Ontem recebi o email da Professora Isabelle Braz Peixoto da Silva.
Achei que deveria apresentar isso para vocês. Aquele Abraço.
Caros,
boa noite!
Escrevo para comentar um assunto que me parece ser de enorme interesse para nós, tanto como cientistas sociais quanto como pesquisadores em geral, e da ciência, em particular.
Em 2004, uma aluna da Ciências Sociais da USP, minha colega de Faculdade, Nadja Marin, fez um excelente documentário chamado Napëpë sobre a luta dos Yanomami para recuperar suas amostras de sangue retiradas no final dos anos 1960 por uma equipe de pesquisadores norte-americanos que pretendiam comparar as amostras de sangue Yanomami, como grupo de controle, com as amotras de sangue dos sobreviventes da bomba de Hiroshima. Na época, quem intermediou o contato dos cientistas com os Yanomamis foi o antropólogo Napoleon Chagnon que conviveu um ano entre os índios e sobre eles escreveu inúmeros artigos e livros de sociobiologia sobre o caráter e a "natureza" dos Yanomami. Unindo pesquisa genética com análises culturais, o antropólogo criou uma imagem dos Yanomami como um povo guerreiro e violento, o que acabou levando os militares, durante a ditadura, a propor a demarcação descontínua das terras Yanomami na tentativa de isolar os índios em "ilhas" e evitar, assim, as guerras entre as diferentes tribos Yanomami. Desnecessário dizer que o território Yanomami é uma das reservas mais ricas em minérios, os mais variados. Essa demarcação descontínua, como sabemos, não ocorreu, mas isso não eliminou os conflitos ligados a essa pesquisa. As amostras de sangue Yanomami retiradas, na época, continuaram a ser usadas em pesquisas genéticas longo dos anos 1980, 1990 e 2000 sendo, inclusive, parte do projeto Genoma Humano. Acontece que os Yanomamis não foram avisados de que suas amostras de sangue seriam guardas o que, para a cultura deles, é totalmente inadmissível, sobretudo depois que a pessoa morre, já que o cerimonial funeral envolve a destruição de todo o corpo do morto. Bem, eles estão numa disputa enorme para que se reconheça que se trata de um caso explícito de biopirataria e ter as suas amostras de volta. Foi sobre isso que a Nadja fez um belíssimo documentário que inclusive ganhou o 8th Gottingen International Ethographic Film Festival. O documentário está disponível no you tube em quatro partes (acessíveis pelos links abaixo) e eu realmente recomendo!!
Napëpë - parte 1
Napëpë - parte 2
Napëpë - parte 3
Napëpë - parte 4
Bem, mas não bastasse o interesse íntrenseco ao tema, o filme se tornou, recentemente, ainda mais interessante. O diretor de cinema José Padilha, famoso pelo seu controverso Tropa de Elite, acabou de lançar um filme, feito com um patrocínio enorme da Globo e da BBC, chamado "O segredo da tribo". O filme estreiou no festival "É tudo verdade" e está fazendo um sucesso enorme. Mas apesar de ser explicitamente um plágio do filme da Nadya, nem sequer menciona o Napepe. Isso porque os dois filmes têm cenas idênticas!! O que torna esse quiprocó de pirataria ainda mais interessante é que o José Padilha é um dos protagonistas do caso mais polêmico de pirataria cinematográfica do Brasil, uma vez que o seu Tropa de Elite - uma das maiores bilheterias do cinema brasileiro - foi pirateado antes do lançamento oficial e apesar de ter milhões de cópias piratas do mesmo circulando, isso não impediu que ele fosse um dos filmes mais visto da história do cinema nacional.
O segredo da tribo-Trailer
Enfim, é um caso sociologicamente bem interessante nas suas multiplas dimensões e, por isso, achei que vocês poderiam se interessar.
Abaixo, segue um email que recebi da Nadja!
abraços,
Maria
Oi pessoal,
Desculpa estar usando esse espaço para isso, mas é por um motivo muito
importante pra mim. Voces sabem como eu me dediquei para fazer meu documentario "Napepe", e voces são prova
de que ele existe!! O Jose Padilha (onibus 174 e Tropa de Elite) lançou o documentário dele como inédito esse
mes,... mas leiam o texto que escrevi, o filme é basicamente uma cópia do meu só que feito com mais recursos. Ainda tem
um lado negro dessa história que conto pessoalmente com uma cervejinha. Não preciso dizer que não fiquei bem
com essa história...
Por favor, me ajudem a divulgar, ok?? Confio em voces, amigas pensantes, nessa guerra contra a grande mídia...
Enviem para jornalistas, historiadores, antropólogos, ... ou repassem a história boca a boca...
