quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Miss Universe: globalização, racismo e mercado do corpo?

                               
                                                                                                                               
                                                                                        Ubiracy de Souza Braga*


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* Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).






                   “O conceito universal do belo entrou em declínio com a modernidade”. Samuel Chaim Katz


        Gabriela Isler (Venezuela), vencedora do concurso multinacional denominado: “Miss Universe” (2013).

            Escólio: Chamamos de “conceito” o que Platão parece demonstrar não como culto ao belo, posto que só tivesse validade se correspondesse a uma “essência no mundo das ideias”. A busca platônica pelo belo, o bom e o justo fixam-se na história do Ocidente em torno da busca do “belo em si”. Com as grandes religiões, o belo situa-se sempre fora da experiência sensível. Seria o divino aquilo que o humano tem como referência e que tenta alcançar. Para sermos breves, Immanuel Kant realiza uma virada, dizendo que é impossível ter uma regra universal acerca do belo, pois todo juízo a respeito do belo é singular, determinado pelo gosto; não há mais uma determinação dita “universalizante”. Ao mesmo tempo, se para Kant, apesar de o gosto ser singular, todo mundo tem faculdades semelhantes; portanto a decisão sobre o que é belo se rompe com a universalização, mas as condições são universalizáveis. Contudo, a descrição de Michel Foucault sobre Erasmo (c. 1466-1536) no livro: “Elogio da Loucura”, de Erasmo, não há mais essa universalização. Para um homem bem velho que tem dinheiro, por exemplo, essas questões sobre o belo não aparecem. A loucura interna a cada um, sim, é universal, mas que não trataremos agora.

Tese: O Brasil pode ter ganhado cinco Copas do Mundo, e a Argentina, 22 Taças Libertadores da América, mas quando se trata de mulher bonita, nenhum país da América Latina é páreo para a Venezuela. O país já conquistou seis títulos do concurso “Miss Universo”, e só fica atrás dos Estados Unidos, que têm oito por razões óbvias: origem e significado comercial da competição. Como se não bastasse, em 2009 a pátria de Chávez entrou para o Livro Guinness dos Recordes ao se tornar o primeiro país a conquistar o título por dois anos consecutivos em 2008 e 2009. A trajetória que levou as venezuelanas ao topo do ranking mundial da beleza começou em 1952, quando a “Panamerican Airways” (Pan Am) idealizou o concurso Miss Venezuela para escolher a representante do país no então recém-criado “Miss Universo”, concurso de beleza realizado nos Estados Unidos para escolher a mulher mais bela do mundo. Com o passar dos anos, a competição virou um fenômeno de público na Venezuela e, a partir da década de 1970, passou a ser transmitido em cadeia nacional pelo canal Venevisión e se tornou o programa de televisão mais assistido do país.
              Foto: As cinco finalistas do concurso “Miss Universo”, ano 2013.  Alexander Nemenov/AFP.
A Venezuela, oficialmente República Bolivariana da Venezuela, é um país tropical, na costa norte da América do Sul. O país possui várias ilhas fora de seu território continental situadas em sua costa no mar do Caribe (português brasileiro) ou mar das Caraíbas (português europeu). A república é uma antiga colônia espanhola que conquistou a sua Independência em 1821. A Venezuela tem fronteiras com a Guiana a leste, com o Brasil ao sul e com a Colômbia a oeste. Os países Trinidad e Tobago, Granada, São Vicente e Granadinas, Santa Lúcia e Barbados, além de Curaçao e Aruba, que são países constituintes do Reino dos Países Baixos, e a municipalidade neerlandesa de “Bonaire”, estão a norte, ao largo da costa venezuelana. Sua área territorial é de 916 445 km², sendo o 32º maior país no mundo em território. Sua população é estimada em 28 892 735 habitantes e a capital nacional é Caracas. As cores da bandeira venezuelana são o amarelo, azul e vermelho, nessa ordem: o amarelo representa a riqueza da terra, o azul o mar e o céu do país, e o vermelho o sangue derramado pelos heróis da Independência. A Venezuela está entre os países mais urbanizados da América Latina; a grande maioria dos venezuelanos vive nas cidades do norte, especialmente na capital Caracas, que é também a maior cidade do país. 
 
                                       Visão parcial de Caracas com seus teleféricos.
Do ponto de vista estético não demorou muito para que a Venezuela emplacasse uma “Miss Universe”: em 1979, Maritza Sayalero se tornou a primeira representante do país a conquistar a coroa. Dali em diante, o feito foi repetido por Irene Sáez em 1981, Bárbara Palacios em 1986, Alicia Machado em 1996 e pela dobradinha Dayana Mendoza em 2008 e Stefania Fernandez em 2009. Todas essas conquistas apontavam para um novo status dos concursos de beleza: “inteligência, os valores pessoais e a capacidade liderança da mulher”, os quais fizeram com que o concurso Miss Venezuela, realizado todo ano entre setembro e outubro em Caracas, passasse a ser transmitido pela Venevisión para toda a América Latina, num processo midiático aparentemente de “incomunicação” (cf. Sfez, 2000; Menezes, 2005), como se referem alguns teóricos dos mass mídia e até para os Estados Unidos. No último dia 10 de outubro foi realizada a edição de 2013, que coroou Migbelis Castellanos como a nova Miss Venezuela. A corporação Venevisión é uma rede de televisão da Venezuela, sendo a principal deste país.
É comandado pelo magnata Gustavo Cisneros, que a adquiriu em 1960. Foi criada no dia 4 de maio de 1953 com o nome de “Venezolana de Televisión, SA”. A companhia foi a falência em 1960, quando Diego Cisneros comprou o restante da sociedade. Em, 1961 e Venevisión foi inaugurada em definitivo com um show inaugural. O canal era transmitido ao vivo, pois ainda a emissora não tinha o “videotape”, com a exceção dos noticiários onde eram exibidos em filme. Em 1961 a emissora assinou um acordo com a rede de televisão norte-americana ABC, para apoios técnicos e direitos civis de emissão de programas de TV. Na década de 1970 a emissora passou a testar o sistema de transmissão em cores e em 1986 passou a transmitir via parabólica, sendo a primeira da Venezuela. Em 1994 passou a operar 24 horas por dia e em 2007 transmitiu o Miss Venezuela e a Copa América em “alta definição”.
                   
