sexta-feira, 16 de abril de 2010

O imaginário social da fundação de Fortaleza

O imaginário social da fundação de Fortaleza


referência bibliográfica:

MACIEL, W. R. N. O imaginário social da fundação de Fortaleza, Disponível em http://cienciasocialceara.blogspot.com/2010/04/o-imaginario-social-da-fundacao-de.html. Acessado em 16 de abr. 2010.


Autor: Wellington Ricardo Nogueira Maciel (Doutorando em sociologia pela UFC)

Tomar os debates em torno do que se pode chamar de imaginário da fundação de Fortaleza pode nos possibilitar adentrar num universo mental carregado de promessas e expectativas coletivas a respeito do lugar atribuído aos bairros de Fortaleza. Considerar esse imaginário específico a respeito de Fortaleza pressupõe lembrar ainda a maneira como em determinados contextos históricos as narrativas foram, além de tecer sentidos distintos aos espaços, mobilizam também fatos e acontecimentos da história da cidade.
Fortaleza parece se constituir num bom exemplo quando se trata de investigar os modos como promessas urbanas feitas em torno de certos bairros foram se configurando em formas recorrentes de expressão de anseios e de dúvidas quanto a sua condição urbana sendo contudo ressignificados em momentos distintos de sua história. Proponho-me neste segmento analisar aspectos diferentes desse imaginário que perpassa os bairros de Fortaleza.
Os debates recentes sobre a origem de Fortaleza para além de se esgotarem nas possíveis provas contrárias ou favoráveis acerca da verdade de sua fundação parecem compor um aspecto de um quadro coletivo e mental duradouro de expressão daquilo que se espera que a cidade possa vir a ser. Os discursos parecem buscar dessa forma situar a cidade no tempo e no espaço conferindo-lhe qualidades pretensamente atemporais que a cada momento parecem colocadas à prova.
Os discursos serão tomados aqui como veículos de significados coletivos e instâncias produtoras de verdades sobre os espaços da cidade. Nessa perspectiva, serão consideradas as relações entre saber e poder e as maneiras como os bairros da cidade são investidos de sentidos identitários. Nessa ótica os discursos veiculam uma verdade sobre uma ordem almejada da cidade atribuindo a cada bairro lugares singulares segundo uma hierarquia valorativa.
Com base nisso toma-se aqui o imaginário social como um viés analítico no campo das ciências sociais capaz de problematizar a oposição comumente feita entre “representação” e “realidade” nos debates sobre o urbano. Tomar as imagens e representações como constituintes do “real” não significa considerá-las mais ou menos “reais” em relação aquilo a que elas parecem se referir. Significa ao contrário um outro modo de indagar sobre a “realidade” das coisas e de tornar mais complexo o modo como ela é expressa.
Tomar a cidade como campo de produção de imaginários sociais significa também considerar as especificidades com que a cidade é evocada nos discursos, como a seleção/classificação dos seus bairros. Decorre daí que a cidade não é apreendida pelos discursos que a tomam como problema de forma universal, mas sobressaem neles alusões a determinados espaços capazes de sintetizar expectativas e valores coletivos. Abre-se com isso a possibilidade de apreender a cidade como um campo de disputas simbólicas como a que será tentada aqui quando for abordado o imaginário da fundação de Fortaleza e as visões de cidade que a partir daí são vislumbradas tendo como referente empírico sua orla marítima.
Para operacionalizar as breves questões teórico-metodológicas expostas acima tomarei como material empírico os discursos produzidos durante os debates recentes acerca da proposta de mudança da data de fundação de Fortaleza presentes em jornais e revistas e nas sessões especiais reservadas ao assunto na Câmara Municipal de Fortaleza.
Nesses debates vários fatos e aspectos considerados centrais da história de Fortaleza foram mobilizados resultando em conjuntos de imagens densas de representações em conflito a respeito das identidades urbanas conferidas aos bairros de Fortaleza, em particular, do bairro Barra do Ceará, no litoral oeste, e o Centro histórico, bairro onde os holandeses levantaram um forte para a proteção do litoral da cidade contra invasões estrangeiras.
Até meados da década de 1940 era tido como dado o fato conhecidamente romanceado por José de Alencar no seu livro Iracema a respeito de ter sido Martim Soares Moreno o fundador de Fortaleza e consequentemente do Ceará. O primeiro cronista a contestar tal ato fundador foi Raimundo Girão, que na mesma década publica o livro Cidade de Fortaleza onde inicia a defesa da tese segundo a qual teria sido o holandês Matias Beck o verdadeiro fundador da cidade às margens do riacho Pajeú. Outros livros posteriores do mesmo cronista tratariam do mesmo assunto: Matias Beck – Fundador de Fortaleza, de 1961 e Cidade do Pajeú, de 1983.
Mas é na década de 1960 que os ânimos a respeito da “polêmica” ganham dimensões mais amplas envolvendo os nomes dos cronistas Raimundo Girão e Ismael Pordeus. Atrelado aos “morenistas” e “beckistas” (forma como passaram a ser designadas as correntes que tinham como principais representantes os defensores do primado de Soares Moreno e de Matias Beck sobre a fundação de Fortaleza respectivamente) um conjunto de datas, acontecimentos e edificações foram se juntando para compor um quadro mental de expressão de expectativas sobre a condição urbana da cidade que as imagens acionadas de ambos os lados buscavam veicular.
Dessa forma era conferido à Soares Moreno a reconstrução em 1611 da fortificação que o açoriano Pero Coelho teria erguido em 1603, passando de fortim de Santiago à chamar-se fortaleza de São Sebastião e a ter feito posteriormente a delimitação do litoral de Fortaleza indo do bairro Barra do Ceará até o bairro Mucuripe, ambos na orla marítima da cidade; do lado de Matias Beck era atribuída a construção do Forte Shoonenborch em 1649, nome dado em homenagem ao então governador de Pernambuco.
Além dessas oposições principais acerca do bairro que teria dado origem a cidade, as correntes eram situadas também em relação à orientação religiosa e à simpatia da imprensa local por um ou outro dos “fundadores”: em torno do nome de Soares Moreno foram reunidos nesse sentido os católicos e o jornal O Nordeste; do lado de Matias Beck estavam reunidos os “protestantes” e o jornal Unitário. Os jornais nos primeiros anos da década de 1960 passaram então a marcar terreno sobre o assunto.