Obrigada! Beijos,
Nadja
Filme novo de José Padilha critica antropólogos mas é plagio de documentário
O novo documentário de José Padilha, “Segredos da tribo”, que abriu a
15˚ edição do Festival de Documentários “É Tudo verdade”, apesar de
todo bafáfá da mídia, não traz nenhum ineditismo, a não ser para
aqueles que ficaram ausentes todos esses anos da polêmica do sangue
Yanomami retirado na década de 80. O filme é plagio do documentário
“Napëpë”, de 2004, da antropóloga e jornalista Nadja Marin. Como
infelizmente no Brasil ninguém pode com as organizações Globo, ainda
mais quando se têm também o patrocínio da gigante inglesa BBC, o
documentário independente “Napëpë” não conseguiu atingir a mesma
divulgação de Padilha. Mesmo com uma qualidade infinitamente superior
e isento de sensasionalismos, e apesar de ter chegado a vencer o 8th
Gottingen International Ethographic Film Festival e de ter passado em
diversos festivais no Brasil, tendo sido também citado na revista
Época em 2004 em reportagem sobre o assunto, o documentário não
conseguiu fazer tanto barulho quanto parece estar fazendo “Segredos da
tribo”.
O plagio é muito fácil de ser comprovado, bastando apenas uma pesquisa
básica no google, ou visualizando o documentário de 2004 na íntegra no
site do “you tube”. José Padilha sabe muito bem da existência do
documentário anterior, apesar de não falar no assunto e não dar o
crédito, tanto que chegou a gravar o filme “Napëpë” em um evento na
Universidade de São Paulo na ocasião de uma palestra sobre o tema com
um dos antropólogos entrevistados na sua versão. Talvez o único mérito
do filme de Padilha, do qual ele pode se gabar, foi ter conseguido
entrevistar a principal personagem da polêmica, o antropólogo Napoleon
Chagnon. No entanto, o filme tem quatro cenas exatamente iguais às do
documentário “Napëpë”, sendo a mais chamativa, a bomba de Hiroshima
que explode quando um antropólogo entrevistado fala do tema dos
objetivos da expedição de Chagnon, que visava comparar o sangue dos
Yanomami - teoricamente a população mais pura do mundo - com o sangue
dos sobreviventes da bomba atômica lançada pelos americanos.
O plagio apesar de ser o elemento mais preocupante do filme, uma vez
que Padilha está ganhando orlas de dinheiros em festivais e clamando
para si o ineditismo da história, não é o único problema. O
documentário “Segredos da tribo” apela para questões morais do
comportamento dos antropólogos e se baseia em estórias
sensasionalistas as quais tenta provar através de uma sequência de
depoimentos enviesada, difícil de convencer uma platéia mais atenta e
informada. Por fim, a versão plagiada de Padilha deixa de lado a
opinião dos Yanomami brasileiros e se esquiva da questão realmente importante e
problemática, a repatriação do sangue Yanomami retirado pela expedição de Chagnon
e a atual comercialização desse sangue por instituições americanas sem o
consentimeto dos índios.
terça-feira, 27 de abril de 2010
Napëpë versus O segredo da tribo
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Publicado por
Pedro Mourão
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Vale lembrar o excelente estudo feito por Anna Klein sobre o tema, bem como pesquisa de Debora Diniz sobre situação ocorrida no Brasil: "Avaliação ética em pesquisa social: o caso do sangue Yanomami", sobre a expedição de James Neel e Napoleon Chagnon no final dos anos 60 entre os yanomamis, que resultou na coleta de 12.000 amostras de sangue armazenadas em universidades estadunidenses, dedicadas ao Projeto Genoma Humano. Discussão sobre
ResponderExcluira participação de populações vulneráveis na pesquisa científica, o consentimento livre, o pagamento pela participação na pesquisa, uso e divulgação de dados, que são considerados secretos para a própria população pesquisada. Débora Diniz é Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília,professora, pesquisadora e integrante da diretoria da International Association of Bioethics (IAB).
Vale ressaltar o excelente estudo feito por Anna Klein sobre o tema, bem como pesquisa de Debora Diniz sobre situação ocorrida no Brasil: "Avaliação ética em pesquisa social: o caso do sangue Yanomami", sobre a expedição de James Neel e Napoleon Chagnon no final dos anos 60 entre os yanomamis, que resultou na coleta de 12.000 amostras de sangue armazenadas em universidades estadunidenses, dedicadas ao Projeto Genoma Humano. Discussão sobre
ResponderExcluira participação de populações vulneráveis na pesquisa científica, o consentimento livre, o pagamento pela participação na pesquisa, uso e divulgação de dados, que são considerados secretos para a própria população pesquisada. Débora Diniz é Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília, professora, pesquisadora e integrante da diretoria da International Association of Bioethics (IAB).