Marelisa Gibson, Miss Venezuela, disputou o Miss Universo em 2010. Foto: Jerryn LV/Shutterstock.
No caso brasileiro, Vera Fischer foi coroada Miss Brasil no de 1969 aos 18 anos. Nascida em uma família de origem alemã, em 1951, na cidade de Blumenau, no Vale do Itajaí, Santa Catarina. Em recente autobiografia (cf. Serena, 2011) declarou “que seu pai era nazista”. Vera Fischer, contrariando Freud (1972), nunca teve uma boa relação com o pai. Iniciou a carreira como atriz fazendo pornochanchadas, um gênero de filmes brasileiros que fez parte do popularesco nas décadas de 1970 e início da década de 1980, mas em sua démarche passou a fazer telenovelas, cinema e teatro. No cinema, interpretou personagens antinômicos de Rubem Fonseca, Plínio Marcos e Nelson Rodrigues. A beleza física da atriz é um dos seus pontos altos, para lembramos de Vinícius de Moraes, quando afirma: “que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental”, o que reitera as edições da revista Playboy (cf. Braga, 2012) de agosto de 1982 e de janeiro de 2000, sendo que nesse último ensaio fez fotos nuas em Paris aos 48 anos clicados pelo renomado fotógrafo Bob Wolfenson.
Nos primeiros dez anos do concurso de 1952 a 1962 diversas coroas foram usadas pelas vencedoras do concurso. De 1960 a 1990, o “Juramento da Miss Universo” foi lido após a coroação de cada vencedora. Sempre em “off”, primeiro por uma co-apresentadora e depois pela voz gravada da eleita em inglês: - “We, the young women of the universe, believe people everywhere are seeking peace, tolerance and mutual understanding. We pledge to spread this message in every way we can, wherever we go” (- Nós, as jovens mulheres do universo, acreditamos que as pessoas de todos os lugares buscam a paz, a tolerância e o entendimento mútuo. Nós prometemos difundir esta mensagem de todas as maneiras que pudermos, em todos os lugares que formos”). Em 1963 uma coroa com mais de mil diamantes e ouro branco confeccionada por uma joalheria norte-americana passou a ser utilizada como a coroa oficial. O modelo foi usado por 38 anos de 1963 a 2001. A coroa usada pela vencedora do concurso entre 2002 e 2007 foi desenhada pela joalheria japonesa Mikimoto, patrocinadora oficial da “Miss Universe Organization” nestes anos.
Ela descreve a ascensão da Fênix, símbolo mitológico do poder, da beleza e do status. A coroa tem 500 diamantes num total de quase 30 quilates, 120 pérolas de tamanhos entre 3 e 18 mm de diâmetro e tem o valor de U$250 mil dólares. Foi criada pelos artesãos japoneses especialmente para o concurso na Ilha da Pérola Mikimoto, no Japão. A partir de 2009, uma nova coroa criada pela empresa Diamond Nexus Labs passou a ser usada para a coroação. Ela foi incrustada com 1.371 gemas num total de 16,09 quilates (83.22 g) e contém 544,31 gramas de ouro branco e platina. A coroa também foi manufaturada com rubis sintéticos que representam a plataforma de educação e precauções contra doenças sexualmente transmissíveis. Entretanto, quando foi usada no primeiro ano, pela venezuelana Stefania Fernández, Miss Universo 2009, acabou ficando tão pesada que provocava dores de cabeça. Com isso, ela foi reformulada e tornada mais leve, sendo retirado o arco superior, passando a ter a forma atual usada a partir da Miss Universo 2010, Ximena Navarrete. A nova coroa da Diamond Nexus na cabeça da Miss Universo 2011, Leila Lopes (foto).
Instantes após vencer o concurso de “Miss Universo” na noite de segunda-feira (12/11/2011), em São Paulo, a angolana Leila Lopes, de 25 anos, passou a receber ofensas racistas na rede mundial de computadores - internet pelo fato de ser negra e bela. Mensagens em português e em inglês postadas num site internacional que se define “nacionalista branco e possuem adeptos do ditador nazista Adolf Hitler” compararam a ganhadora do título de mais bela do mundo a uma “macaca”, contrariando Charles Darwin que admitiu que o homem é o centro da espécie. A brasileira Priscila Machado, 25 anos, que ficou em terceiro lugar, também sofreu insultos, sendo chamada de “crocodilo”. A miss Ucrânia Olesia Stefa, de 23 anos, segunda colocada no concurso, foi “garfada” na opinião de alguns dos participantes dos fóruns de discussão “Miss Universo 2011” e “Angolan negress crowned Miss Universe” do Stormfront. A sigla refere-se à chamada “Comunidade Stormfront de Nacionalistas Brancos” representada no site da internet que se define como: “Fórum para discussões racialistas para ativistas pró-Brancos e interessados na sobrevivência dos Brancos”. Foi iniciado em 1990. O Stormfront tem mais de 60 000 membros racistas registrados por todo o mundo, sendo aproximadamente 33 000 dos EUA, 20 000 da Europa e o restante no âmbito da América Latina, África do Sul e Austrália. Além de Don Black, o Stormfront conta com diversos políticos e ativistas da causa racialista de todo o mundo, como David Duke, Paul Fromm e Jurgen Graf, dos EUA, Reino Unido e Suíça, respectivamente.
                                  

                                      A beleza fulgurante de Leila Lopes (2009).
O discurso racista fora expresso da seguinte forma: - “Confesso que nem assisti, pois já imaginava o que viria a acontecer. Agora só falta Hollywood chamar a vencedora para fazer o papel da filha do King Kong”, afirma outro integrante na página do Stormfront, sobre a escolha da nova miss Universa. Este diz morar em Santa Catarina. Outro membro se mostra revoltado ao afirmar que a escolha de uma negra, na opinião dele, é uma ofensa às europeias. - “Sabia que ia dar preta… como uma Miss Universa no Brasil não escolheria uma preta? E olha que cara horrível, cabelo repulsivo, como consegue escolher uma coisa dessas? Eu me indigno, não com os jurados, que são comprados para promover tais afrontas à cultura europeia, mas sim com as ovelhas que assistem isso e acham normais”, diz um participante que afirma morar no Rio Grande do Sul. Outro integrante racista do stormfronter, como os membros do site se referem um a outro, alega que as mensagens postadas no site não são ofensivas e não incitam o preconceito. - “Até porque não estamos pregando a intolerância/ódio, apenas nos divertindo com a situação. Sabíamos que ia acabar em várzea…”, diz um participante. Esse “gênio” não percebe que racismo é crime dentro e fora do Brasil e não diversão. Essa é a particularidade do racismo contemporâneo (cf. Braga, 2011).   
O racismo é a tendência do pensamento, ou o “modo de pensar”, em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras, normalmente relacionando características físicas hereditárias a determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais. O racismo não é uma teoria científica, mas um conjunto de opiniões pré-concebidas que valorizam as diferenças biológicas entre os seres humanos, atribuindo superioridade a alguns de acordo com a matriz racial. A crença da existência de raças superiores e inferiores foram utilizadas muitas vezes para justificar a escravidão, o domínio de determinados povos por outros, e os genocídios que ocorreram durante toda a história da humanidade e ao complexo de inferioridade, se sentindo, muitos povos, como inferiores aos europeus.
Embora existam classificações raciais propostas pelas mais diversas correntes científicas, pode-se dizer que a taxonomia referencia uma oscilação de cinco a duas centenas de raças humanas espalhadas pelo planeta, além de micro raças regionais, locais ou geográficas que ocorrem devido ao isolamento de grupos de indivíduos que cruzam entre si. Portanto, a separação racial torna-se completamente irracional em função das composições raciais, das miscigenações, recomposições e padronizações em nível de espécie que houve desde o início da caminhada da humanidade sobre o planeta. Todas as raças provêm de um só tronco, o Homo sapiens, portanto o patrimônio hereditário dos humanos é comum. E isto por si só não justifica o racismo, pois as raças não são nem superiores, nem inferiores, são apenas diferentes. E a diferença e a diversidade é o que constitui o princípio de vida em qualquer sistema vivo.
Vera Fischer foi coroada Miss Brasil no ano de 1969, e por pouco não “abocanha”, na falta de melhor expressão, também o prêmio de Miss Universo, chegando a ser semifinalista. Nos anos seguintes, ela seguiu carreira como atriz, conseguindo grande destaque em filmes e novelas até os dias de hoje - e também muita polêmica graças à sua atribulada vida pessoal. Um dos principais papéis de Vera Fischer nas novelas foi em “Mandala”, de 1987. Escrita por Dias Gomes, era uma adaptação do clássico “Sófocles Édipo Rei”, onde a atriz interpretava a personagem Jocasta. “Mandala” foi extremamente polêmica, lidando com assuntos como incesto, bissexualismo, drogas, etc. e é também lembrada por ser a novela cuja música tema era o “hino trasher” da cantora Rosana, “O Amor e O Poder”, como vemos abaixo:

A música na sombra/O ritmo no ar/Um animal que ronda/No véu do luar/Eu saio dos seus olhos/Eu rolo pelo chão/Feito um amor que queima/ Magia negra, sedução/Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além/Aqui nesse lugar/Não há rainha ou rei/Há uma mulher e um homem/Trocando sonhos fora da lei/Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além/Tão perto das lendas/Tão longe do fim/Afim de dividir/No fundo do prazer/O amor e poder/A música na sombra/O ritmo no ar/Um animal que ronda/No véu do luar/Tão perto das lendas/Tão longe do fim/Afim de dividir/No fundo do prazer/O amor e poder/Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além/Tão perto das lendas/Tão longe do fim/Afim de dividir/No fundo do prazer/O amor e poder/Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além”.


