Religião, política e sexualidade na visão de um antropólogo cosmopolita
Entrevista com Peter Fry ao programa GLOBO UNIVERSITÁRIO 14/09/2009
O encontro de diferenças é o fundamento da Antropologia, resume o inglês Peter Fry. Formado em Cambridge, na Inglaterra, hoje professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele se diz um opositor de práticas e discursos que “confinem as pessoas”. A curiosidade que o levou a sair de Londres para viver no Zimbábue e depois no Brasil – onde chegou em 1970 para trabalhar no recém-criado Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – orienta também sua atuação intelectual: “o maior privilégio que tenho é o de ter falado algumas línguas, ter vivido em alguns lugares, e ser uma pessoa mais ou menos cosmopolita”, afirma.
Nos últimos anos, Fry se tornou conhecido fora do mundo acadêmico como um dos mais frequentes críticos das políticas de cotas raciais adotadas nas universidades brasileiras. Autor ainda de trabalhos importantes sobre umbanda e homossexualismo, ele diz que a experiência no Zimbábue, onde a segregação racial foi política de Estado, determinou seu lado nesse debate. Mas a violência da discussão, acrescenta, é cansativa. Por isso, está mudando de área – seu projeto atual é estudar a repercussão das pesquisas genéticas sobre sexualidade na subjetividade das pessoas.
Globo Universidade – Nos últimos anos, você se tornou conhecido fora da academia por suas críticas às cotas raciais, mas a preocupação política parece estar presente em todo seu trabalho antropológico, desde as pesquisas sobre médiuns no Zimbábue até as sobre umbanda e homossexualidade no Brasil. Antes de estudar Antropologia, a política já te interessava?
Peter Fry – Como nasci em 1941, passei minha adolescência na Inglaterra do pós-guerra. Era uma vida muito pacifista, muito protegida pelo Estado do bem-estar. Não me lembro de ter nenhuma grande preocupação política. A maior questão, na minha adolescência, foi a religião. Estudei numa escola anglicana e, aos 14 ou 15 anos, repudiei a religião, ajudado por um professor agnóstico. Ele me deu dois livros que foram fundamentais. Um era The Living Brain (de William Grey Walter), sobre cibernética, e outro chamado A Deusa Branca (de Robert Graves), sobre a mitologia europeia antiga. Lembro que, ao ler o livro, eu ficava pensando que a Virgem Maria era uma continuação desses mitos. Acho que o que me fez ir para a Antropologia foi essa visão antirreligiosa que desenvolvi na adolescência. Mas, antes, eu ainda estudei Matemática. É muito difícil entrar em Cambridge e, como eu não vinha de uma família de intelectuais, achei que teria mais chance fora da área de Humanas. Fiz um ano, mas não fiz de coração. Os matemáticos tinham um ethos que eu não compartilhava. Todos jogavam xadrez... Aí, resolvi mudar, tentei achar uma maneira de ser meio científico, meio literário. E aí sim eu já estava muito interessado na discussão sobre descolonização.
GU – Como era o departamento de Antropologia de Cambridge na época?
PF – As aulas eram muito formais e, normalmente, os professores davam aula sobre o livro que estavam escrevendo. Cambridge é organizada em colleges. Para entrar na universidade, você tem que entrar em um deles. Quem era responsável pelo ensino mesmo eram os professores do departamento no seu college. No meu caso, o Jack Goody. Ele tinha sido prisioneiro dos alemães na Segunda Guerra, e depois foi fazer a pesquisa dele na África Ocidental. Era muito pragmático, o que os brasileiros chamariam de empirista. A questão teórica era mais implícita do que explícita. O lado africanista tinha também o Meyer Fortes. E o estruturalismo estava chegando pelas mãos do Edmund Leach, que estudava o Oriente e era o grande enfant terrible da Antropologia britânica. Havia uma certa tensão, digamos, no departamento. Mas era tudo muito civilizado.
GU – Você se graduou em Cambridge e foi fazer a tese na Rodésia do Sul, atual Zimbábue. Por que você foi para lá?
