A Ironia de Gabriela: “uma puta deputada”.
Ubiracy de Souza Braga*
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* Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Escólio: A ex-prostituta Gabriela
Leite, que em 2005 lançou a grife Daspu,
menção irônica (cf. Kierkegaard, 2005; Facioli, 2010) à Daslu, então a maior loja
de artigos de luxo do País, morreu nesta quinta-feira, 10/10/2013, à noite no
Rio de Janeiro, vítima de câncer no pulmão, aos 62 anos. Gabriela prostituiu-se
na “Boca do Lixo”, em São Paulo, na Vila Mimosa, no Rio de Janeiro, e em Belo
Horizonte. Em 1987 organizou o 1º
Encontro Nacional de Prostitutas e em 1992 fundou a ONG Davida. Ela cursou Filosofia na
Universidade de São Paulo (USP) e em 2009 lançou “Filha, mãe, avó e puta”,
livro em que narra sua vida. Em 2010 Gabriela foi candidata a deputada federal
pelo PV – Partido Verde, mas infelizmente não se elegeu.A ativista, que passava
por quimioterapia para tratamento do câncer, dá nome ao projeto de lei de
autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) que “propõe a regularização
dos profissionais do sexo”. O projeto é analisado em uma comissão da Câmara dos
Deputados e se passar o país fará jus à sociedade mais justa e igualitária.
Em
muitos países, chamam-se deputados aos representantes do povo “eleitos para o
Parlamento”. Um deputado, no Parlamento, tem poder legislativo, isto é, no
Parlamento os deputados decidem se aprovam ou não decretos-lei ou mesmo leis. Deputados
também fazem perguntas
ao governo, de caráter geral ou não, de forma a averiguar o seu trabalho. Qualquer
pessoa em tese pode ser eleita para o mandato de deputado, desde que pertença a
um partido político e reúna um número mínimo de votos. Quantos mais votos tiver
o partido, maior número de deputados pode eleger para o Parlamento.Teoricamente
todos os deputados que pertencem ao mesmo partido deveriam exercer o mesmo voto
sobre uma matéria: chama-se a isto “disciplina de voto”.Em suma, um deputado é
alguém eleito pelo povo para representá-lo no Parlamento e a quem o povo que o
elegeu confia as decisões sobre variados assuntos.
Historicamente a Boca do Lixo surge
como uma região não oficial do centro da cidade de São Paulo caracterizada por
ter se tornado um polo da indústria cinematográfica nas décadas de 1920 e 1930,
quando empresas como a Paramount, a Fox e a Metro se instalaram na região.
Durante as décadas seguintes, essas companhias atraíram distribuidoras,
fábricas de equipamentos especializados, serviços de manutenção técnica e outras
empresas do ramo cinematográfico para as redondezas, o que transformou a Boca
em um verdadeiro reduto do cinema independente brasileiro, desvinculado dos
incentivos governamentais. Durante aqueles anos, era comum ver homens guiando
carroças carregadas de latas de filmes pelas vias públicas. A Boca está
localizada no bairro da Luz, em um quadrilátero que inclui a Rua do Triumpho e
suas adjacências. Nos anos 1990, parte desse quadrilátero veio a ser chamada de
Cracolândia (cf; Braga, 2012) e se tornou uma das regiões mais degradadas da
cidade de São Paulo. Algumas fontes citam a região como sendo o fim da rua
Augusta. Enquanto São Paulo tinha a Boca do Lixo, o Rio de Janeiro tinha o Beco
da Fome.
Muitos
cineastas, como Carlos Reichenbach, Luiz Castelini, Alfredo Sternheim, Juan
Bajon, Cláudio Cunha ou Walter Hugo Khouri, tinham clara proposta autoral em
seus filmes, mas a produção da Boca “ficou mesmo caracterizada pelos filmes
baratos e que tinham forte apelo sexual”. Ela floresceu e se expandiu na pornochanchada
dos anos 1970, com musas como Helena Ramos, Sandra Bréa, Vanessa Alves,
Patrícia Scalvi, Nicole Puzzi, Zilda Mayo. Comédias, dramas, policiais,
faroestes, filmes de ação e de kung fu, terror, entre outros, foram gêneros
explorados pelo cinema da Boca, sem deixar de lado o uso restrito do erotismo.