            Já demonstrei noutro lugar (cf. Braga, 2010), que chamamos de “conceito” o que Platão parece “demonstrar” não como “culto” ao belo, posto que só tivesse validade se correspondesse a uma “essência no mundo das ideias”. Mas a busca platônica pelo belo, o bom e o justo ficam na história do Ocidente para buscar o “belo em si”. Com as grandes religiões, o belo situa-se sempre fora da experiência sensível. Seria o divino aquilo que o humano tem como referência e que tenta alcançar. Para sermos breves, Kant realiza uma virada, dizendo que é impossível ter uma regra universal acerca do belo, pois todo juízo a respeito do belo é singular, determinado pelo gosto; não há mais uma determinação “universalizante”. Ao mesmo tempo, se para Kant, apesar de o gosto ser singular, todo mundo tem faculdades semelhantes; portanto a decisão sobre o que é belo se rompe com a universalização, mas as condições são universalizáveis.
Gabriela Isler, representante da Venezuela, é a nova vencedora do concurso multinacional denominado: “Miss Universe”. Ela venceu as outras 85 candidatas de diversas nacionalidades no concurso de 2013, realizado neste sábado (9/11) em Moscou, na Rússia. Pelo segundo ano consecutivo, o Brasil ficou em quinto lugar, com Jakelyne Oliveira, de 20 anos, natural de Mato Grosso. No ano passado, a Miss Brasil 2012, a gaúcha Gabriela Markus, de 24 anos, também ficou na quinta colocação. Agora, a venezuelana sucede a norte-americana Olivia Culpo, vencedora em 2012. A cerimônia de coroação ocorreu no “Crocus City Mall”, uma grande sala de concertos da cidade. Em segundo lugar ficou a espanhola Patricia Rodriguez, em terceiro, a equatoriana Constanza Baez, e em quarto, a filipina Ariella Arida. As candidatas foram julgadas em três categorias: traje de banho, traje de noite e entrevista. Dias antes do concurso Miss Universo, são realizadas as provas preliminares de traje e para a escolha do melhor traje típico dentro de um evento intitulado: “Presentation Show”. Os resultados são mantidos sob sigilo até o dia do concurso.   
Historicamente o concurso de Miss Universo é inspirado no antigo “International Pageant of Pulchritude”, que dentre o período de 1926 a 1935, se realizava anualmente, atribuindo o título de “Miss Universo” à vencedora. Entre nós, a gaúcha Yolanda Pereira foi a primeira e a única brasileira a conquistar o título em sua versão antiga, em 1930 - sem nenhuma relação com o evento posterior - quando houve dois concursos, um nos EUA e outro no Brasil. No pós-guerra, organizou-se novamente o concurso, com novas modelos e a competição voltou a acontecer a partir de 1952. Em 1950, o concurso “Miss América”, prêmio nacional de beleza norte-americano até então existente, foi realizado sob o patrocínio dos maiôs Catalina. Então, em 1952, no balneário norte-americano de Long Beach, completamente reconstruído após um terremoto em 1933, aconteceu a primeira edição do concurso. Com um investimento de US$1 milhão, uma fortuna, ontem como hoje, e a participação de 29 concorrentes de boa parte do mundo, além de participantes de estados norte-americanos, em que a Miss Havaí foi a segunda colocada, a finlandesa Armi Kuusela foi a vencedora, recebendo o prêmio máximo, um contrato com a Universal. Desde então, o concurso se realiza anualmente. Um fato ocorrido durante o ano de reinado de Kuusela acabaria criando regras mais rígidas para o concurso dali em diante. Numa de suas inúmeras viagens pelo mundo, ela conheceu um empresário filipino em Manila, por quem se apaixonou à primeira vista, mas ao que parece, neste caso, amor e poder não se combinam.   

                                  
                                      Dorothy Britton, Miss Universo 1927.
Con un record de público el evento de Galveston reunió a más de 5,000 personas que permanecieron hasta casi la una de la madrugada esperando el resultado final. - Las chicas que participaron este año han sido sin duda las más lindas que se hayan visto en los ocho años de concursos en Galveston - comentaban algunos -. El imponente escenario, con un arreglo muy atractivo de cortinas tornasol de terciopelo negro, estaba dispuesto al fondo, por donde las bellezas hacían su entrada a una pasarela entre la concurrencia. Las concursantes norteamericanas fueron las primeras en ser presentadas, luciendo sus trajes de noche exquisitamente elaborados. Todas las muchachas se veían preciosas. Más adelante posarían en sus tenidas de baño”.  

            De 1978 a 2002 era comum ver as notas das misses na TV para saber quem tinha passado e quem não tinha chances de ir às semifinais, bem como as notas de maiô, entrevista individual e trajes de gala. Mas o que determinava a classificação de uma candidata a Miss Universo era a média das notas das preliminares. Terminadas as provas de maiô, entrevista e trajes de gala, aparecia uma última ponderação de notas, desta vez para determinar as cinco finalistas. A partir de 2000, a entrevista passou a ser restrita às cinco finalistas. Com as mudanças na classificação implantadas em 1990, a entrevista final era feita para as misses do “top 6” e posteriormente às três primeiras finalistas, saídas do “top 6” até 1997 e “top 5” de 1998 a 2000. Em 2001, as cinco finalistas voltaram a ser submetidas a essa prova, o que acontece até hoje. As notas chegaram a ficar extintas entre 2003 a 2006, mas a partir de 2007, as notas parciais voltaram a ser divulgadas pela TV, somente nos desfiles de Traje de Banho e o Traje de Gala. A partir de 2011 as notas dadas pelos jurados as candidatas voltaram a ser mantidas em sigilo.           
                       
