Pataxó,
Memória, Extermínio, Vergonha.
Ubiracy
de Souza Braga*
________________________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Pataxó: População total: 10 897: Fundação
Nacional de Saúde, 2006.
No ano de 1997 a
tribo pataxó ganhou uma trágica notoriedade internacional após o assassinato do
índio Galdino Jesus dos Santos (1952-1997). Ele dormia em uma parada de ônibus
em Brasília - DF quando delinquentes de classe média alta: um menor de idade,
G.N.A.J. e quatro maiores de idade: Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério
Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova, barbaramente atearam
fogo ao seu corpo, e morreu horas após ter tido 95% do corpo queimado. Os
assassinos confessaram o crime, “alegando que o confundiu com um mendigo”, tal
como ocorre nos extermínios de limpeza étnica. Galdino foi um líder indígena
brasileiro da etnia pataxó-hã-hã-hães
queimado vivo enquanto dormia em um abrigo de um ponto de ônibus em Brasília,
após participar de manifestações políticas do Dia do Índio, em um crime que chocou o Brasil.
Comemoramos
todos os anos, no dia 19 de Abril, o Dia do Índio. Esta data comemorativa foi
criada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas, através do decreto lei número 5.540. Mas porque foi
escolhido o 19 de abril? Para entendermos a data, devemos voltar para 1940.
Neste ano, foi realizado no México, o Primeiro
Congresso Indigenista Interamericano. Além de contar com a participação de
diversas autoridades governamentais dos países das Américas, vários líderes
indígenas destes continentes foram convidados para participarem das reuniões e
decisões. Porém, os índios brasileiros não compareceram nos primeiros dias do
evento, pois estavam preocupados e temerosos. Este comportamento era
compreensível, pois os índios há 5 ou 6 séculos estavam sendo perseguidos,
agredidos e dizimados pelos “homens brancos”. No entanto, após algumas reuniões
políticas e reflexões, diversos líderes indígenas resolveram participar, após
entenderem a importância daquele momento histórico-político. Esta participação
ocorreu no dia 19 de abril, que depois foi escolhido, no continente americano,
como o Dia do Índio.
“Curumim,
chama Cunhatã/Que eu vou contar/Curumim, chama Cunhatã/Que eu vou contar/Todo
dia era dia de índio/Todo dia era dia de índio/Curumim, Cunhatã/Cunhatã, Curumim/Antes
que o homem aqui chegasse/Às Terras Brasileiras/Eram habitadas e amadas/Por
mais de 3 milhões de índios/Proprietários felizes/Da Terra Brasilis/Pois todo dia era dia de índio/Todo dia era dia de
índio/Mas agora eles só tem/O dia 19 de Abril/Mas agora eles só tem/O dia 19 de
Abril/Amantes da natureza/Eles são incapazes/Com certeza/De maltratar uma
fêmea/Ou de poluir o rio e o mar/Preservando o equilíbrio ecológico/Da terra,
fauna e flora/Pois em sua Glória, o índio/ É o exemplo puro e perfeito/Próximo
da harmonia/Da fraternidade e da alegria/Da alegria de viver!/Da alegria de
viver!/E no entanto, hoje/O seu canto triste/É o lamento de uma raça que já foi
muito feliz/Pois antigamente/Todo dia era dia de índio/Todo dia era dia de
índio/Curumim, Cunhatã/Cunhatã, Curumim/Terêrê, oh yeah!/Terêreê,oh!”.
Escólio: Tribo (do latim tribu) é o nome que se dá a cada uma
das divisões dos povos antigos, possuindo um território e com algum tipo de
comando, possuindo em comum a mesma ancestralidade. O termo era originalmente empregado para
designar cada uma das trinta divisões da Roma Antiga (mais tarde trinta e
cinco) formadas por cidadãos plebeus; também designam as doze divisões
originais do povo hebreu. Por extensão, aplicou-se, na antropologia, para
designar certos tipos de agrupamentos humanos, mas, por sua imprecisão, deixou
de ser usado tecnicamente. Por sua origem europeia e uso na filosofia
colonialista da palavra para designar agrupamentos humanos nos diversos povos
primitivos conquistados ao longo do Globo, o termo ganhou oposição no meio
científico, não apenas por sua imprecisão como também por não atender às
divisões peculiares dos povos que pretendia reunir. O termo nos anos 1970
passou a ser usado por correntes científicas não evolucionistas. Alguns dos
autores que a aboliram argumentam que se trata de “ficção etnográfica e
acadêmica”.