PF – Foi uma decisão ditada pela disponibilidade de bolsas. Era 1964. Zâmbia estava para se tornar independente. Malawi seguiu. Eu achava que a Rodésia também ia seguir. Achava que ia lá ver esse processo de independência. Naquela época, a Universidade de Londres estabelecia sucursais nas colônias da Grã-Bretanha. Era uma universidade de primeira linha porque, em Antropologia, os melhores profissionais não ficavam na Inglaterra. Eles estavam lá. O departamento era chefiado pelo Clyde Mitchell, cúmplice do Max Gluckman, pioneiro nos estudos urbanos na África e no uso de métodos quantitativos. Trabalhava com ele um holandês extraordinário, chamado Jaap Van Velsen, que acusava os antropólogos de Cambridge de estudarem as sociedades como se não estivessem em mudança, sem nenhuma relação com o colonialismo, a industrialização. Tinha uma coisa de esquerda, meio materialista de fato, e uma preocupação enorme com as mudanças sociais. Aí sim eu tive uma espécie de reviravolta teórica. Eles diziam: “Todo mundo que estuda essas sociedades escreve sobre religião, os espíritos dos antepassados. Você não vai fazer isso”. Então, nem fui aos rituais, até que o meu assistente, Kenneth, começou a ter problemas sérios de alergia e os curandeiros disseram que ele estava se tornando médium, que ele ia receber um antepassado da família dele. Havia vários da geração dele na mesma situação. E ficou claro para mim que aquilo tinha alguma coisa a ver com política. Era um movimento nativista, de volta aos antepassados. Convenci os meus professores de que religião não era coisa do passado, muito pelo contrário, e minha tese foi sobre isso (publicada em livro com o título Spirits of Protest: Spirit Mediums and the articulation of consensus among the Zezuru of Southern Rhodesia, 1976).
GU – Depois da tese, por que você veio ao Brasil?
PF – A essa altura, o Ian Smith havia declarado a independência do Zimbábue e cortado relações com a Inglaterra. Por um colega de Oxford, Peter Riviere, soube que estavam buscando antropólogos para uma nova universidade num lugar chamado Campinas, no Brasil. Eu não sabia nada sobre o Brasil, nem que havia uma ditadura aqui – tenho vergonha, mas confesso. Coloquei terno, fui falar com o cônsul Ovidio Mello e consegui o cargo. Já estavam no departamento o Antonio Augusto Arantes Neto e a Verena Stolcke, com quem me dei muito bem. Eu tinha 29 anos, e resolvi vir mesmo.
GU – Como era a Unicamp na época?
PF – Era uma anomalia. A universidade era totalmente de esquerda, não tinha ninguém que não fosse marxista-leninista. Os sociólogos só liam Althusser. E nós antropólogos éramos acusados de fazer ciência burguesa empirista. E a única maneira que nós tínhamos de retaliar era através do Gramsci e do historiador inglês marxista E.P. Thompson, que tinha já um fascínio pelo estudo da cultura.
GU – Você logo começou a estudar candomblé?
PF – Como tinha estudado religião e política na África, achei que era o campo a que eu podia me dedicar aqui. Tinha na cabeça a ideia de que ia encontrar na umbanda uma espécie de contestação ao status, como na África. Uma das coisas que me chamou atenção aqui é que a desigualdade de cor era dramática, mas sem segregação formal. Um país sem nenhuma lei racista, mas estupidamente desigual. Tínhamos pouquíssimos alunos sequer morenos claros. Achei que na umbanda ia ver sentimentos de protesto relacionados a isso. Não vi. Muito pelo contrário. Vi relações hierárquicas, clientelistas. Eu já tinha lido o Roberto DaMatta, o Roberto Schwarz, então achei que estava vendo ali uma ritualização performática da estrutura política do país. Depois veio um amigo meu da Inglaterra estudar as religiões protestantes aqui. Durante a pesquisa, concluímos que enquanto a umbanda celebrava as relações hierárquicas, as igrejas pentecostais celebravam o indivíduo autônomo. O confronto que muitas pessoas atribuem ao racismo é, para mim, mais um conflito ideológico.
GU – E como surgiu o interesse pela sexualidade na umbanda?