A vencedora, Yolanda Betbeze, porém, se recusou a posar para fotos vestindo os trajes de banho da patrocinadora. A atitude de Yolanda apontava para um novo status dos concursos de beleza: “inteligência, os valores pessoais e a capacidade liderança da mulher”. Olivia Culpo corou Gabriela Isler, “Miss Universo” de 2013 e ainda desfilou com um traje de banho avaliado em US$ 1 milhão. Ela venceu as outras 85 candidatas de diversas nacionalidades no concurso de 2013, realizado neste sábado (9/11) em Moscou, na Rússia. Pelo segundo ano consecutivo, o Brasil ficou em quinto lugar, com Jakelyne Oliveira, de 20 anos, natural de Mato Grosso. A Miss Brasil 2012, a gaúcha Gabriela Markus, de 24 anos, também ficou na quinta colocação. Ora, antropologicamente falando, o concurso Miss Universo, nada mais é do que a representação dos ritos de passagem enquanto celebrações que marcam mudanças de status de uma pessoa no seio de sua comunidade ou nação.                            
A relação afetiva (Freud) foi tão fulminante que a Miss Universa abandonou as obrigações com a organização ao meio e voou com o empresário para Tóquio, no Japão, onde se casaram, e ela renunciou à coroa nos dias seguintes. O fato fez com que a partir dali mulheres casadas não pudessem mais participar do evento e, oficialmente, as regras passaram a estipular que caso uma “Miss Universa” não pudesse por qualquer motivo completar seu mandato, ela seria imediatamente substituída pela segunda colocada, que assumiria o título e as obrigações decorrentes dele pelo restante do mandato anual. Entre 1952 e 1971, todas as edições do concurso foram realizadas nos Estados Unidos, divididos entre a Califórnia e a Flórida. A partir daí, espalhou-se pelo mundo, globalizando-se em cidades anfitriãs na Ásia, Europa, Oceania, África, Caribe e América do Sul. Nos primeiros anos, o certame esteve sob a responsabilidade da empresa de vestuário Pacific-Mills e teve como patrocinador principal a marca de maiôs Catalina.
Mais tarde, foi vendido para a empresa Kayser-Roth. Em 1977, a Kayser-Roth foi comprada pela Gulf + Western Industries, então dona dos estúdios de cinema Paramount. Em 1996, Donald Trump comprou os direitos comerciais do concurso em parceria com a rede CBS, então geradora em nível internacional. No final de 2002, Donald Trump revenderia dois contratos relativos aos direitos de transmissão: a) um com a rede NBC, para transmissão em território norte-americano que incluiria uma transmissão em espanhol por sua subsidiária, a Telemundo e outro, b) com a empresa Alfred Haber, para a distribuição internacional do evento. Desde junho de 2002, o concurso vem sendo realizado numa parceria entre a “Miss Universe Organization”, baseada em Nova Iorque (cf. Braga, 2012), e a rede de televisão NBC. A atual presidente é Paula Shugart. A organização também vende comercialmente, os direitos de transmissão da final para outros países, além de produzir e organizar o concurso “Miss USA” e o concurso “Miss Teen USA”. A vencedora do concurso “Miss USA” representa o país no âmbito “Miss Universo”. Temos assim a globalização do corpo e sua comercialização transnacional em crescente escala global. O céu já não é mais o limite! Enfim, a partir de 2012, a Miss Universe Organization passou a aceitar transexuais nos eventos organizados por ela, o concurso: “Miss Universa”, “Miss USA”, “Miss Canadá” e “Miss Teen USA”, - “deixando a critério das suas franqueadas autorizarem ou não a participação de transexuais em seus concursos nacionais”.
   Gabriela Isler quando foi anunciada como uma das finalistas do concurso. Foto: Alexander Nemenov/AFP.
Embora o ano de 2010 tenha sido marcado positivamente por um movimento “pró-beleza natural”, com revistas estampando atrizes sem “photoshop” e modelos “plus size”, as mulheres ainda desejam ser magras e continuam a buscar a uma aparência perfeita. Para a psicanalista carioca Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS) da PUC-Rio, antes de fazer qualquer crítica ao culto extremado ao corpo e à vaidade, é preciso contextualizar a “corpolatria”, pois para ela, - “vivemos um momento histórico sem utopias ou ideais. A sociedade não luta por causas sociais, por um bem comum, daí o narcisismo”. Homens e mulheres enxergam o próprio corpo como seu maior bem, como um projeto a ser sempre aperfeiçoado. Além disso, Joana é pós-doutoranda em Clínica Médica (UERJ), pós-doutora em Psicologia Social (UERJ), doutora em Psicologia Clínica (PUC-Rio). Pesquisadora correspondente do Centre de Recherches Psychanalyse et Médecine -Université Denis-Diderot Paris 7 CRPM-Pandora, autora dos livros O intolerável peso da feiúra. Sobre as mulheres e seus corpos. Ed. PUC/Garamond (2006) e Com que corpo eu vou? Sociabilidade e usos do corpo nas mulheres das camadas altas e populares. Ed. PUC/Pallas.(2010). Especialista em Transtornos Alimentares, consultora de campanhas publicitárias ligadas à estética e à saúde feminina.  
Para Joana Vilhena Novaes, que é autora dos livros: “O Intolerável Peso da Feiúra – Sobre as Mulheres e Seus Corpos” (Ed. PUC/Garamond) e, “Com que Corpo Eu Vou? – Sociabilidade e Usos do Corpo nas Mulheres das Camadas Altas e Populares” (Ed. PUC/Pallas), é impossível desprezar, ainda, a importância econômica deste setor, o da beleza, que movimenta bilhões de reais – leia-se: Spas, academias, clínicas de estética, cirurgias plásticas, cosméticos, salões etc. Há quem analise a “corpolatria” (cf. Braga, 2011) como uma forma de repressão, mas houve outros períodos históricos que também “satanizaram” o corpo, como na época vitoriana, quando a sexualidade era reprimida ao extremo. Mas convém colocar uma questão mais geral a propósito desse típico “individualismo”, ou “individuação” que se invoca tão frequentemente para explicar, em épocas diferentes, fenômenos bem diversos. Sob tal categoria misturam-se, frequentemente realidades completamente diferentes. De fato, convém distinguir três aspectos: a) a atitude individualista, caracterizada pelo valor absoluto que se atribui ao indivíduo em sua singularidade e pelo grau de independência que lhe é atribuído em relação ao grupo ao qual ele pertence ou às instituições das quais ele depende; b) a valorização da vida privada, ou seja, a importância reconhecida às relações familiares, às formas de atividade doméstica e ao campo de interesses patrimoniais; e, c) finalmente, a intensidade das relações sociais para consigo, isto é, através das formas nas quais se é chamado a tomar a si próprio como objeto de conhecimento e campo de ação para transformar-se, corrigir-se, purificar-se e promover a própria salvação.



 Bibliografia geral consultada:
MITCHELL, Juliet, “Mulheres: a Revolução mais Longa”. In: Revista Civilização Brasileira, nº 14. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967; PROCHET, Neyza, “Corpo, Identidade e Globalização”. Disponível no site: http://www.achegas.net/numero/30/; BARTRA, Roger, El Modo de Produción Asiático. México: Edicoines Era, 1969; Idem, Breve Dicionário de Sociologia Marxista. México: Editorial Grijalbo, 1973; SAFFIOTI, Heleieth, “Relaciones de sexo y de classes sociales”. In: LA MUJER en America Latina. Ciudad de México: Sepsetentas, 1975, v. 2; Idem, A mulher na sociedade de classes. Petrópolis (RJ): Vozes, 1976; KATZ, Samuel, Psicanálise e Instituição. Documentário, 1977; Idem, Ética e Psicanálise: uma introdução. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984; Idem, Freud e as psicoses: Primeiros estudos. São Paulo: Xenon, 1994; Idem, O coração distante. Ensaio sobre a solidão positiva. Rio de Janeiro: Revan, 1996; PARKER, Richard G., Corpos, Prazeres e Paixões. A Cultura Sexual no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Best Seller, 1987; Artigo: “Gabriela Isler, da Venezuela, é eleita a nova Miss Universo”. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/11/; Artigo: “Venezuela é campeã latino-americana de mulheres bonitas”. Disponível em: http://vidaeestilo.terra.com.br/; Artigo: “A dona da faixa – pela sétima vez, uma venezuelana recebe o título de Miss Universo”. In: Diário do Nordeste, Caderno Zoeira. Fortaleza, Ceará, 12.11.2013; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Tusquets, 1973; Idem, História da Sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1977, 3 volumes; BAUMAN, Zygmunt, Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999; VILAÇA, Nízia, Em pauta: corpo, globalização e novas tecnologias. Rio de Janeiro: Mauad/CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1999; BRAGA, Ubiracy de Souza, “50 Anos de Playboy: A Revista mais Censurada do Mundo”. Disponível em: http://httpestudosviquianosblogspotcom.br/2012/11/06/; Idem, “O que há por trás da beleza de New York?. Disponível em: http://www.dihitt.com/n/arte-cultura/2012/05/08/; Idem, “Há 50 Anos o Mundo (en) Canta Garota de Ipanema”. Disponível em: http://estudosviquianos.blogspot.com.br/2012/03/; Idem, “Vera Fischer e a complexidade real de uma deusa”. Disponível em: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/10/; Idem, “A particularidade do racismo contemporâneo: o belo”. Disponível em: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/09/; Idem, “Corpolatria: patologia da modernidade?”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/01/27/; Idem, “Prolegômenos sobre o cuidado de si, de Michel Foucault”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 23.12. 2006; Idem, “Prolegômenos sobre o cuidado de si, de Michel Foucault”. Republicado e disponível no site: http://secundonetoblogspot.com/2008/03; CANEVACCI, Massimo (Org. e Introdução), Dialética da Família. 1ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1981; SFEZ, Lucien, Crítica da Comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000; MENEZES, José Eugênio de O. (org.), Os Meios da Incomunicação. São Paulo: Annablume; CISC, 2005; WOLTON, Dominique, É Preciso Salvar a Comunicação. São Paulo: Editora Paulus, 2006; NIETZSCHE, Friedrich, Crepúsculo dos ídolos, ou, Como se filosofa com o martelo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006; Idem, A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008; GODINHO, Neide Maria de Oliveira, O impacto das migrações na constituição genética de populações latino-americanas. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2008, entre outros.