  
Ismael Pordeus em um dos artigos da série “Origens de Fortaleza” publicados em O Nordeste, no ano de 1962, afirmava convictamente sobre o pioneirismo de Soares Moreno e os fundamentos da cidade:


“Escolhido o local apropriado da fundação da nova colônia, Martim Soares Moreno deu começo a fundação de uma Igreja sob a invocação de N. S. do Amparo, e ao mesmo tempo a de um forte, obras estas que avultaram em poucos dias de trabalho, pelo auxílio que lhe prestou o chefe Jacaúna o qual apenas soube de sua chegada, e do objeto da sua empresa, veio com sua tribo e estabeleceu a sua aldeia no sítio onde se achava Martim Soares. Assim ficaram lançados os fundamentos da hoje cidade de Fortaleza capital do Ceará.”


Em 1961 uma descoberta iria ser acionada como mais uma prova material a endoçar o argumento “morenista”. Com o achado de balas de canhão na Barra do Ceará, no morro de Santiago, urgia que fosse composta uma equipe técnica para averiguar a veracidade do material e em seguida comprovar a verdade “morenista”. Nesse momento, por parte dos “beckistas”, Raimundo Girão é nomeado Secretário de Urbanismo durante a gestão do prefeito Cordeiro Neto (1959-1963) e passa a propor a mudança do nome de algumas ruas de Fortaleza em homenagem aos personagens e datas em referência à “fundação” da cidade. Não obteve sucesso.
Num artigo do jornal Unitário de 1962, que marca a entrada do folclorista Câmara Cascudo na “polêmica”, é possível visualizar a dimensão dos debates alcançados em torno do lugar simbólico conferido aos bairros de Fortaleza. Nele o autor liga a existência de um forte ao surgimento inicial de Fortaleza.


“Para mim o forte Schoonenborch é a velocidade inicial de Fortaleza. O fortim de Pero Coelho de Souza em 1603, a aldeia de São Lourenço do Padre Figueira em 1608, o forte de São Sebastião de Martim Soares Moreno em 1612, encerram o ciclo histórico, topográfico e especificamente distintos da fundação de Matias Beck na duna Marajaitiba, com o Schoonenborch em 1649. Entre os dois núcleos não existe a continuidade funcional indispensável a unidade histórica.(In: FURTADO FILHO, 2002, p.54-55)”