Produtores como Antônio Polo Galante, David Cardoso, Nelson Teixeira Mendes,
Juan Bajon, Cláudio Cunha, Aníbal Massaini Neto, entre outros, ficaram
milionários com esse tipo de cinema.Alguns tiveram sucesso de bilheteria, entre
os quais “A Viúva Virgem”, de Rovai, e “Giselle”, de Victor di Mello. Em raras
exceções, esses filmes eram sucesso entre a crítica, que preferia os filmes
mais voltados à questão social, de diretores surgidos no chamado “Cinema Novo”
e nos anos 1970, integrados à Embrafilme, que produzia filmes com incentivo
estatal. O fim da ditadura militar golpista no Brasil em 1984 trouxe de volta o
filme de sexo explícito, o que acabou matando simbolicamente essa indústria
cinematográfica.
Gabriela
Leite, a mais destacada lutadora pelos direitos civis das prostitutas
brasileiras, morreu de câncer, no Rio de Janeiro. Paulistana e de família
tradicional, ela abandonou, com 22 anos, os cursos de Filosofia e Sociologia da
Universidade de São Paulo (USP) para imergir, por opção, na chamada “Boca do
Lixo”, antiga região de São Paulo de grande concentração de garotas de
programas, na década de 1970. Hoje [em agosto de 2012], aos 61 anos, ela
rejeita o termo “ex-prostituta” em suas apresentações. E com razão, pois
Gabriela está muito ativa no movimento de defesa dos direitos das prostitutas,
tendo fundado, inclusive, uma ONG em 1992, a Davida. Uma das principais conquistas até agora foi a inclusão, em
2002, da ocupação “trabalhador do sexo”, na Classificação Brasileira das
Ocupações (CBO), permitindo que prostitutas possam se registrar no Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), como autônomas, e garantir uma aposentadoria
futura. Autora do livro “Filha, mãe, avó e puta – A história de uma mulher que
decidiu ser prostituta”, da editora Objetiva e que já foi transformada em peça
teatral, “Gabriela”, que luta contra um câncer, acaba de ser uma das
contempladas do Prêmio “Trip Transformadores 2012”. Foi uma homenagem ao fato
de ter lançado, anos antes, a grife Daspu
– uma provocação à luxuosa Daslu e, ao mesmo tempo, uma cooperativa de produção
de roupas constituída por ex-prostitutas que não seguiram no mercado do sexo
por conta da idade.
Direitos civis são as proteções e
privilégios de poder pessoal dados a todos os cidadãos por lei. Direitos civis
são distintos de “direitos humanos” ou “direitos naturais”, também chamados “direitos
divinos”. Direitos civis são direitos que são estabelecidos pelas nações
limitados aos seus limites territoriais, enquanto direitos naturais ou humanos
são direitos que muitos acadêmicos dizem que os indivíduos têm por natureza ao
nascer. Por exemplo, o filósofo John Locke (1632-1704) argumentou que os
direitos naturais da vida, liberdade e propriedade deveriam ser convertidos em
direitos civis e protegidos pelo Estado soberano como um aspecto do contrato
social. Outros argumentaram que as pessoas adquirem direitos civis como um
presente inalienável da divindade ou em um tempo de natureza antes que os
governos se formaram. Leis garantindo direitos civis podem ser escritas,
derivadas do costume ou implicadas. Nos Estados Unidos e na maioria dos países
continentais europeus, as leis de direitos civis em sua maior parte são
escritas.