sábado, 9 de novembro de 2013

HOMENAGEM A CARL SAGAN


Via : http://www.umsabadoqualquer.com/homenagem-carl-sagan/

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Carl Sagan,  é considerado um dos divulgadores científicos mais carismáticos e influentes da história. Possui mais de 600 publicações cientificas e é autor de mais de 20 livros.   Em uma época em que as belezas do universo não era tão divulgadas se restringindo aos cientistas e astrônomos, Sagan sempre tentava divulgar as grandes descobertas de uma maneira simples e acessível. A partir desse ponto, ele lançou a série “cosmos” em 1980. São 15 episódios onde Sagan explica para o mundo as belezas e mistérios do universo segundo a ciência moderna.

Aqui você curte uma pequena parte da série “cosmos” com seu famoso monólogo sobre o nosso planeta, o pálido ponto azul (vale a pena ver):

Aproveitando, já que estamos falando sobre o universo, vale a pena acessar o site abaixo.

Nele, você irá fazer uma viagem em nossa galáxia! Apenas uma em um mar de trilhões de outras. Clique na imagem e faça uma boa viagem.

universo

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Fotógrafo registra salas de aula ao redor do mundo

O fotógrafo Julian Germain viajou ao redor do mundo registrando salas de aula e suas atmosferas em cada cidade que visitou. Comparar a realidade da educação de um país de terceiro mundo com a outro de primeiro através de fotos é o que dá profundidade ao projeto Classroom Portraits.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A Ironia de Gabriela: “uma puta deputada”

                                          A Ironia de Gabriela: “uma puta deputada”.

Ubiracy de Souza Braga*



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Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).



            Escólio: A ex-prostituta Gabriela Leite, que em 2005 lançou a grife Daspu, menção irônica (cf. Kierkegaard, 2005; Facioli, 2010) à Daslu, então a maior loja de artigos de luxo do País, morreu nesta quinta-feira, 10/10/2013, à noite no Rio de Janeiro, vítima de câncer no pulmão, aos 62 anos. Gabriela prostituiu-se na “Boca do Lixo”, em São Paulo, na Vila Mimosa, no Rio de Janeiro, e em Belo Horizonte. Em 1987 organizou o 1º Encontro Nacional de Prostitutas e em 1992 fundou a ONG Davida. Ela cursou Filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e em 2009 lançou “Filha, mãe, avó e puta”, livro em que narra sua vida. Em 2010 Gabriela foi candidata a deputada federal pelo PV – Partido Verde, mas infelizmente não se elegeu.A ativista, que passava por quimioterapia para tratamento do câncer, dá nome ao projeto de lei de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) que “propõe a regularização dos profissionais do sexo”. O projeto é analisado em uma comissão da Câmara dos Deputados e se passar o país fará jus à sociedade mais justa e igualitária.
Em muitos países, chamam-se deputados aos representantes do povo “eleitos para o Parlamento”. Um deputado, no Parlamento, tem poder legislativo, isto é, no Parlamento os deputados decidem se aprovam ou não decretos-lei ou mesmo leis. Deputados também fazem perguntas ao governo, de caráter geral ou não, de forma a averiguar o seu trabalho. Qualquer pessoa em tese pode ser eleita para o mandato de deputado, desde que pertença a um partido político e reúna um número mínimo de votos. Quantos mais votos tiver o partido, maior número de deputados pode eleger para o Parlamento.Teoricamente todos os deputados que pertencem ao mesmo partido deveriam exercer o mesmo voto sobre uma matéria: chama-se a isto “disciplina de voto”.Em suma, um deputado é alguém eleito pelo povo para representá-lo no Parlamento e a quem o povo que o elegeu confia as decisões sobre variados assuntos.
                                  