Estes conceitos
de tribo, bem como o de tribalismo, etnicidade, clã e linhagem trazem forte
vício colonialista e neocolonialista, com apoio da antropologia que então lhe
servia, devem ser evitados, por também trazerem inerentes divisões que visam,
antes, ao domínio do que propriamente à compreensão das realidades que procuram
retratar. Como exemplo deste mau uso cita-se os meios de comunicação de massa
que mascaram os problemas africanos como decorrentes de “conflitos tribais”,
ocultando assim as reais causas econômicas, políticas e sociais. Neste sentido o
antropólogo Cardoso de Oliveira ressalta que ...
....conceitos de tribo e etnia surgem
da ótica europeia para definir as sociedades asiáticas, ameríndias e africanas,
dotando-os de um rótulo comum que lhes abstrai sua historicidade, em definições
determinadas pela colonização.
Contudo,
do ponto de vista da globalidade/totalidade o antropólogo Darcy Ribeiro foi aquele
que num projeto ambicioso em seus estudos de antropologia da civilização mais
contribuiu, nos dias de hoje, para precisar o conceito de “processo
civilizatório”. Em sua démarche intelectual transita à vontade tanto pelos
caminhos ocidentais como pelas veredas do mundo tribal amazônico, ou pelos
corredores de mais de dois “palácios de governo”. Seu compromisso é vital, não
setorial; produz-se na cátedra, na prolongada e boa convivência com os índios,
na criação de universidades, dentro e fora do Brasil, como ministro da Educação
ou como chefe da Casa Civil, como preso político, nas peregrinações do exílio,
e finalmente, como romancista com “Maíra”(1975) e “O Mulo”(1987) onde prepara o
terreno para sua etnobiografia antevista em “Ensaios Insólitos” (1979), “Utopia
Selvagem” (1982), “Testemunho” (1991) ou, como consta no Prólogo de seu
derradeiro livro Confissões (1997; 585 páginas).
Em verdade, um
fragmento importante nas páginas da vida latino-americana da década de 1950 até
os dias de hoje, pode se documentar seguindo-se o rastro aberto por Darcy
Ribeiro. Traçou o plano de uma obra que
incluiu, entre outros aspectos, a chamada “revolução humana”; as experiências
junto às “formações pré-agrícolas”; um estudo sobre a “revolução agrícola” e
sobre as “aldeias agrícolas indiferenciadas”; as “sociedades pastoris”; a
“revolução urbana” e os “Estados rurais artesanais” e principalmente, - para o
que nos interessa o lugar da “revolução do regadio” e os “Impérios teocráticos
de regadio”, assim como a “revolução metalúrgica” e os “Impérios
mercantil-escravistas” que têm como consequência, grosso modo, a “revolução
mercantil”. O Autor examina os efeitos diferenciais das diversas fronteiras de
expansão econômica perante os grupos que classifica segundo a intensidade de
sua relação com a sociedade nacional.
Este
modelo de análise será desenvolvido anos depois pelos projetos de investigação
mais avançados da antropologia brasileira. Por volta de 1957 - assinala Darcy -
“haviam sido extintos só no Brasil, 87 grupos [indígenas], dos 230 registrados
em 1900”. Impávido, admite,
“o
processo civilizatório é minha voz nesse debate. Ouvida, quero crer, porque foi
traduzida para as línguas de nosso circuito ocidental, editada e reeditada
muitas vezes e é objeto de debates internacionais nos Estados Unidos e na
Alemanha. A ousadia de escrever um livro tão ambicioso me custou algum despeito
dos enfermos de sentimentos de inferioridade, que não admitem a um intelectual
brasileiro o direito de entrar nesses debates, tratando de matérias tão
complexas. Sofreu restrições, também, dos comunistas, porque não era um livro
marxista, e dos acadêmicos da direita, porque era um livro marxista. Isso não
fez dano porque ele acabou sendo mais editado e mais lido do que qualquer outro
livro recente sobre o mesmo tema” (cf. Ribeiro, 1995:14).