PF – Na umbanda, havia muita homossexualidade, masculina, sobretudo. Resumindo muito, tentei construir um modelo em que a atividade e a passividade eram mais importantes do que o sexo do parceiro. Isso foi importante mais tarde nas políticas de combate à Aids, porque vários homens que faziam sexo com outros homens não se consideravam homossexuais. Com Edward McRae escrevi um livro sobre isso (O que é homossexualidade, Brasiliense, 1983). Depois desisti, porque começou a surgir entre os antropólogos um movimento de que só gays poderiam escrever sobre gays, ou só negros sobre negros, etc. Para mim, isso é a negação da Antropologia. A Antropologia está construída exatamente sobre o encontro de diferenças.
GU – Foi aí que você deixou a universidade?
PF – Passei quatro anos na Fundação Ford, aqui no Rio e depois no Zimbábue. Esses foram os anos mais importantes de fato. Conheci todo mundo da África moderna, a questão do desenvolvimento, as organizações não governamentais. Foi uma escola fantástica. Mas o Zimbábue já estava degringolando. Era óbvio que o Mugabe não ia abrir mão de nada, óbvio que era um autocrata, óbvio que era um homófobo dos mais terríveis. Não aguentava o racismo permanente. Aquele país foi construído em cima de teorias racistas. Com a independência, mudou a lei, mas o pensamento, a visão de mundo das pessoas é totalmente racial. Voltei para o Brasil com muito prazer. E é por isso que depois fiquei tão decepcionado com o rumo que se seguiu aqui.
GU – Como você vê o debate sobre raças hoje no Brasil?
PF – Nos Estados Unidos foi a consciência negra que levou à ação afirmativa. Meu temor é que a ação afirmativa leve à consciência negra no Brasil. As cotas são um processo de consolidação de divisões raciais. Vi na África como é difícil desfazer uma tradição criada pelo Estado. Mas acho que algumas pessoas, na verdade, consideram a consciência racial uma coisa positiva. São antropólogos que gostam de ressaltar a diferença. Eu sempre fui fascinado pela diferença, mas não como um valor em si. O maior privilégio que tenho é o de ter falado algumas línguas, ter vivido em alguns lugares, e ser uma pessoa mais ou menos cosmopolita. É o que eu quero para todo mundo. Por isso nunca posso pregar nada que confine as pessoas. A questão racial me fez entrar na seara da Medicina Molecular e da Genética, e agora quero me dedicar mais a isso. Comecei a ler coisas de Medicina Molecular e Genética sobre sexualidade. Fiquei fascinado de novo. Quero ver a repercussão disso sobre a consciência dos indivíduos. Então, virei gay de novo. E acho que isso vai me fazer bem.
Nos últimos anos, Fry se tornou conhecido fora do mundo acadêmico como um dos mais frequentes críticos das políticas de cotas raciais adotadas nas universidades brasileiras. Autor ainda de trabalhos importantes sobre umbanda e homossexualismo, ele diz que a experiência no Zimbábue, onde a segregação racial foi política de Estado, determinou seu lado nesse debate. Mas a violência da discussão, acrescenta, é cansativa. Por isso, está mudando de área – seu projeto atual é estudar a repercussão das pesquisas genéticas sobre sexualidade na subjetividade das pessoas.
Globo Universidade – Nos últimos anos, você se tornou conhecido fora da academia por suas críticas às cotas raciais, mas a preocupação política parece estar presente em todo seu trabalho antropológico, desde as pesquisas sobre médiuns no Zimbábue até as sobre umbanda e homossexualidade no Brasil. Antes de estudar Antropologia, a política já te interessava?
Peter Fry – Como nasci em 1941, passei minha adolescência na Inglaterra do pós-guerra. Era uma vida muito pacifista, muito protegida pelo Estado do bem-estar. Não me lembro de ter nenhuma grande preocupação política. A maior questão, na minha adolescência, foi a religião. Estudei numa escola anglicana e, aos 14 ou 15 anos, repudiei a religião, ajudado por um professor agnóstico. Ele me deu dois livros que foram fundamentais. Um era The Living Brain (de William Grey Walter), sobre cibernética, e outro chamado A Deusa Branca (de Robert Graves), sobre a mitologia europeia antiga. Lembro que, ao ler o livro, eu ficava pensando que a Virgem Maria era uma continuação desses mitos. Acho que o que me fez ir para a Antropologia foi essa visão antirreligiosa que desenvolvi na adolescência. Mas, antes, eu ainda estudei Matemática. É muito difícil entrar em Cambridge e, como eu não vinha de uma família de intelectuais, achei que teria mais chance fora da área de Humanas. Fiz um ano, mas não fiz de coração. Os matemáticos tinham um ethos que eu não compartilhava. Todos jogavam xadrez... Aí, resolvi mudar, tentei achar uma maneira de ser meio científico, meio literário. E aí sim eu já estava muito interessado na discussão sobre descolonização.