           
            Historicamente a Boca do Lixo surge como uma região não oficial do centro da cidade de São Paulo caracterizada por ter se tornado um polo da indústria cinematográfica nas décadas de 1920 e 1930, quando empresas como a Paramount, a Fox e a Metro se instalaram na região. Durante as décadas seguintes, essas companhias atraíram distribuidoras, fábricas de equipamentos especializados, serviços de manutenção técnica e outras empresas do ramo cinematográfico para as redondezas, o que transformou a Boca em um verdadeiro reduto do cinema independente brasileiro, desvinculado dos incentivos governamentais. Durante aqueles anos, era comum ver homens guiando carroças carregadas de latas de filmes pelas vias públicas. A Boca está localizada no bairro da Luz, em um quadrilátero que inclui a Rua do Triumpho e suas adjacências. Nos anos 1990, parte desse quadrilátero veio a ser chamada de Cracolândia (cf; Braga, 2012) e se tornou uma das regiões mais degradadas da cidade de São Paulo. Algumas fontes citam a região como sendo o fim da rua Augusta. Enquanto São Paulo tinha a Boca do Lixo, o Rio de Janeiro tinha o Beco da Fome.
Muitos cineastas, como Carlos Reichenbach, Luiz Castelini, Alfredo Sternheim, Juan Bajon, Cláudio Cunha ou Walter Hugo Khouri, tinham clara proposta autoral em seus filmes, mas a produção da Boca “ficou mesmo caracterizada pelos filmes baratos e que tinham forte apelo sexual”. Ela floresceu e se expandiu na pornochanchada dos anos 1970, com musas como Helena Ramos, Sandra Bréa, Vanessa Alves, Patrícia Scalvi, Nicole Puzzi, Zilda Mayo. Comédias, dramas, policiais, faroestes, filmes de ação e de kung fu, terror, entre outros, foram gêneros explorados pelo cinema da Boca, sem deixar de lado o uso restrito do erotismo. Produtores como Antônio Polo Galante, David Cardoso, Nelson Teixeira Mendes, Juan Bajon, Cláudio Cunha, Aníbal Massaini Neto, entre outros, ficaram milionários com esse tipo de cinema.Alguns tiveram sucesso de bilheteria, entre os quais “A Viúva Virgem”, de Rovai, e “Giselle”, de Victor di Mello. Em raras exceções, esses filmes eram sucesso entre a crítica, que preferia os filmes mais voltados à questão social, de diretores surgidos no chamado “Cinema Novo” e nos anos 1970, integrados à Embrafilme, que produzia filmes com incentivo estatal. O fim da ditadura militar golpista no Brasil em 1984 trouxe de volta o filme de sexo explícito, o que acabou matando simbolicamente essa indústria cinematográfica.
Gabriela Leite, a mais destacada lutadora pelos direitos civis das prostitutas brasileiras, morreu de câncer, no Rio de Janeiro. Paulistana e de família tradicional, ela abandonou, com 22 anos, os cursos de Filosofia e Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) para imergir, por opção, na chamada “Boca do Lixo”, antiga região de São Paulo de grande concentração de garotas de programas, na década de 1970. Hoje [em agosto de 2012], aos 61 anos, ela rejeita o termo “ex-prostituta” em suas apresentações. E com razão, pois Gabriela está muito ativa no movimento de defesa dos direitos das prostitutas, tendo fundado, inclusive, uma ONG em 1992, a Davida. Uma das principais conquistas até agora foi a inclusão, em 2002, da ocupação “trabalhador do sexo”, na Classificação Brasileira das Ocupações (CBO), permitindo que prostitutas possam se registrar no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como autônomas, e garantir uma aposentadoria futura. Autora do livro “Filha, mãe, avó e puta – A história de uma mulher que decidiu ser prostituta”, da editora Objetiva e que já foi transformada em peça teatral, “Gabriela”, que luta contra um câncer, acaba de ser uma das contempladas do Prêmio “Trip Transformadores 2012”. Foi uma homenagem ao fato de ter lançado, anos antes, a grife Daspu – uma provocação à luxuosa Daslu e, ao mesmo tempo, uma cooperativa de produção de roupas constituída por ex-prostitutas que não seguiram no mercado do sexo por conta da idade. 
            Direitos civis são as proteções e privilégios de poder pessoal dados a todos os cidadãos por lei. Direitos civis são distintos de “direitos humanos” ou “direitos naturais”, também chamados “direitos divinos”. Direitos civis são direitos que são estabelecidos pelas nações limitados aos seus limites territoriais, enquanto direitos naturais ou humanos são direitos que muitos acadêmicos dizem que os indivíduos têm por natureza ao nascer. Por exemplo, o filósofo John Locke (1632-1704) argumentou que os direitos naturais da vida, liberdade e propriedade deveriam ser convertidos em direitos civis e protegidos pelo Estado soberano como um aspecto do contrato social. Outros argumentaram que as pessoas adquirem direitos civis como um presente inalienável da divindade ou em um tempo de natureza antes que os governos se formaram. Leis garantindo direitos civis podem ser escritas, derivadas do costume ou implicadas. Nos Estados Unidos e na maioria dos países continentais europeus, as leis de direitos civis em sua maior parte são escritas.
Exemplos de direitos civis e liberdades incluem o direito de ser ressarcido em caso de danos por terceiros, o direito à privacidade, o direito ao protesto pacífico, o direito à investigação e julgamento justos em caso de suspeição de crime e direitos constitucionais mais generalistas, como o direito ao voto, o direito à liberdade pessoal, o direito à liberdade de ir e vir, o direito à proteção igualitária e, ainda, o habeas corpus, o direito de permanecer em silêncio (i. e. não responder a questionamento), e o direito a um advogado; estes últimos três são designados na constituição Norte-Americana para garantir que aqueles acusados de algum crime estão assegurados de seus direitos. Ao passo que as civilizações emergiram e formalizaram através de constituições escritas, alguns dos direitos civis mais importantes foram passados aos cidadãos. Quando esses direitos se descobriram mais tarde inadequados, movimentos de direitos civis surgiram como veículo de exigência de proteção igualitária para todos os cidadãos e defesa de novas leis para restringir o efeito de discriminações presentes.
A Câmara dos Deputados do Brasil, assim como o Senado Federal, faz parte do Poder Legislativo da União. São 513 deputados, que através do voto proporcional, são eleitos e exercem seus cargos por quatro anos. Atualmente seu presidente é o deputado Henrique Eduardo Alves, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) do estado do Rio Grande do Norte. A Câmara dos Deputados está localizada na Praça dos Três Poderes,
na capital federal.À Câmara dos Deputados compete privativamente: eleger os membros do Conselho da República e autorizar a abertura de processo contra o presidente da República e seus ministros. Juntamente com o Senado forma o Congresso Nacional, cabendo a esta instituição: a aprovação, alteração e revogação de Leis; autorização ao Presidente para a declaração de guerra; sustar atos do Poder Executivo; julgar as contas do Presidente da República; dentre outras funções, enumeradas no capítulo I, título IV, da Constituição Federal de 1988.
Segundo o artigo 80 da Constituição brasileira o presidente da Câmara dos Deputados é o segundo na linha de sucessão do presidente da República, logo após o vice-presidente, sendo chamado em caso de impedimento ou vacância de ambos os cargos. Isso ocorre para dar a maior legitimidade possível a decisão, pois os deputados são considerados representantes do povo e os senadores representantes dos estados. Após esse assumem o presidente do Senado Federal e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).A Câmara dos Deputados tem mais de 15 mil funcionários e, segundo recente publicação, 1371 destes temsalários maiores do que R$28 mil por mês.Sobre o regime de trabalho está em curso a apresentação do Projeto de Lei n. 6071/2013, pela Deputada Aline Corrêa (PP-SP), que: “Acrescenta artigo à Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, a fim de dispor sobre a jornada de trabalho em regime de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso”.
Além disso, a renomada revista inglesa The Economist escolheu o Brasil como tema para uma extensa reportagem de capa em sua edição mais recente, onde busca explicações para uma pergunta pertinente: por que, mesmo dispondo de potencial interno invejável e atravessando conjunturas externas favoráveis, o Brasil não decola, nem consegue acompanhar o ritmo de crescimento dos outros países ditos emergentes, apresentando o pior desempenho entre eles? A matéria, de ótimo conteúdo jornalístico, foi taxada pelos assessores do Planalto e a militância petista como uma espécie de encomendaoposicionista para desmerecer o governo Dilma Rousseff, tendo em vista a crítica localizar-se em deputados do PSDB, quando não se trata de uma análise profunda dos fatores que ora travam o nosso desenvolvimento e que podem ser resumidos em duas vertentes básicas: o foco único no palanque, na perpetuação do poder partidário, na reeleição da presidente-candidata e, mais grave, a tentativa ideológica de transpor para o Brasil um modelo bolivarianode gestão pública, ignorando a grandeza, a história social e a diversidade cultural e política da nação.
Com o cabelo curto, cara de menina e silhueta perfeita, Sylvia Kristel foi escolhida como atriz para o papel principal de “Emmanuelle”, do diretor Just Jaeckin, que virou um sucesso mundial de bilheteria. Quando protagonizou o filme, Kristel tinha apenas 22 anos. Por obrigações contratuais, Kristel participou em papéis mais ou menos importantes em várias sequências de “Emmanuelle” (1974), tais como: “Emmanuelle 2” (1975), “Adeus, Emmanuelle” (1977) e “Emmanuelle 4” (1984). Apesar das tentativas de se afastar do cinema erótico para trabalhar com nomes importantes do cinema francês, sua imagem ficou marcada positivamente, pela personagem que a tornou famosa. A atriz holandesa de maior fama no panorama do cinema internacional até hoje, ficou conhecida e acabou eternamente marcada por seu primeiro filme, “Emmanuelle”, de 1974. O longa-metragem, dirigido por Just Jaeckin, é uma adaptação do livro (foto) de mesmo nome escrito por Emmanuelle Arsan.