Além
disso, este plano é muito importante na medida em que o Autor teve acesso a
obras que em sua maioria estavam sendo publicadas quase que imediatamente
“sobre o estudo das revoluções tecnológicas e na fixação dos modelos teóricos
das formações socioculturais”. Contou também com suas próprias experiências
concretas, com o “trabalho de campo”, como antropólogo junto a grupos indígenas
como os Guajá e os Xokléng, os índios Kadiuéu (1950) e particularmente a Arte Plumária dos Índios Kaapor (1957a) e, igualmente, sobre os
índios Urubus-Kaapor (1957b) e as
tribos do Xingu, entre outras pesquisas originalmente realizadas sobre os
índios no Brasil. Mesmo o livro de Stanley J. Stein e Barbara H. Stein, The Colonial Heritage of Latin America,
(Oxford University Press, 1970) publicado dois anos depois que o Processo Civilizatório (Ed. Civilização
Brasileira, 1968) onde inclui fontes bibliográficas importantes sobre a
Península Ibérica (1580-1800), sobre as colônias ibero-americanas com a
projeção da América Latina em sua fase neocolonial no século XIX, desconhece o “Diagrama
do Processo Civilizatório. Principais Focos de Irradiação, suas
Interpenetrações e Projeções sobre os Povos contemporâneos”, considerando a
importância do estudo de Darcy Ribeiro sobre antropologia das civilizações.
Repetem algumas de suas fontes e referências bibliográficas.
No
caso do assassinato do índio Pataxó, os meliantes são pertencentes a famílias
de grande poder aquisitivo e influência política. Desde a prisão os criminosos
contaram com regalias a que nenhum outro preso comum tinha direito. Apesar das
críticas efetuadas pela promotora Maria José Miranda, que acompanhou o processo
nos primeiros cinco anos, os quatro criminosos detidos tinham “direito a tomar
banho quente e manter cortinas em suas celas, além de ficarem de posse da chave
da própria cela”. Por motivos aparentemente desconhecidos, a promotora pediu
afastamento do caso pouco tempo antes do julgamento. G.N.A.J. foi encaminhado
para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal, “onde ficou preso
apenas por três meses, apesar de ter sido condenado a 1 ano de reclusão”. Os
outros quatro foram condenados, em 2001, a 14 anos de prisão “em regime
integralmente fechado por homicídio doloso”. Pela gravidade do crime não teriam
direito a determinados benefícios, “mas, já no ano seguinte, receberam
autorização para exercer funções administrativas em órgãos públicos”.
Além disso, três dos cinco rapazes chegaram “a ser
flagrados pela imprensa local se dirigindo em carro próprio até o presídio sem
passar por qualquer tipo de revista, após namorar e ingerir bebida alcoólica em
um bar”. Em agosto de 2004, foi concedido o livramento condicional aos quatro
condenados. Esse benefício foi recepcionado pela opinião pública como um
atestado do “caráter volúvel do Poder Judiciário frente à força
político-econômica” e, evidentemente revoltou os familiares do índio
assassinado. A mídia também noticiou a concessão do benefício, apesar de
previsto em lei, como “certeza da impunidade” (cf. Braga, 2012) para um crime
considerado hediondo pela legislação brasileira. O local do crime foi
rebatizado como Praça do Compromisso
e, lá, foram colocadas duas esculturas relativas ao assassinato de Galdino: uma
delas retrata uma pessoa em chamas e a outra representa uma pomba, o símbolo da
paz.
Carajás
etimologicamente falando, “refere-se à tribo indígena que habita a ilha de
Bananal e as margens do rio Araguaia”. Da narrativa publicada nos meios de
comunicação massivos obtivemos o seguinte relato. No Brasil, contrariando as
teses da filosofia da práxis de que “a história não se repete na totalidade dos
fatos”, se repetem e como se repetem. Vejamos:
“O
surdo correndo, braços abertos, tomou uma chuva de balas, foi ao chão. Seria o
primeiro. Um a um foram caindo, eram 19 corpos destroçados no começo da manhã
do dia 17 de abril de 1996. Dos centenares de agricultores que viraram a noite
na curva do S, na estrada próxima à fazenda Macaxeira, em Eldorado dos Carajás,
Pará, os que escaparam carregam as marcas do horror. Rubenita Justiniano da
Silva, no dia do massacre, tinha 26 anos. Levou um tiro na boca, teve a
mandíbula fraturada, a língua rasgada, perdeu seis dentes, e a bala ficou para
sempre alojada em sua garganta. (…) Com a frequência das rotinas cruéis, sem
aviso, o pescoço desanda a latejar, o local ferido inflama, os olhos ficam
avermelhados, a visão enevoada”.