GU – Como era o departamento de Antropologia de Cambridge na época?
PF – As aulas eram muito formais e, normalmente, os professores davam aula sobre o livro que estavam escrevendo. Cambridge é organizada em colleges. Para entrar na universidade, você tem que entrar em um deles. Quem era responsável pelo ensino mesmo eram os professores do departamento no seu college. No meu caso, o Jack Goody. Ele tinha sido prisioneiro dos alemães na Segunda Guerra, e depois foi fazer a pesquisa dele na África Ocidental. Era muito pragmático, o que os brasileiros chamariam de empirista. A questão teórica era mais implícita do que explícita. O lado africanista tinha também o Meyer Fortes. E o estruturalismo estava chegando pelas mãos do Edmund Leach, que estudava o Oriente e era o grande enfant terrible da Antropologia britânica. Havia uma certa tensão, digamos, no departamento. Mas era tudo muito civilizado.
GU – Você se graduou em Cambridge e foi fazer a tese na Rodésia do Sul, atual Zimbábue. Por que você foi para lá?
PF – Foi uma decisão ditada pela disponibilidade de bolsas. Era 1964. Zâmbia estava para se tornar independente. Malawi seguiu. Eu achava que a Rodésia também ia seguir. Achava que ia lá ver esse processo de independência. Naquela época, a Universidade de Londres estabelecia sucursais nas colônias da Grã-Bretanha. Era uma universidade de primeira linha porque, em Antropologia, os melhores profissionais não ficavam na Inglaterra. Eles estavam lá. O departamento era chefiado pelo Clyde Mitchell, cúmplice do Max Gluckman, pioneiro nos estudos urbanos na África e no uso de métodos quantitativos. Trabalhava com ele um holandês extraordinário, chamado Jaap Van Velsen, que acusava os antropólogos de Cambridge de estudarem as sociedades como se não estivessem em mudança, sem nenhuma relação com o colonialismo, a industrialização. Tinha uma coisa de esquerda, meio materialista de fato, e uma preocupação enorme com as mudanças sociais. Aí sim eu tive uma espécie de reviravolta teórica. Eles diziam: “Todo mundo que estuda essas sociedades escreve sobre religião, os espíritos dos antepassados. Você não vai fazer isso”. Então, nem fui aos rituais, até que o meu assistente, Kenneth, começou a ter problemas sérios de alergia e os curandeiros disseram que ele estava se tornando médium, que ele ia receber um antepassado da família dele. Havia vários da geração dele na mesma situação. E ficou claro para mim que aquilo tinha alguma coisa a ver com política. Era um movimento nativista, de volta aos antepassados. Convenci os meus professores de que religião não era coisa do passado, muito pelo contrário, e minha tese foi sobre isso (publicada em livro com o título Spirits of Protest: Spirit Mediums and the articulation of consensus among the Zezuru of Southern Rhodesia, 1976).
GU – Depois da tese, por que você veio ao Brasil?
PF – A essa altura, o Ian Smith havia declarado a independência do Zimbábue e cortado relações com a Inglaterra. Por um colega de Oxford, Peter Riviere, soube que estavam buscando antropólogos para uma nova universidade num lugar chamado Campinas, no Brasil. Eu não sabia nada sobre o Brasil, nem que havia uma ditadura aqui – tenho vergonha, mas confesso. Coloquei terno, fui falar com o cônsul Ovidio Mello e consegui o cargo. Já estavam no departamento o Antonio Augusto Arantes Neto e a Verena Stolcke, com quem me dei muito bem. Eu tinha 29 anos, e resolvi vir mesmo.
GU – Como era a Unicamp na época?