Foto: Dutch actress Sylvia Kristel, best known for the 1974 erotic French film: “Emmanuelle”.
Não queremos perder de vista analogamente que Sylvia Kristel, nascida em Utrecht, em 28 de setembro de 1952 - Amsterdã, em 17 de outubro de 2012, foi uma atriz, diretora e modelo holandesa, mais conhecida pelo filme “Emmanuelle”. Iniciou seu trabalho como modelo aos 17 anos, mas “inicialmente planejava ser professora”. Musa de uma época em que erotismo (cf. Márquez, 1972), a pornografia e o orgasmo (cf. Reich, 1974a; 1974b; 1978; Marchi, 1974; Baker, 1980; Boadela, 1985) eram quase sinônimos no cinema, a atriz holandesa Sylvia Kristel morreu na noite de quarta-feira, aos 60 anos, em Amsterdã. Tornou-se conhecida mundialmente interpretando a personagem principal na série de filmes “Emmanuelle”. Mas a sua estreia se dá com o filme: Naakt over de schutting (1973). Em 1974, aos 21 anos, a atriz personificou “Emmanuelle”, em filme homônimo, grande sucesso na França, sobretudo pelo teor erótico. Melhor dizendo, em seu ersatz colocou o erotismo no centro da história social do cinema. Segundo o site especializado em cinema IMDb, “o filme garantiu US$ 100 milhões em bilheteria ao redor do mundo”. 
As teses de Foucault e Pasolini sobre a constituição do dispositivo discursivo da sexualidade encontram-se referenciadas em uma dupla crítica - histórica e metodológica - à hipótese repressiva da sexualidade. Esse, o nó górdio entre Foucault na filosofia e Pasolini na arte cinematográfica em que pretendemos uma aproximação conceitual. Píer Paolo Pasolini era um artista solitário. Antes de ficar famoso como cineasta tinha sido professor, poeta e novelista. Entre seus livros mais conhecidos estão Meninos da Vida, Uma Vida Violenta e Petróleo (livro). De porte atlético e estatura média, Pasolini usava óculos com lentes muito grossas. Em 26 de janeiro de 1947 escreveu uma declaração polêmica para a primeira página do jornal Libertà: “Em nossa opinião, pensamos que, atualmente, só o comunismo é capaz de fornecer uma nova cultura”. Após a sua adesão ao PCI - Partido Comunista Italiano, participou de várias manifestações e, em maio de 1949, participou do Congresso da Paz em Paris.
Em um caso e outro se quisermos insistir neste aspecto, vejamos. Surgem dois modos possíveis de interpretação do uso do verbo “saber”. Na primeira, “saber” está ligado à crença, saber implica crer. Em sentido amplo, crer também significa “ter por verdadeiro”. Assim, crer significa, por exemplo, ter algo por existente ou ter um enunciado por verdadeiro. Em outras palavras, crer significa aceitar a verdade e a realidade sem que seja necessário apresentar provas. Em última instância é possível afirmar, que crer implica “dar por acordado que o mundo existe”. Há, portanto, uma dimensão prática que liga o saber (Foucault) ao mundo manifestado no “crer” (Pasolini). Esta dimensão parece apontar para o segundo modo de interpretação do uso do verbo “saber”. Desta vez, ele pode ser associado a “poder” (Foucault). Dizer que “se sabe” é o mesmo que dizer que “se pode” (Pasolini). Aqui reside o ponto central da interpretação analítica que compreende o saber como habilidade e disposição. Melhor dizendo, se para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, “conceito pensante”. O espírito é também isto: “trazer à existência, isto é, à consciência”. Como “consciência em geral”, tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: “produzir-se, sair de si, saber o que ele é”.
Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é essencialmente razão. O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão. Ou melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um.Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que “é em si”, no interior, manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem. O europeu sabe de si, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens “falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem”. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo esta é a única diferença da existência (“Existenz”) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre.
                       


Em primeiro lugar, a ironia (cf. Kierkegaard, 2005; Facioli, 2010) é um instrumento de literatura ou de retórica que consiste em dizer o contrário daquilo que se pensa, deixando entender uma distância intencional entre aquilo que dizemos e aquilo que realmente pensamos. Na Literatura, a ironia é a arte de zombar de alguém ou de alguma coisa, com vista a obter uma reação do leitor, ouvinte ou interlocutor. Ela pode ser utilizada, entre outras formas, com o objetivo de denunciar, de criticar ou de censurar algo. Para tal, o locutor descreve a realidade com termos aparentemente valorizadores, mas com a finalidade de desvalorizar. A ironia convida o leitor ou o ouvinte, a ser ativo durante a leitura, para refletir sobre o tema e escolher uma determinada posição. O termo “ironia Socrática”, levantado por Aristóteles, refere-se ao método socrático. Neste caso, não se trata de ironia no sentido moderno da palavra.A ironia de situação é a disparidade existente entre a intenção e o resultado: quando o resultado de uma ação é contrário ao desejo ou efeito esperado. Da mesma maneira, a “ironia infinita” (“cosmicirony”) é a disparidade entre o desejo humano e as duras realidades do mundo externo. Certas doutrinas afirmam que a ironia de situação e a ironia infinita, não são ironias de todo. É também um estilo de linguagem caracterizado por subverter o símbolo que, a princípio, representa. A ironia, enfim, utiliza-se como uma forma de linguagem pré-estabelecida para, a partir e de dentro dela, contestá-la.É, sobretudo neste aspecto que entendemos a ironia de Gabriela Leite. Ora, vale lembrar queputa do ponto de vista da linguagem, pode representar um substantivo feminino; prostituta, um adjetivo feminino; com muita raiva e, lastbutnotleast, adverbio de intensidade; equivalente a muito, usado para alimentar a intensidade do adjetivo: - Ah que tédio, vou ali comer uma puta; - Haha, eu não paguei e ela ficou puta comigo!; - Nossa não pagar ela foi uma puta sacanagem!
De outra parte, a moda é um lugar de observação privilegiado para ver “funcionar o social” (cf. Lipovetsky, 1989). É apaixonante e cruel, porque se descobrem coisas que estão na moda em um ano e, no ano seguinte, têm de se renovar para alcançarem uma nova moda. Por outro lado, a moda não é favorável ao mito, porque é demasiado rápida. O mito precisa se instalar adquirir peso, criar tradições, por isso Amy Winehouse, como vimos noutro lugar, virou mito, já que não vivemos a aceleração da história, mas a aceleração da “pequena história”. É, portanto, precisamente com a crise do desejo que podemos encontrar mitos, porque é fixo, imóvel, agressivo, como fora o “mito de esquerda”, os ecos da ecologia para salvar a nossa casa, o planeta Terra (cf. Braga, 2012), a questão tópica do aborto, ou as lutas contra o racismo etc. O mal-estar e a crise da civilização de que falava Freud, é talvez uma crise do desejo.