Exemplos
de direitos civis e liberdades incluem o direito de ser ressarcido em caso de
danos por terceiros, o direito à privacidade, o direito ao protesto pacífico, o
direito à investigação e julgamento justos em caso de suspeição de crime e
direitos constitucionais mais generalistas, como o direito ao voto, o direito à
liberdade pessoal, o direito à liberdade de ir e vir, o direito à proteção
igualitária e, ainda, o habeas corpus,
o direito de permanecer em silêncio (i. e. não responder a questionamento), e o
direito a um advogado; estes últimos três são designados na constituição
Norte-Americana para garantir que aqueles acusados de algum crime estão
assegurados de seus direitos. Ao passo que as civilizações emergiram e
formalizaram através de constituições escritas, alguns dos direitos civis mais
importantes foram passados aos cidadãos. Quando esses direitos se descobriram
mais tarde inadequados, movimentos de direitos civis surgiram como veículo de
exigência de proteção igualitária para todos os cidadãos e defesa de novas leis
para restringir o efeito de discriminações presentes.
A
Câmara dos Deputados do Brasil, assim como o Senado Federal, faz parte do Poder
Legislativo da União. São 513 deputados, que através do voto proporcional, são
eleitos e exercem seus cargos por quatro anos. Atualmente seu presidente é o
deputado Henrique Eduardo Alves, filiado ao Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) do estado do Rio Grande do Norte. A Câmara dos Deputados está
localizada na Praça dos Três Poderes,
na
capital federal.À Câmara dos Deputados compete privativamente: eleger os
membros do Conselho da República e autorizar a abertura de processo contra o
presidente da República e seus ministros. Juntamente com o Senado forma o
Congresso Nacional, cabendo a esta instituição: a aprovação, alteração e revogação
de Leis; autorização ao Presidente para a declaração de guerra; sustar atos do
Poder Executivo; julgar as contas do Presidente da República; dentre outras
funções, enumeradas no capítulo I, título IV, da Constituição Federal de 1988.
Segundo
o artigo 80 da Constituição brasileira o presidente da Câmara dos Deputados é o
segundo na linha de sucessão do presidente da República, logo após o
vice-presidente, sendo chamado em caso de impedimento ou vacância de ambos os
cargos. Isso ocorre para dar a maior legitimidade possível a decisão, pois os
deputados são considerados representantes do povo e os senadores representantes
dos estados. Após esse assumem o presidente do Senado Federal e o presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF).A Câmara dos Deputados tem mais de 15 mil funcionários
e, segundo recente publicação, 1371 destes temsalários maiores do que R$28 mil
por mês.Sobre o regime de trabalho está em curso a apresentação do Projeto de
Lei n. 6071/2013, pela Deputada Aline Corrêa (PP-SP), que: “Acrescenta artigo à
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, a fim de dispor sobre a jornada de
trabalho em regime de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso”.
Além
disso, a renomada revista inglesa The
Economist escolheu o Brasil como tema para uma extensa reportagem de capa
em sua edição mais recente, onde busca explicações para uma pergunta
pertinente: por que, mesmo dispondo de potencial interno invejável e
atravessando conjunturas externas favoráveis, o Brasil não decola, nem consegue
acompanhar o ritmo de crescimento dos outros países ditos emergentes,
apresentando o pior desempenho entre eles? A matéria, de ótimo conteúdo
jornalístico, foi taxada pelos assessores do Planalto e a militância petista
como uma espécie de encomendaoposicionista para desmerecer o governo Dilma
Rousseff, tendo em vista a crítica localizar-se em deputados do PSDB, quando não
se trata de uma análise profunda dos fatores que ora travam o nosso
desenvolvimento e que podem ser resumidos em duas vertentes básicas: o foco
único no palanque, na perpetuação do poder partidário, na reeleição da
presidente-candidata e, mais grave, a tentativa ideológica de transpor para o
Brasil um modelo bolivarianode gestão pública, ignorando a grandeza, a história
social e a diversidade cultural e política da nação.
