sexta-feira, 5 de novembro de 2010
O velho e o novo em Fortaleza
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Publicado por
Pedro Mourão
Marcadores:
CEARÁ,
HISTÓRIA,
NOTÍCIA,
urbanismo. cidade
31/10/2010
As propostas das construtoras são inúmeras e bastante tentadoras, algumas com ofertas milionárias
"Da força da grana que ergue e destrói coisas belas". A frase composta pelo cantor baiano Caetano Veloso, na música Sampa, resume bem uma realidade que vive Fortaleza, onde grande parte dos casarões antigos, que contam um importante pedaço da história da Capital, desaparece a cada dia para se transformarem em arranha-céus. Algumas dessas raridades, no entanto, resistem bravamente à especulação imobiliária e às tentadoras propostas das construtoras, algumas com ofertas que envolvem milhões de reais.
Num giro pela Aldeota, não raro nos deparamos com essa realidade. A exemplo da Rua José Vilar, onde os casarões que restaram se tornaram pequenos diante dos enormes e luxuosos prédios, repletos de apartamentos, que, apesar de numerosos, ironicamente mantém uma relação fria e superficial entre os moradores. "Aqui era tudo casa", disse o advogado Janos Roven, 42, apontando para um enorme prédio em frente a sua residência, na José Vilar.
O morador, que nasceu e se criou no local, relata que a casa foi construída ainda na década de 1950. Desapontado, ele revela que, hoje, o que mais o choca é a descaracterização que houve em sua vida. "Antigamente a gente vinha para a calçada, brincava com os amigos, jogava bola, hoje não. Estou rodeado de prédios, mas a gente não tem contato com ninguém", relatou o homem, reclamando que falta calor humano entre os novos vizinhos. "A calçada da sua casa é sua. A do apartamento é de todos", critica Roven, que mantem a residência toda original.
O muro baixo não tem cerca elétrica; o portão, portas e janelas da casa, assim como todos os compartimentos, bastante espaçosos, conservam traços originais de sua arquitetura. Assim, o advogado, juntamente com os pais, já idosos, levam a vida no local. As propostas das construtoras existem e são bem constantes. Contudo, nenhuma foi satisfatória. "Já ofereceram muita coisa, mas não pagam em dinheiro, por isso a gente não fez negócio", disse o homem, avaliando que o terreno, que possui 1.900 m², somando as três casas da família, vale R$ 5 milhões. "Esse terreno se valoriza mais rápido do que esses apartamentos novos daqui", garantiu.
Congestionamento
No cruzamento das ruas Torres Câmara e José Vilar, a casa do senhor Raimundo Ernani Oliveira, 78, e da senhora Adalgisa Aragão, 70, está completamente ilhada pela construção de dois edifícios. Ele conta que já tentaram comprar sua casa de todas as formas. "Teve um corretor que chegou às 15h e só saiu às 19h. Mas, a única proposta formal que fizeram foi uma, indecente, de comprar o terreno pelo metro quadrado, como se não tivesse nenhuma construção", contou indignado.
Seu Ernani relatou que, se a construtora tivesse comprado sua casa, seriam construídos no local três espigões, com 132 unidades, 44 em cada. "Todas as casas que havia ao redor foram destruídas. O reflexo disso vai ser quando o complexo que eles estão construindo estiver pronto, pois o número de carros vai aumentar muito", alertou.
O morador acrescentou, ainda, que as casas que foram compradas tinham cinco veículos. Contudo, com as novas unidades, serão quase 400. O que gera outro problema, pois a tendência é que o trânsito, que já está complicado, piore ainda mais. O culpado de tudo isso, denuncia Ernani, é o poder público, por aprovar a construções de prédios com até 22 andares.
Outro que resiste veementemente à pressão do mercado é o bancário aposentado Francisco de Assis Mapurunga, 82, que reside na Rua Leonardo Mota. Bastante determinado, ele diz que só mesmo à força iria morar num apartamento. "É deixar de morar na nossa casa para ir morar na casa dos outros", justificou. Não raro aparece alguém interessado em comprar sua casa, entretanto, de prontidão responde: "mas eu não coloquei a casa à venda".
Mercado
O mercado imobiliário de Fortaleza está em pleno momento de ascensão. Para se ter uma ideia, somente no primeiro semestre de 2010 houve um faturamento de R$ 1 bilhão e 700 milhões com relação à venda de imóveis, número bastante superior ao mesmo período do ano passado, quando o faturamento foi de R$ 700 milhões. Até outubro deste ano foram construídos em Fortaleza e Região Metropolitana 35 prédios, o que representa aumento de 44% no número de unidades vendidas, em relação ao ano passado.
O presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Locação de Imóveis do Ceará (Secovi), Sérgio Porto, atribuiu esse "boom" às facilidades. "O financiamento aumentou e a taxa de juros caiu, o que fez com que o valor das parcelas diminuísse", disse. Além disso, o tempo do financiamento também cresceu. Há cinco anos, ele era de 10 anos, hoje, chega a até 30.
Houve mudança também no perfil dos imóveis. O mercado atual demanda apartamentos de menor porte, conforme a situação dos novos adquirentes, principalmente a classe C.
BENS HISTÓRICOS
Fortaleza: uma cidade sem memória
A demolição de casarões antigos representa a perda da memória da Cidade. A arquiteta e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Beatriz Helena Nogueira Diógenes, esclareceu que essas habitações são, ou eram, testemunhas de uma época da nossa Cidade. "São exemplares da arquitetura das primeiras décadas, alguns chalés, casas com linhas kitsch e outras concebidas segundo os princípios da arquitetura moderna, quase todas implantadas em amplos lotes arborizados, que desaparecem na dinâmica urbana atual, sendo substituídas por edifícios altos, seguindo a especulação imobiliária", afirmou.
O arquiteto José Capelo Filho disse que o problema fundamental é a falta de leis neste sentido. "Ou você tem uma legislação para manter o bairro ou acontece o que aconteceu na Santos Dumont, que se transformou num corredor comercial". Ele alerta que isso cada vez vai descaracterizando a imagem, o simbolismo do local. "Nos últimos anos, o Meireles mudou de feição, e quem perde é a população, porque a imagem da cidade vai sendo destruída", afirmou.
Nas últimas décadas, Fortaleza cresceu violentamente. Em 1930 eram 250 mil habitantes, hoje, são mais de 2 milhões. Durante esses 70 anos, ressalta Capelo, existiram vários planos diretores, mas nenhum foi seguido, nem o atual. Na concepção do arquiteto, esse é um problema que não tem mais volta.
O historiador Erick Assis de Araújo acredita que a convivência entre o antigo e o novo é plenamente viável. Contudo, ressaltou que Fortaleza tem que fortalecer as instâncias reguladoras, pois o capital pouco se importa se a Cidade está se descaracterizando. "Se o empreendimento tem lucro ou não, a meta é avançar, custe o que custar, pois o retorno financeiro será maior", lamentou.
Para Erick, isso cria uma atmosfera do vale tudo no espaço urbano. "Empurram a cidade para uma arena de briga a céu aberto, o que é uma barbárie urbana. A cidade precisa reagir, tangenciar e driblar a lógica perversa do mercado imobiliário e, se possível, resistir de forma mais contundente, impedindo a devastação do pouco que nos resta de sociabilidade na cidade", declarou.
LUANA LIMA
REPÓRTER
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