Como é sabido, nenhum dos implicados em uma
“desastrada” operação policial, só para fazermos referência à repetição
jornalística da expressão, caitituada, mormente pela rede Globo de televisão,
mesmo “condenados” juridicamente falando - como é o caso do coronel Pantoja,
sentenciado a 228 anos de cadeia, está preso. Seria mais um capítulo sangrento
das questões ligadas a terra no Brasil, mais uma história para ser esquecida? O
escritor Eric Nepomuceno não se resignou. Por três anos, percorreu os meandros
do conflito - dos antecedentes do século XVI ao processo judicial que condenou
o coronel. O Supremo Tribunal Federal (STF) está longe de tomar uma decisão
sobre a anulação do julgamento que condenou o coronel da Polícia Militar do
estado do Pará, Mário Colares Pantoja, pelo massacre ocorrido em Eldorado dos Carajás.
Do ponto de vista jurídico o julgamento do habeas corpus foi interrompido no
último dia 14 de junho, após um pedido de vista do ministro Celso de Mello, que
pretende estudar com mais tempo o pedido, já negado pelos ministros Ellen
Gracie e Gilmar Mendes. Até que seja adotada a decisão final, o oficial cumpre
em liberdade provisória a pena de 228 anos de reclusão por ter comandado a ação
que resultou na morte de 19 trabalhadores rurais no dia 17 de abril de 1996. A
defesa do coronel considera que a condenação foi ilegítima por ter sido
conduzida por um juiz especial. No entanto, a Procuradoria-Geral da República
afirma que a nomeação foi feita devido à falta de um titular na Comarca responsável
pelo caso, que ficou parado durante dez meses. Na primeira denúncia do
Ministério Público do Pará, o coronel foi indiciado por abuso de autoridade.
Mais tarde, passou a responder por homicídio qualificado. Absolvido no primeiro
julgamento, foi considerado culpado por todas as instâncias superiores.
Historicamente
como é sabido, mas, sobretudo no plano ideológico (totalidade) e cultural
(especificidade), no campo imaginário e simbólico, entre nós temos a
interiorização na naturalidade das desigualdades e a impossibilidade de lidar
com as diferenças étnicas, sexuais, religiosas, sociais e culturais.
Interiorização da naturalidade de que haja os “sem direito” e os “sem poder”,
reforçando a visão autoritária inclusivamente para a formação das relações
sociais e políticas no campo jurídico. Manutenção de um padrão imaginário
autoritário sobre o país, derivado da alternativa messiânica e milenarista que
presidiu o imaginário nos navegantes, dos viajantes e principalmente dos
evangelizadores, para os quais a América seria a concretização das profecias de
Isaías e de Daniel, da restauração do chamado “paraíso terrestre”.
Em
suma, a violência simbólica, penetração da religião católica, como é bem
retratada no filme do cineasta Roland Joffé, A Missão (The Mission,
ING, 1986, Flashback Home Vídeo, 125 min) e política: conquista, colonização,
invasão, descobrimento, “achamento”, extermínio humano etc. com que a Europa
implantou seu poder técnico, político e militar nas Américas, quer se tratasse
de espanhóis, portugueses, ingleses, franceses etc. é apenas o índice
estatístico de uma morte irreparável: “a morte das grandes civilizações que”,
como demonstra eloquentemente Miguel León Portilla, “possuíam um sistema educativo,
um mundo moral e artístico e formas de relação humana em contínua evolução
criativa”. Neste sentido não só a América perdeu com isso: a Europa perdeu,
pois ao caírem às civilizações americanas desapareceram auspícios alternativos
de relação e imaginação que as sociedades americanas, mas também as europeias,
talvez tivessem precisado e de que certamente precisarão para oferecer o rosto
e o coração - in ixtli, in yolotl -
aos problemas para os quais a modernidade ocidental não dispõe de respostas
adequadas: relação com a natureza, ou, com a morte, como afirma Alejo Carpentier
em Los Pasos Perdidos.