Com
o cabelo curto, cara de menina e silhueta perfeita, Sylvia Kristel foi
escolhida como atriz para o papel principal de “Emmanuelle”, do diretor Just
Jaeckin, que virou um sucesso mundial de bilheteria. Quando protagonizou o
filme, Kristel tinha apenas 22 anos. Por obrigações contratuais, Kristel
participou em papéis mais ou menos importantes em várias sequências de
“Emmanuelle” (1974), tais como: “Emmanuelle 2” (1975), “Adeus, Emmanuelle”
(1977) e “Emmanuelle 4” (1984). Apesar das tentativas de se afastar do cinema
erótico para trabalhar com nomes importantes do cinema francês, sua imagem
ficou marcada positivamente, pela personagem que a tornou famosa. A atriz
holandesa de maior fama no panorama do cinema internacional até hoje, ficou
conhecida e acabou eternamente marcada por seu primeiro filme, “Emmanuelle”, de
1974. O longa-metragem, dirigido por Just Jaeckin, é uma adaptação do livro
(foto) de mesmo nome escrito por Emmanuelle Arsan.
Foto: Dutch actress Sylvia
Kristel, best known for the 1974 erotic French film: “Emmanuelle”.
Não
queremos perder de vista analogamente que Sylvia Kristel, nascida em Utrecht,
em 28 de setembro de 1952 - Amsterdã, em 17 de outubro de 2012, foi uma atriz,
diretora e modelo holandesa, mais conhecida pelo filme “Emmanuelle”. Iniciou
seu trabalho como modelo aos 17 anos, mas “inicialmente planejava ser
professora”. Musa de uma época em que erotismo (cf. Márquez, 1972), a
pornografia e o orgasmo (cf. Reich, 1974a; 1974b; 1978; Marchi, 1974; Baker,
1980; Boadela, 1985) eram quase sinônimos no cinema, a atriz holandesa Sylvia
Kristel morreu na noite de quarta-feira, aos 60 anos, em Amsterdã. Tornou-se
conhecida mundialmente interpretando a personagem principal na série de filmes
“Emmanuelle”. Mas a sua estreia se dá com o filme: Naakt over de schutting
(1973). Em 1974, aos 21 anos, a atriz personificou “Emmanuelle”, em filme
homônimo, grande sucesso na França, sobretudo pelo teor erótico. Melhor
dizendo, em seu ersatz colocou o erotismo no centro da história social do
cinema. Segundo o site especializado em cinema IMDb, “o filme garantiu US$ 100
milhões em bilheteria ao redor do mundo”.
As
teses de Foucault e Pasolini sobre a constituição do dispositivo discursivo da
sexualidade encontram-se referenciadas em uma dupla crítica - histórica e
metodológica - à hipótese repressiva da sexualidade. Esse, o nó górdio entre
Foucault na filosofia e Pasolini na arte cinematográfica em que pretendemos uma
aproximação conceitual. Píer Paolo Pasolini era um artista solitário. Antes de
ficar famoso como cineasta tinha sido professor, poeta e novelista. Entre seus
livros mais conhecidos estão Meninos da Vida, Uma Vida Violenta e Petróleo
(livro). De porte atlético e estatura média, Pasolini usava óculos com lentes
muito grossas. Em 26 de janeiro de 1947 escreveu uma declaração polêmica para a
primeira página do jornal Libertà:
“Em nossa opinião, pensamos que, atualmente, só o comunismo é capaz de fornecer
uma nova cultura”. Após a sua adesão ao PCI - Partido Comunista Italiano,
participou de várias manifestações e, em maio de 1949, participou do Congresso
da Paz em Paris.