A discussão a respeito da data de fundação de Fortaleza teria vários outros desdobramentos até iniciar a década de 1990, quando é proposta a instituição oficial de uma data no calendário municipal reservada ao aniversário da cidade. Coube ao vereador Idalmir Feitosa (PSDB) a criação do projeto de lei 7573 de 16 de junho de 1994 instituindo a data de 13 de abril de 1726 como data oficial.
Contudo, após descobertas arqueológicas por parte do historiador Adauto Leitão em novembro de 2007 de novos vestígios da fortificação de Santiago que existiu na Barra do Ceará, erguida no século XVII, no morro de Santiago, um novo embate de idéias iria tomar conta num breve intervalo de tempo do noticiário dos jornais locais além de movimentar boa parte de especialistas e estudiosos da cidade de Fortaleza.
O novo projeto também de autoria do vereador Idalmir Feitosa assinado juntamente com o presidente da Câmara vereador Tin Gomes propunha a “mudança da data de fixação de que trata a fundação de Fortaleza”. Duas audiências públicas e uma sessão plenária na Câmara foram agendadas com o intuito de discutir as propostas para a cidade.
Após votação de 32 vereadores contra uma abstenção em votação na primeira audiência a favor da mudança de data foi sugerida à mesa diretora da Câmara uma segunda audiência a ser realizada no dia 10 de novembro de 2008, um dia antes da votação definitiva em sessão plenária, agora com a presença de várias entidades e pesquisadores.
Contando com a presença do Instituto Histórico do Ceará, representado pelo Prof. Liberal de Castro, arquiteto renomado da cidade, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, professores do departamento de História da Universidade Federal do Ceará-UFC, da coordenadora de patrimônio histórico da Secretária de Cultura da Prefeitura de Fortaleza, além de vereadores e de outros estudiosos a audiência se constituiu num espaço de disputas em torno da cidade que se queria forjar.


A “cidade do futuro”, o futuro da cidade: Fortaleza em disputa


Como lembra Robert Darnton (O grande massacre de gatos), as estruturas mentais coletivas são acionadas a cada momento histórico para dar sentido ao mundo. É nas ocasiões em que esse mundo é colocado à prova que as sensibilidades coletivas buscam restituir os sentidos possíveis da ordem das coisas no mundo. Contudo, mais importante que atentar para os objetos da narração, lembra o autor, o que mais importa é adentrar no modo como a narrativa é construída.
Nessa perspectiva, os narradores que tomam a “fundação” de Fortaleza como problema acionam espaços, datas e acontecimentos além de propriedades lingüísticas disponíveis para compor uma quadro mental e uma verdade acerca da realidade desejada para a cidade.
As observações de Bárbara Freitag (Cidade dos homens) sobre as origens das cidades parecem se complementar nesse sentido às premissas de Darnton. Segundo a autora, baseando-se em Lewis Munford, dentre as várias narrativas em torno da origem das cidades está aquela que afirma terem sido as mulheres as verdadeiras fundadoras e que a cidade dos mortos (acrópole) teria antecedido a cidade dos vivos (polis). À origem das cidades é atribuída uma certa ordem do mundo e das coisas que em alguns casos pode assumir a forma de denúncia, de exaltação ou até de simples diagnóstico da realidade. No caso de Fortaleza as narrativas buscam instituir, dentre outras coisas, uma verdade sobre a natureza de sua condição urbana, ambas variáveis historicamente.
É recorrente nos discursos de técnicos, historiadores, políticos e representantes do estado nos debates recentes sobre a fundação de Fortaleza a busca pela construção de verdades acerca da condição urbana de Fortaleza. Os “regimes de verdades” acionados nessa ocasião mobilizam diversos recursos disponíveis a fim de organizar o espaço urbano de Fortaleza e a atribuir a cada bairro uma certa ordem na cidade.
Na abertura da audiência pública de 10 de novembro na Câmara Municipal de Fortaleza foi dada ao arquiteto Liberal de Castro a incumbência de proferir uma palestra sobre as origens de Fortaleza em contraponto à tese do historiador Adauto Leitão acerca de ter sido a origem da cidade na Barra do Ceará. Acionando termos técnicos da arquitetura e condições geográficas gerais para a origem das cidades ele assinala a anterioridade dos “fatores materiais de desenvolvimento” de uma cidade.