Desta
forma é aceito que o etnocídio “é a supressão das diferenças culturais julgadas
inferiores e más”; é a aplicação de um princípio de identificação, de um
projeto de redução do outro ao mesmo, como ocorre, por exemplo, com o índio
amazônico suprimido como outro e reduzido ao tempo como cidadão brasileiro. Em
outras palavras, o etnocídio resulta na dissolução do múltiplo no Um. O que
significa agora o Estado? Ele é, por
essência, o emprego de uma força centrípeta que tende, quando as circunstâncias
o exigem, a esmagar as forças centrífugas inversas. O Estado se quer e se
proclama o centro da sociedade, o todo do corpo social, o mestre absoluto dos
diversos órgãos desse corpo. Descobre-se assim, no núcleo mesmo dessa
substância do Estado, a força atuante do Um, a vocação de recusa do múltiplo, o
temor e o horror da diferença. Nesse nível formal em que nos situamos
atualmente, afirma Pierre Clastres, “constata-se que a prática etnocida e a
máquina estatal funcionam da mesma maneira e produzem os mesmos efeitos: sob as
espécies da civilização ocidental ou do Estado, revelam-se sempre a vontade de
redução da diferença e da alteridade, o sentido e o gosto do idêntico e do
Um”.
Isto
porque, como compreendemos historicamente, as consequências imediatas da
conquista e ocupação das áreas mais densamente povoadas da civilização indígena
nas Américas foram etnocidas. O somatório de doenças epidêmicas como varíola,
sarampo, febre tifoide, sífilis, a superexploração do trabalho e debilitação
física resultante, de acordo com Martins, com a “chegada do estranho” (1990;
1993; 1997) para a aculturação de uma sociedade comunal orientada para o lucro,
acabou por produzir nos séculos XVI e XVII um dos declínios demográficos mais
desastrosos jamais registrados pela história mundial. Ou seja,
“entre
1492 e 1550, a conquista literalmente aniquilara a população indígena caribenha,
a primeira a ser submetida e dizimada. No México central, uma população de
aproximadamente 25 milhões, em 1519 (...) achava-se reduzida a pouco mais de 1
milhão em 1605. Nos Andes centrais - para os quais dispomos de poucos estudos
de história demográfica - parecem ter-se repetido os mesmos padrões gerais de
destruição geográfica decorrente da ocupação espanhola. Um contingente populacional
calculado entre 3,5 e 6 milhões (em 1525) foi reduzido para 1,5 milhão (por
volta de 1561), somente retornando ao índice de 6 milhões cerca de 1754” (cf.
Stein e Stein, 1976: 37).
O
então presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que tropas do exército
fossem deslocadas para a região em 19 de abril com o objetivo de conter a
escalada de violência. O presidente pediu a prisão imediata dos responsáveis
pelo massacre. O ministro da Justiça, Nelson Jobim, juntou-se às autoridades
policiais e do Judiciário, no Pará, a pedido do governo federal, para
acompanhar as investigações. O general Alberto Cardoso, ministro-chefe da Casa
Militar da Presidência da República, foi o primeiro representante do governo a
chegar a Eldorado dos Carajás.
Enfim,
Integrante do Conselho Indigenista Missionário na Bahia, Haroldo Heleno garante
ser mentira que os índios Pataxós Hã Hã
Hãe, do sul da Bahia, realizam ocupações desde fevereiro deste ano e que tenham
provocado violência na região, como divulgou recentemente a Rede Globo de
Televisão. Nailton Muniz Pataxó, da Aldeia Milagrosa, no município baiano de
Pau Brasil, acrescenta que a emissora e a imprensa local mentem ao divulgar que
os índios lutam pela demarcação de terras e esclarecem que o objetivo é a
anulação dos títulos de posse dos fazendeiros. “Na verdade a tribo indígena
pede há 30 anos que os títulos sobre a área, uma reserva já demarcada em 1937,
sejam anulados. Geralmente nas outras áreas existe uma disputa pela demarcação
do território, essas já estão demarcadas”, afirma Heleno.
Enfim, depois de
décadas de disputa política, os índios pataxós obtiveram ontem o reconhecimento
do direito às terras na reserva Caramuru-Catarina Paraguassu, no sul da Bahia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o seguinte: “que são nulos todos os
títulos de propriedades concedidos a fazendeiros e agricultores sobre glebas
localizadas dentro da reserva, que tem 54 mil hectares”. A região tem registrado frequentes conflitos
por causa da posse das terras. No final de abril, por exemplo, “um índio levou
um tiro na perna”. Apesar de o processo sobre a área pataxó não constar da
pauta de julgamentos do STF prevista para ontem, a ministra Cármen Lúcia pediu
que a ação fosse julgada diante da urgência e gravidade: “Trata-se de um caso
insólito, excepcional. A situação é de extrema conflituosidade”, afirmou o
presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto. Ele afirmou que a terra para o
índio “é uma alma” e não simplesmente um bem material. Nesse julgamento, o STF
atendeu a um pedido da Fundação Nacional
do Índio (Funai).