Em
um caso e outro se quisermos insistir neste aspecto, vejamos. Surgem dois modos
possíveis de interpretação do uso do verbo “saber”. Na primeira, “saber” está
ligado à crença, saber implica crer. Em sentido amplo, crer também significa
“ter por verdadeiro”. Assim, crer significa, por exemplo, ter algo por
existente ou ter um enunciado por verdadeiro. Em outras palavras, crer significa
aceitar a verdade e a realidade sem que seja necessário apresentar provas. Em
última instância é possível afirmar, que crer implica “dar por acordado que o
mundo existe”. Há, portanto, uma dimensão prática que liga o saber (Foucault)
ao mundo manifestado no “crer” (Pasolini). Esta dimensão parece apontar para o
segundo modo de interpretação do uso do verbo “saber”. Desta vez, ele pode ser
associado a “poder” (Foucault). Dizer que “se sabe” é o mesmo que dizer que “se
pode” (Pasolini). Aqui reside o ponto central da interpretação analítica que
compreende o saber como habilidade e disposição. Melhor dizendo, se para Hegel,
à existência na consciência, no espírito chama-se saber, “conceito pensante”. O
espírito é também isto: “trazer à existência, isto é, à consciência”. Como
“consciência em geral”, tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na
minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente
isto: “produzir-se, sair de si, saber o que ele é”.
Nisto
consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar,
ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é
essencialmente razão. O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão. Ou
melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a
cada um.Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda
atividade, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que “é em si”, no
interior, manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente.
Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens
são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre.
Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem. O europeu sabe de si,
é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se
conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua
substância. Se os homens “falam mal de conhecer é porque não sabem o que
fazem”. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e
o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é.
Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este
saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é
o segundo esta é a única diferença da existência (“Existenz”) a diferença do
separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre
somente enquanto existo como livre.
Em
primeiro lugar, a ironia (cf. Kierkegaard, 2005; Facioli, 2010) é um
instrumento de literatura ou de retórica que consiste em dizer o contrário
daquilo que se pensa, deixando entender uma distância intencional entre aquilo
que dizemos e aquilo que realmente pensamos. Na Literatura, a ironia é a arte
de zombar de alguém ou de alguma coisa, com vista a obter uma reação do leitor,
ouvinte ou interlocutor. Ela pode ser utilizada, entre outras formas, com o
objetivo de denunciar, de criticar ou de censurar algo. Para tal, o locutor
descreve a realidade com termos aparentemente valorizadores, mas com a
finalidade de desvalorizar. A ironia convida o leitor ou o ouvinte, a ser ativo
durante a leitura, para refletir sobre o tema e escolher uma determinada
posição. O termo “ironia Socrática”, levantado por Aristóteles, refere-se ao
método socrático. Neste caso, não se trata de ironia no sentido moderno da
palavra.A ironia de situação é a disparidade existente entre a intenção e o
resultado: quando o resultado de uma ação é contrário ao desejo ou efeito
esperado. Da mesma maneira, a “ironia infinita” (“cosmicirony”) é a disparidade
entre o desejo humano e as duras realidades do mundo externo. Certas doutrinas
afirmam que a ironia de situação e a ironia infinita, não são ironias de todo. É
também um estilo de linguagem caracterizado por subverter o símbolo que, a
princípio, representa. A ironia, enfim, utiliza-se como uma forma de linguagem
pré-estabelecida para, a partir e de dentro dela, contestá-la.É, sobretudo
neste aspecto que entendemos a ironia de Gabriela Leite. Ora, vale lembrar queputa
do ponto de vista da linguagem, pode representar um substantivo feminino;
prostituta, um adjetivo feminino; com muita raiva e, lastbutnotleast, adverbio de intensidade; equivalente a muito,
usado para alimentar a intensidade do adjetivo: - Ah que tédio, vou ali comer
uma puta; - Haha, eu não paguei e ela ficou puta comigo!; - Nossa não pagar ela
foi uma puta sacanagem!
De
outra parte, a moda é um lugar de observação privilegiado para ver “funcionar o
social” (cf. Lipovetsky, 1989). É apaixonante e cruel, porque se descobrem
coisas que estão na moda em um ano e, no ano seguinte, têm de se renovar para
alcançarem uma nova moda. Por outro lado, a moda não é favorável ao mito,
porque é demasiado rápida. O mito precisa se instalar adquirir peso, criar
tradições, por isso Amy Winehouse, como vimos noutro lugar, virou mito, já que
não vivemos a aceleração da história, mas a aceleração da “pequena história”.