“Na verdade, o sítio, o local onde a cidade se implanta tem uma conseqüência direta na sua forma urbana. O sítio é quem molda, o que diz o que é a cidade. No caso fortalezense havia várias hipóteses de se localizar a cidade, desde o Paracuru, o Pecém, depois eles ocuparam a Barra do Ceará, o Mucuripe. Todos esses lugares foram vistos em função da situação (...) Quer dizer a cidade materialmente existente é fruto do sítio urbano onde ela se localiza por intervenções várias (...) As pessoas criam mitos como se fossem verdades. Esses portugueses vinham, procuravam o local, depois mudavam em função das propriedades que realmente queriam desenvolver para estabelecer uma formação urbana”.


O surgimento de Fortaleza parece ter resultado de um acaso das circunstâncias, o que resultaria na suspeita acerca até das intenções dos colonizadores em querer fundar uma cidade.


“Em Fortaleza foram feitas várias tentativas. Ninguém sabe ao certo quantas. Mas não eram tentativas de fazer uma cidade. Eram tentativas de fazer domínio territorial, uma espécie de apoio para se saber depois o que se fazia. O fato deles dizerem que era uma cidade não quer dizer nada (...) Esses colonizadores exageravam em tudo. Produziam desenhos falsos, todas as coisas possíveis que a gente possa imaginar. As pessoas ignoram isso. Quando se fala em cidade não tem nada a ver com cidade (...) As cidades não são fundadas como se pensa, nem por heróis ou outra coisa. Elas vão se montando, montando, montando de acordo com princípios estruturais e aí sim, são os princípios estruturais portugueses de implantação urbana que prevaleceram em Fortaleza”.


Diferentemente da década de 1960 quando as “polêmicas” a respeito da fundação de Fortaleza estavam restritas a pretensa autoria do ato original, o que dá especificidade a atual “polêmica” diz respeito ao lugar reservado nos debates ao “marco zero” da cidade. Nesse sentido são demarcadas posições entre aqueles que apontam ter sido o bairro do Centro histórico o marco inicial de expansão de Fortaleza em torno do forte de Nossa Senhora da Assunção em contraposição aos que defendem a anterioridade do bairro Barra do Ceará, à oeste, na periferia da cidade, a partir da construção do forte de Santiago, em 1604, por Pero Coelho.
Para o defensor da tese do “revisionismo histórico”, como se auto-intitula o historiador Adauto Leitão, o “empreendimento” pioneiro de desbravamento de Pero Coelho na Barra do Ceará deve ser considerado o “marco zero” da cidade:


“O Dna de Fortaleza está na Barra do Ceará. E por muitas evidências se pode afirmar de maneira segura que à margem do Rio Ceará é a nossa gênese étnica e histórica. Na Barra temos vestígios arqueológicos das primeiras edificações, além de símbolos: o santuário da padroeira Nossa Senhora da Assunção e a própria origem do termo fortitudine. É uma condição exigente no século XXI tratar desse tema com uma postura equilibrada e madura em razão do bem maior da cidade: o resgate da sua memória. Não obstante, a falsa disputa do mérito territorial original entre os bairros da Barra versus Centro só cria desinformação nociva à sociedade, pois atende só a ‘preconceitos grupais’. Hoje, tanto o marco zero de Fortaleza da Barra do Ceará, ao Centro Histórico, à Aldeota clássica, estendendo-se a pós-moderna fazem parte do contexto de uma grande metrópole, já desenhada no século XVII por Pero Coelho e Martim Soares Moreno e que na sua realidade atual precisa ser vista com amplitude. A empresa pioneira do açoriano Pero Coelho de Souza plantou a semente do desenho territorial acima descrito” (O VERTEBRAL, 2008).


Por outro lado, o arquiteto Liberal de Castro atribui um outro lugar à Barra do Ceará no contexto dos embates acerca do “marco zero” de fundação da Cidade.
“Essa parte da Barra do Ceará teve vida efêmera. Ela dura apenas o tempo que aí esteve funcionando o forte de Santiago. Desaparece o forte do Pero Coelho e ninguém tem mais informação sobre ele. O Martin Soares Moreno ficou muito pouco tempo também. Depois os holandeses tomaram conta. Em 1637, quando eles abandonam o forte de São Sebastião, fica completamente abandonado. Os portugueses vão passar dezessete anos sem pisar no Ceará (...) Em 1649 já estava inviabilizada a Barra do Ceará como localização da cidade de Fortaleza. Há uma descontinuidade histórica e física imediata nisso (...) A Barra do Ceará desaparece em relação à cidade de Fortaleza (...) Essa é uma oportunidade já que está sendo gravado pela TV Câmara para a cidade de Fortaleza saber mais de si própria. A minha postura é uma postura mais intelectual do que de amor à cidade. Porque a cidade de Fortaleza pelas loucuras que faz não desperta amor em ninguém. Desperta é muita preocupação sobre seu destino.”