O último a
votar, Ayres Britto seguiu o voto do relator, Eros Grau (aposentado), proferido
no início do julgamento, em 2008. Ao final, foram 7 votos a 1 pela nulidade dos
títulos de propriedade de terras concedidas a fazendeiros e agricultores,
ficando vencido o ministro Marco Aurélio. Os ministros Gilmar Mendes e Dias
Toffoli estavam impedidos, e Ricardo Lewandowski não participou em razão de
viagem para cumprir agenda oficial. Luiz Fux também não participou por suceder
o ministro Eros Grau. Para ontem estava marcado originalmente o julgamento de
uma ação que discute a adoção de sistemas de cotas no âmbito do Programa Universidade para Todos
(Prouni).
Segundo eles, a “mídia
tradicional” também não revela a precariedade nos acampamentos. O líder Pataxó
afirma que quase dois mil índios acampados passam fome. Eles se alimentam
apenas de jaca e banana, que já estão acabando. As crianças também não tomam
leite. E a falta de atendimento médico levou à morte o irmão do líder Pataxó.
“Talvez esse clima tenha sido criado propositalmente para colocar a opinião
pública contra os indígenas”, ressalta o conselheiro. Para eles, “tem sido
muito prejudicial para todo mundo. Tem se criado um clima de muito terror e
muita apreensão. A Rede Globo, em vários momentos, tem usado dados que conduz a
sociedade a uma opinião contrária aos índios” e completa: “Agora com a
proximidade da ação a favor dos índios, a imprensa tem tentado conduzir a
sociedade contra eles, colocando-os como grandes vilões da história.” Um documento foi elaborado por cinco
caciques, 21 lideranças indígenas e presidentes de quatro associações, para
divulgar as denúncias.
Bibliografia geral consultada:
Artigo: “Rede Globo manipula e esconde
que os Pataxós passam fome na Bahia, dizem indígenas”: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2012/04/rede-globo-manipula-e-esconde-que-os-pataxo-passam-fome-na-bahia; BRAGA, Ubiracy
de Souza, “A Morte dos Goytacamopi”.
Texto escrito e falado em: “Mesa Redonda do XIX Simpósio Nacional de História:
´História e Cidadania”. Belo Horizonte/UFMG - Universidade Federal de Minas
Gerais, 21 a 25 de julho de 1997a; Idem, “A Morte dos Goytacamopi”, publicado no livro: Ciência Moderna e Interrogação Filosófica. Modernidade, Identidade e
Cultura de Fronteira. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB; Feira de
Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana; Campina Grande: Argos
Gomero Editora, 1997b; Idem, “Massacre de Eldorado dos Carajás: 15 anos de
impunidade”. http://espacoacademico.wordpress.com/2011/04/30/massacre-de-eldorado-dos-carajas-15-anos-de-impunidade/; SZNICK, Valdir, Comentários à Lei dos crimes hediondos:
terrorismo, genocídio, tortura, prisão temporária. 3ª edição rev. e
atualizada. São Paulo: Livraria e Editora Universitária do Direito, 1993; RIBEIRO,
Darcy Guimarães, Religião e Mitologia Kadiuéu. Publicação do Conselho
Nacional de Proteção aos Índios. Rio de Janeiro, 1950; Idem, Arte dos Índios Kadiuéu. Separata de
Cultura, nº IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1951; Idem, Arte
Plumária dos Índios Kaapor.
Escrito em colaboração com Berta G. Ribeiro. Rio de Janeiro, 1957; Idem, O Processo Civilizatório. Etapas da Evolução
Sociocultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968; Idem, Os Índios e a Civilização. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1970; Idem, Uirá Sai à procura de Deus. Ensaios de Etnologia e Indigenismo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1974; MARTINS, José de Souza, “O tempo da fronteira.
Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da
frente pioneira”. In: Tempo Social.
Rev. Sociol. USP: São Paulo, 8 (1), maio de 1990; Idem, A Chegada do Estranho. São Paulo: Editora Hucitec, 1993; Idem, “A
Reprodução do Capital na Frente Pioneira e o Renascimento da Escravidão”. In: Fronteira. A degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo: Editora
HUCITEC. Co-edição da F. F. L. C. H/USP, 1997; TARDÁGUILA, Cristina,
“Primitivos quem, cara-pálida?”. In: Folha
de São Paulo, 10.06.2007, entre outros.
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