, que não é o conhecimento de uma verdade objetiva que traduz a sua prática amorosa, mas que esse mesmo olhar é capaz de cobrir uma multidão de pecados.
Nestes termos o conhecimento não produz elementos capazes de perceber perfeitamente a ação do outro e, nesse sentido, as possibilidades de interpretação serão sempre fundamentadas em uma decisão. O olhar amoroso se baseia não pelo conhecimento objetivo, mas em uma escolha, pois o pecado mesmo sendo visto é perdoado e, nesse sentido, já não é mais visto. A partir de nosso próprio conhecimento, estamos sempre diante da possibilidade de escolhas, ou seja, tanto podemos ver o outro com um olhar amoroso, percebendo nele boas qualidades, quanto desconfiar e perceber somente a maldade. Kierkegaard compreende que, aos olhos do mundo, aquele que nada descobre em relação à maldade alheia produz uma impressão bastante medíocre. Sob este aspecto, repetidas vezes ele afirma que o amoroso se assemelha a uma criança, se reconhece como tal, e assim deseja permanecer. Nesse sentido, o amoroso, assim como a criança, “não entende o mal e nem quer entender”.
Enfim, no cinema, a obra de Dostoiévski recebeu a adaptação do diretor italiano Luchino Visconti, com Marcello Mastroianni e Maria Schell; Le Notti Bianche (1957), que recebeu o Leão de Prata no Festival de Cinema de Veneza, tem trilha sonora assinada por Nino Rota, compositor preferido de Federico Fellini. A São Petersburgo do século XIX é transportada para uma Livorno construída no Teatro 5 de Cinecittá. O roteiro é assinado por Suso Cecchi d`Amico. A TV brasileira também assistiu a uma adaptação da obra de Dostoiévski; Noites Brancas foi exibida como um caso Especial em 1973, na Rede Globo de Televisão, com o mestre Francisco Cuoco e a saudosa Dina Sfat nos papéis principais, sob a direção genial de Oduvaldo Viana Filho.
Lembramos ainda que o cineasta como Autor é responsável pela leitura que faz, e a partir dela o debate estabelecido não deve girar em torno da fidelidade à obra, uma vez que, felizmente não é possível conceber uma única interpretação para o texto lido. Ipso facto, o cinema, assim como qualquer tipo de arte, inclusive a literatura, é a expressão de um indivíduo, de uma nação e de uma cultura. Os leitores têm visões, valores, ideologias e imaginação singulares, portanto, cabe ao espectador avaliar se o cineasta conseguiu transmitir a sua interpretação particular para o cinema de maneira lúdica, portanto, criativa. Em vista disso, a fidelidade ao original deixa de ser o critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como uma sempre renovada experiência. Afinal, além de livro e filme estarem distanciados no tempo e espaço, escritor e cineasta não têm a mesma sensibilidade. E deveriam ter?


Bibliografia geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de Souza, “Marcha para gays, passeata para Jesus?” Disponível em: http://www.opovo.com.br/opovo/internacional.html;
Idem, “Por uns velhos vãos motivos, somos cegos e cativos”. Disponível em: http://literaturapolítica.wordpress.com/2010/09/25;
Idem, “Franz Kafka e a figura paterna em Praga”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/08/05;
ZWEIG, S. Dostoiewski. Tradução Heitor Moniz. Rio de Janeiro: Guanabara, 1934;
SCHORSKE, Carl Emil, Viena Fin de Siècle. São Paulo: Companhia das Letras, 1990;
DOSTOIÉVSKI, Fiódor M., Os Irmãos Karamázov. Rio de Janeiro: José Olympio Editora. 1962a;
Idem, Memórias do Subsolo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962b;
Idem, Coração Fraco e outras histórias. Rio de Janeiro: Editorial Presença, 2006;
Idem, Gente Pobre. Rio de Janeiro: Editora 34, 2010;
Retorno do Profeta - um documentário VE Ryzhkov (Rússia, 1994);
Em 2010, diretor Vladimir Khotinenko começou a filmar o filme sobre Dostoiévski multiseries , que foi lançado em 2011 para o aniversário de 190 do nascimento de Dostoiévski. 19 июня 2010 года открылась 181-я станция Московского метрополитена «Достоевская». 19 junho 2010 eu abri a 181 estações de Metro de Moscou “Dostoiévski”. Выход в город осуществляется на Суворовскую площадь, Селезневскую улицу и улицу Дурова. Sair para a cidade realizadas na Praça Suvorov, rua Seleznevskaya e Durova rua Оформление станции: на стенах станции изображены сцены, иллюстрирующие четыре романа Ф. М. ДостоевскогоПреступление и наказание », « Идиот », « Бесы », « Братья Карамазовы »). “Estações de registro: Estação nas paredes com cenas que ilustram os quatro romances de Fyodor Dostoyevsky: “Crime e Castigo”, “Idiota”, “Possessed”, “Os Irmãos Karamazov”;
DOSTOIÉVSKI, Fiódor M.”. Os Melhores Contos de Dostoievski. São Paulo: Círculo do Livro S.A., 1991;
FRANK, Joseph. Dostoiévski: os efeitos da libertação. São Paulo: EDUSP - Editora da Universidade de São Paulo, 2002;
FREUD, Sigmund, (1928) “Dostoiévski e o Parricídio”. In: Obras Completas ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1990. Volume XXI;
Idem, Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca Neuva, 1972, 3 Volumes;
Idem, Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Ed. Standard; Imago, 1996;
SADE, Marquês de, A filosofia na alcova: ou os preceptores imorais. São Paulo: Iluminuras, 1999;
GARCIA-ROZA, L. A., Acaso e Repetição em psicanálise: uma introdução à teoria das pulsões. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986 entre outros.