Já para o arqueólogo da Universidade Federal de Pernambuco Marcos Albuquerque, maior autoridade no Brasil em termos de escavações arqueológicas, encontrar com exatidão o lugar da “primeira edificação” de Fortaleza possui um aspecto significativo para a construção da sua identidade urbana:


“Eu acho que Fortaleza precisa buscar sua historicidade, buscar sua história e consequentemente se entender de forma processual para digamos melhor administrar seu presente e seu futuro alicerçada no passado (...) Se uma pesquisa histórica apenas conduz às informações numa direção, a pesquisa arqueológica é extremamente pragmática: ela materializa a história (...) Se teve ou não fortificação na Barra do Ceará, só a pesquisa arqueológica poderá dizer”.


Na opinião da coordenadora de patrimônio histórico da Secretaria de Cultura de Fortaleza, Ivone Cordeiro, diante da possibilidade da arqueologia certificar-se acerca da existência da fortificação do século XVII caberá à Barra do Ceará um novo lugar no contexto histórico da cidade de Fortaleza:


“O que está em jogo aqui é a discussão da memória da cidade de Fortaleza. E a primeira coisa que eu queria chamar a atenção é para o uso dessa palavra no singular. O que está em jogo são memórias diferenciadas, são possibilidades diferentes que nos colocam diante de uma discussão sobre o que é relevante efetivamente para a memória coletiva do fortalezense. E o que vai dar essa relevância? É aquilo que vai possibilitar uma maior identificação com essa experiência histórica (...) A carta régia de implantação da cidade de Fortaleza é 13 de abril de 1726. Quando se fala de municipalidade essa é a data (...) A Barra do Ceará vai ter seu lugar nesse processo. Ela vai ter seu lugar na história de Fortaleza muito melhor qualificado. Se não for marco zero o que importa é a experiência humana que construiu essa cidade.”




Ao falar sobre a importância de um marco e de uma data para a cidade o deputado Artur Bruno (PT) lembra da importância que pode vir a ter o fato de se envelhecer uma cidade:


“A data de Fortaleza tem que ser a data do marco zero (...) Foi a partir daí que Fortaleza veio a se tornar município, depois cidade e a partir desse marco zero temos que ter essa data como a data da cidade (...) Eu sou daqueles que acho que uma data é importante para uma cidade. É importante para o turismo da cidade, para a identidade da cidade, para o desenvolvimento econômico da cidade. Quando alguém visita Fortaleza, ele quer saber quando foi a origem da cidade, o que é que houve no início, como é que foi a ocupação portuguesa, como é que foi a ocupação holandesa, que foi breve mas de qualquer forma aconteceu”.




O início da experiência urbana de Fortaleza é associado a um ato protocolar inaugural, uma medida político-administrativa de instituição da cidade. Para o arquiteto,


“cidade é onde existe vida urbana. Os gregos e os romanos tinham duas expressões para dizer o que era cidade. Os gregos tinham uma palavra para a cidade material e outra para a cidade institucional (...) Os romanos tinham a palavra urbes e a palavra civitas, Uma era a cidade material e a outra a parte institucional. Então o que é que se faz em Fortaleza? Se comemora aqui a criação da urbes, a polis fortalezense. Ninguém sabe quando Fortaleza nasceu. A palavra fundação significa ‘colocar lá alguma coisa que vai nascer’. Ninguém sabe quando foi colocada a primeira pedra em Fortaleza e isso em outras cidade brasileiras também (...) Cidade naquela época é a cidade criada pelo rei. Ele faz a lei que faz a cidade. A cidade que é feita por parte de seus munícipes ela ganhava o título de vila. Então nessa altura Fortaleza era uma vila e só depois é que ela vira cidade. (Arquiteto Liberal de Castro In: Audiência Pública de 10/11/2008)”






Parece ser um traço característico presente nas narrativas que tratam da fundação de Fortaleza, como se buscou demonstrar aqui, o questionamento sobre sua condição urbana. O recurso realizado aqui ao imaginário social da fundação de Fortaleza visa problematizar a maneira como a realidade das coisas é expressa pelos sujeitos históricos. Nesse sentido tomar o espaço urbano como objeto do imaginário de uma dada sociedade pode ser útil para se adentrar nas inquietações apontadas como problemas no cotidiano de uma cidade.

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