Há pouco mais de um século Sigmund Freud (1972; 1996) desandou de vez o caldo ao descobrir o inconsciente e, com isso, afirmar que não somos exatamente aquilo que pensamos. Com o espelho do Narciso arranhado, tomou-se consciência de que tudo poderia ser motivo de dúvida. Na insegurança e desorientação das massas, o capitalismo globalizado fez sua mágica. Além do coelho, tirou da cartola casas, carros, videogames, roupas e tudo o mais para nos desviar o foco das angústias. Porém, isso tudo não passa de uma forma de abstração. Quando alguém fala que está em crise existencial, precisa descobrir qual o seu motivo, pois não há um sintoma nomeado como “crise existencial”, existe sim castrações de desejo no sujeito que o angustiam. Ipso facto, muitas pessoas sentem dificuldade ao tentar definir a razão de estarem insatisfeitas com a vida.
Do ponto de vista ideológico é fato que numa das primeiras cenas do filme:“Bruna Surfistinha”, a cafetina que a acolhe no prostíbulo ironicamente diz que ela teria sua carteira de trabalho registrada como profissional do sexo, com todos os direitos inerentes a qualquer trabalhador, o que causou espanto na personagem. Evidentemente isto não é possível porque a lei considera crime a exploração da prostituição, com pena de reclusão de um a quatro anos (crime de rufianismo). Entretanto, do ponto de vista político o Estado brasileiro reconhece desde 2002 “a profissão de prostituta”, ano em que o Ministério do Trabalho oficializou a profissão em sua Classificação Brasileira de Ocupações, item 5198, definindo quem a pratica como sendo:“a profissional do sexo, garota de programa, garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta, puta, quenga, rapariga, trabalhador do sexo, transexual (profissionais do sexo) e travesti (profissionais do sexo)”. Isto permite que quem vive da prostituição possa recolher contribuições previdenciárias, como “profissional do sexo”, e garantir direitos comuns a todos os trabalhadores, como aposentadorias e auxílio doença.
                                  
O importante é entender que a crise existencial diz respeito à defesa do sujeito contra seu próprio desejo. Em resumo, entre solidão, aceitação sexual e problema familiar, a crise existencial nada mais é que um diálogo interno, sua autocrítica em comparação e relação a si mesmo e ao outro, pois na medida em que esse sujeito está de algum modo deserdado, esmagado pelas duas grandes estruturas psíquicas que mais retiveram a atenção da modernidade, a saber, a neurose e a psicose, o sujeito imaginário é um parente pobre dessas estruturas porque nunca é nem inteiramente psicótico, nem inteiramente neurótico, como ocorreu com o psicopata islamofóbico (cf. Braga, 2011a; 2011b) e autor do duplo atentado nestes dias na Noruega, Anders BehringBreivik, 32, que qualificou seu ato de “cruel, mas necessário”.O fenômeno histórico que aparenta revelar-se desse modo, há cinquenta anos, é o problema da “gregaridade” – é uma palavra nietzschiana. Os marginais multiplicam-se, reúnem-se, tornam-se rebanhos, pequenos é certo, ou rebanhos de qualquer maneira.
ParaRoland Barthes “a história atual é o desvio em direção à gregaridade: os regionalismos, por exemplo, são pequenas gregaridades que tentam reconstituir-se. Acredito agora que a única marginalidade verdadeiramente consequente é o individualismo. Mas há que se retomar esta noção de uma forma nova”.Dizia-se ainda que Sócrates fosse atopos, quer dizer “sem lugar”, inclassificável. É um adjetivo que relacionamos, sobretudo ao objeto amado, tanto mais que, enquanto sujeito apaixonado simulado no livro, não saberia me reconhecer como atopos mas, ao contrário, como uma pessoa banal cujo dossiê é bastante conhecido. Ou seja, sem tomar partido quanto ao fato de ser inclassificável, devo reconhecer que sempre trabalhei por repentes, por fases, e que há uma espécie de motor, que expliquei um pouco em Roland Barthes, que é o paradoxo. Quando um conjunto de posições parece reificar-se, constituir uma situação social pouco precisa, então efetivamente, por mim mesmo sem o pensar, sinto o desejo de ir em outra direção. E é nisso que, afirma Bathes,“eu poderia me reconhecer como um intelectual; a função do intelectual sendo ir sempre a outra direção quando as coisas pegam”.Referências bibliográficas:
Filme: “Os Cafajestes”, com Norma Bengell (1935/2013), apresenta a primazia da nudez frontal no cinema brasileiro. Norma Aparecida Almeida Pinto Guimarães d`ÁureaBengell, nascida no Rio de Janeiro, em 21 de fevereiro de 1935 e morta nesta cidade, em 9 de outubro de 2013, foi uma atriz, cineasta, produtora, cantora e compositora brasileira. Era filha única de um alemão, afinador de pianos, com uma jovem rica da zona sul carioca.Entrevista: “Gabriela Leite: contra preconceitos, a força da ironia”. Disponível no site: http://outraspalavras.net/destaques/11/10/2013; BRAGA, Ubiracy de Souza, “Para sempre Emmanuelle”. Disponível no site: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2012/10/; Idem, “Notas sobre Michel Foucault e os Anarco-Ecologistas”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2012/05/11/; Idem, “Píer Paolo Pasolini: Profeta e mártir do cinema”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2012/03/25/; Idem, “Guerra de Sangue em Oslo, contra imigrantes e marxistas”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/07/26/; Idem, “A Irmandade Muçulmana: história & ordem política”. In: http://www.oreconcavo.com.br/2011/02/25/; KIERKEGAARD, Soren,O conceito de ironia. Petrópolis (RJ), Brasil: Vozes, 2005; FACIOLI, Adriano,A ironia: considerações filosóficas e psicológicas. Curitiba (PR): Juruá, 2010; JABOR, Arnaldo, Porno Politica: Paixões e taras na vida brasileira. São Paulo: Editora Objetiva, 2006; 134 páginas; Artigo: “Morre ex-prostituta Gabriela Leite, criadora da Daspu”. In: http://www.estadao.com.br/noticias/; artigo: “O voo de galinha e os custos da candidatura”. In: http://www.antonioimbassahy.com.br/; LIPOVETSKY, Gilles, O Império do Efêmero. A moda e seu destino nas sociedades modernas. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989; BARTHES, Roland, O grau zero da escritura. São Paulo: Editora Cultrix, 1971; Idem, Mitologias. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972; Idem, O grão da voz. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995; FREUD, Sigmund, Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca Neuva, 1972, 3 volumes; Idem, Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Ed. Standard; Imago, 1996; PLATÃO, Fedro. 275-c a 276-d e “Carta VI”, 344-c. d.; Idem, Obras Completas. Madrid: Aguillar, 1977; Idem, Apologias a Sócrates. São Paulo: Martin Claret, 1999; NIETZSCHE, Friedrich, A Filosofia na Época trágica dos Gregos. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Obras Incompletas; Col. Os Pensadores); Idem, Sabedoria para depois de amanhã. São Paulo: Martins Fontes, 2005; Idem, A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971; Idem, El Ordendel Discurso. Barcelona: Tusquets, 1973; Idem, “Genealogia e Poder”. In: Microfísica do Poder. 4ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1984; MÁRQUEZ, Gabriel García, La increíble y triste historia de la cândida Eréndira y de suabuela desalmada.Colombia: DeBols!llo, 1972; DE MARCHI, Luigi, Wilhelm Reich: Biografía de una idea. Barcelona: Península, 1974; REICH, Wilhelm, La Funcióndel Orgasmo. Buenos Aires: Paidós, 1974; Idem, O combate sexual da juventude. 2ª ed. Lisboa: Antídoto, 1978; BAKER, Elsworth F, O labirinto humano: as causas do bloqueio da energia sexual. São Paulo: Summus Editorial, MISSSE, Michel, O Estigma do Passivo Sexual. Rio de Janeiro: Achiamé/Socii, 1983; BOADELLA, David, Nos caminhos de Reich. São Paulo: Summus Editorial, 1985;entre outros.