É, portanto, precisamente com a crise do desejo que podemos encontrar mitos,
porque é fixo, imóvel, agressivo, como fora o “mito de esquerda”, os ecos da
ecologia para salvar a nossa casa, o planeta Terra (cf. Braga, 2012), a questão
tópica do aborto, ou as lutas contra o racismo etc. O mal-estar e a crise da
civilização de que falava Freud, é talvez uma crise do desejo.
Há
pouco mais de um século Sigmund Freud (1972; 1996) desandou de vez o caldo ao
descobrir o inconsciente e, com isso, afirmar que não somos exatamente aquilo
que pensamos. Com o espelho do Narciso arranhado, tomou-se consciência de que
tudo poderia ser motivo de dúvida. Na insegurança e desorientação das massas, o
capitalismo globalizado fez sua mágica. Além do coelho, tirou da cartola casas,
carros, videogames, roupas e tudo o mais para nos desviar o foco das angústias.
Porém, isso tudo não passa de uma forma de abstração. Quando alguém fala que
está em crise existencial, precisa descobrir qual o seu motivo, pois não há um
sintoma nomeado como “crise existencial”, existe sim castrações de desejo no
sujeito que o angustiam. Ipso facto,
muitas pessoas sentem dificuldade ao tentar definir a razão de estarem
insatisfeitas com a vida.
Do
ponto de vista ideológico é fato que numa das primeiras cenas do filme:“Bruna
Surfistinha”, a cafetina que a acolhe no prostíbulo ironicamente diz que ela
teria sua carteira de trabalho registrada como profissional do sexo, com todos
os direitos inerentes a qualquer trabalhador, o que causou espanto na
personagem. Evidentemente isto não é possível porque a lei considera crime a
exploração da prostituição, com pena de reclusão de um a quatro anos (crime de
rufianismo). Entretanto, do ponto de vista político o Estado brasileiro
reconhece desde 2002 “a profissão de prostituta”, ano em que o Ministério do
Trabalho oficializou a profissão em sua Classificação Brasileira de Ocupações,
item 5198, definindo quem a pratica como sendo:“a profissional do sexo, garota
de programa, garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida,
prostituta, puta, quenga, rapariga, trabalhador do sexo, transexual
(profissionais do sexo) e travesti (profissionais do sexo)”. Isto permite que
quem vive da prostituição possa recolher contribuições previdenciárias, como “profissional
do sexo”, e garantir direitos comuns a todos os trabalhadores, como
aposentadorias e auxílio doença.
O
importante é entender que a crise existencial diz respeito à defesa do sujeito
contra seu próprio desejo. Em resumo, entre solidão, aceitação sexual e
problema familiar, a crise existencial nada mais é que um diálogo interno, sua
autocrítica em comparação e relação a si mesmo e ao outro, pois na medida em
que esse sujeito está de algum modo deserdado, esmagado pelas duas grandes
estruturas psíquicas que mais retiveram a atenção da modernidade, a saber, a
neurose e a psicose, o sujeito imaginário é um parente pobre dessas estruturas
porque nunca é nem inteiramente psicótico, nem inteiramente neurótico, como
ocorreu com o psicopata islamofóbico
(cf. Braga, 2011a; 2011b) e autor do duplo atentado nestes dias na Noruega,
Anders BehringBreivik, 32, que qualificou seu ato de “cruel, mas necessário”.O
fenômeno histórico que aparenta revelar-se desse modo, há cinquenta anos, é o
problema da “gregaridade” – é uma palavra nietzschiana. Os marginais
multiplicam-se, reúnem-se, tornam-se rebanhos, pequenos é certo, ou rebanhos de
qualquer maneira.