PF – Era uma anomalia. A universidade era totalmente de esquerda, não tinha ninguém que não fosse marxista-leninista. Os sociólogos só liam Althusser. E nós antropólogos éramos acusados de fazer ciência burguesa empirista. E a única maneira que nós tínhamos de retaliar era através do Gramsci e do historiador inglês marxista E.P. Thompson, que tinha já um fascínio pelo estudo da cultura.
GU – Você logo começou a estudar candomblé?
PF – Como tinha estudado religião e política na África, achei que era o campo a que eu podia me dedicar aqui. Tinha na cabeça a ideia de que ia encontrar na umbanda uma espécie de contestação ao status, como na África. Uma das coisas que me chamou atenção aqui é que a desigualdade de cor era dramática, mas sem segregação formal. Um país sem nenhuma lei racista, mas estupidamente desigual. Tínhamos pouquíssimos alunos sequer morenos claros. Achei que na umbanda ia ver sentimentos de protesto relacionados a isso. Não vi. Muito pelo contrário. Vi relações hierárquicas, clientelistas. Eu já tinha lido o Roberto DaMatta, o Roberto Schwarz, então achei que estava vendo ali uma ritualização performática da estrutura política do país. Depois veio um amigo meu da Inglaterra estudar as religiões protestantes aqui. Durante a pesquisa, concluímos que enquanto a umbanda celebrava as relações hierárquicas, as igrejas pentecostais celebravam o indivíduo autônomo. O confronto que muitas pessoas atribuem ao racismo é, para mim, mais um conflito ideológico.
GU – E como surgiu o interesse pela sexualidade na umbanda?
PF – Na umbanda, havia muita homossexualidade, masculina, sobretudo. Resumindo muito, tentei construir um modelo em que a atividade e a passividade eram mais importantes do que o sexo do parceiro. Isso foi importante mais tarde nas políticas de combate à Aids, porque vários homens que faziam sexo com outros homens não se consideravam homossexuais. Com Edward McRae escrevi um livro sobre isso (O que é homossexualidade, Brasiliense, 1983). Depois desisti, porque começou a surgir entre os antropólogos um movimento de que só gays poderiam escrever sobre gays, ou só negros sobre negros, etc. Para mim, isso é a negação da Antropologia. A Antropologia está construída exatamente sobre o encontro de diferenças.
GU – Foi aí que você deixou a universidade?
PF – Passei quatro anos na Fundação Ford, aqui no Rio e depois no Zimbábue. Esses foram os anos mais importantes de fato. Conheci todo mundo da África moderna, a questão do desenvolvimento, as organizações não governamentais. Foi uma escola fantástica. Mas o Zimbábue já estava degringolando. Era óbvio que o Mugabe não ia abrir mão de nada, óbvio que era um autocrata, óbvio que era um homófobo dos mais terríveis. Não aguentava o racismo permanente. Aquele país foi construído em cima de teorias racistas. Com a independência, mudou a lei, mas o pensamento, a visão de mundo das pessoas é totalmente racial. Voltei para o Brasil com muito prazer. E é por isso que depois fiquei tão decepcionado com o rumo que se seguiu aqui.
GU – Como você vê o debate sobre raças hoje no Brasil?
PF – Nos Estados Unidos foi a consciência negra que levou à ação afirmativa. Meu temor é que a ação afirmativa leve à consciência negra no Brasil. As cotas são um processo de consolidação de divisões raciais. Vi na África como é difícil desfazer uma tradição criada pelo Estado. Mas acho que algumas pessoas, na verdade, consideram a consciência racial uma coisa positiva. São antropólogos que gostam de ressaltar a diferença. Eu sempre fui fascinado pela diferença, mas não como um valor em si. O maior privilégio que tenho é o de ter falado algumas línguas, ter vivido em alguns lugares, e ser uma pessoa mais ou menos cosmopolita. É o que eu quero para todo mundo. Por isso nunca posso pregar nada que confine as pessoas. A questão racial me fez entrar na seara da Medicina Molecular e da Genética, e agora quero me dedicar mais a isso. Comecei a ler coisas de Medicina Molecular e Genética sobre sexualidade. Fiquei fascinado de novo. Quero ver a repercussão disso sobre a consciência dos indivíduos. Então, virei gay de novo. E acho que isso vai me fazer bem.
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