ParaRoland
Barthes “a história atual é o desvio em direção à gregaridade: os
regionalismos, por exemplo, são pequenas gregaridades que tentam
reconstituir-se. Acredito agora que a única marginalidade verdadeiramente
consequente é o individualismo. Mas há que se retomar esta noção de uma forma
nova”.Dizia-se ainda que Sócrates fosse atopos, quer dizer “sem lugar”,
inclassificável. É um adjetivo que relacionamos, sobretudo ao objeto amado,
tanto mais que, enquanto sujeito apaixonado simulado no livro, não saberia me
reconhecer como atopos mas, ao contrário, como uma pessoa banal cujo dossiê é
bastante conhecido. Ou seja, sem tomar partido quanto ao fato de ser
inclassificável, devo reconhecer que sempre trabalhei por repentes, por fases,
e que há uma espécie de motor, que expliquei um pouco em Roland Barthes, que é
o paradoxo. Quando um conjunto de posições parece reificar-se, constituir uma situação
social pouco precisa, então efetivamente, por mim mesmo sem o pensar, sinto o
desejo de ir em outra direção. E é nisso que, afirma Bathes,“eu poderia me
reconhecer como um intelectual; a função do intelectual sendo ir sempre a outra
direção quando as coisas pegam”.Referências bibliográficas:
Filme: “Os Cafajestes”,
com Norma Bengell (1935/2013), apresenta a primazia da nudez frontal no cinema
brasileiro. Norma Aparecida Almeida Pinto Guimarães d`ÁureaBengell, nascida no Rio
de Janeiro, em 21 de fevereiro de 1935 e morta nesta cidade, em 9 de outubro de
2013, foi uma atriz, cineasta, produtora, cantora e compositora brasileira. Era
filha única de um alemão, afinador de pianos, com uma jovem rica da zona sul
carioca.Entrevista: “Gabriela Leite: contra preconceitos, a força da ironia”.
Disponível no site: http://outraspalavras.net/destaques/11/10/2013; BRAGA, Ubiracy de
Souza, “Para sempre Emmanuelle”. Disponível no site: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2012/10/; Idem, “Notas sobre
Michel Foucault e os Anarco-Ecologistas”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2012/05/11/; Idem, “Píer Paolo
Pasolini: Profeta e mártir do cinema”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2012/03/25/; Idem, “Guerra de
Sangue em Oslo, contra imigrantes e marxistas”. Disponível em:
http://www.oreconcavo.com.br/2011/07/26/; Idem, “A Irmandade
Muçulmana: história & ordem política”. In: http://www.oreconcavo.com.br/2011/02/25/; KIERKEGAARD, Soren,O conceito de ironia. Petrópolis (RJ),
Brasil: Vozes, 2005; FACIOLI, Adriano,A
ironia: considerações filosóficas e psicológicas. Curitiba (PR): Juruá,
2010; JABOR, Arnaldo, Porno Politica: Paixões
e taras na vida brasileira. São Paulo: Editora Objetiva, 2006; 134 páginas;
Artigo: “Morre ex-prostituta Gabriela Leite, criadora da Daspu”. In: http://www.estadao.com.br/noticias/; artigo: “O voo de
galinha e os custos da candidatura”. In: http://www.antonioimbassahy.com.br/; LIPOVETSKY, Gilles,
O Império do Efêmero. A moda e seu
destino nas sociedades modernas. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,
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escritura. São Paulo: Editora Cultrix, 1971; Idem, Mitologias. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972; Idem, O grão da voz. Rio de Janeiro: Francisco
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dos Gregos. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Obras Incompletas; Col. Os
Pensadores); Idem, Sabedoria para depois
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Barcelona: Península, 1974; REICH, Wilhelm, La
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causas do bloqueio da energia sexual. São Paulo: Summus Editorial, MISSSE,
Michel, O Estigma do Passivo Sexual. Rio
de Janeiro: Achiamé/Socii, 1983; BOADELLA, David, Nos caminhos de Reich. São Paulo: Summus Editorial, 1985;entre
outros.
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