Ok, o senhor poderia falar brevemente
sobre sua formação?
Como um bacharel em Administração de
empresas foi querer fazer mestrado em Sociologia?
Jorge
Ventura de Morais
Descobri, em uma disciplina chamada
Sociologia das Organizações, que eu não tinha nada a ver com Administração.
Como venho de uma família muito pobre do interior de Pernambuco, não tinha como
voltar atrás. Terminei, então, o bacharelado em Administração e parti para o
mestrado em sociologia, na UFPE, e doutorado em sociologia na London School of
Economics (Universidade de Londres).
Pedro
Mourão
Seus estudos no mestrado sobre a
estrutura de poder no sindicato dos trabalhadores rurais de Arcoverde-PE tem
relação com a sua trajetória familiar então?
Jorge
Ventura de Morais
Tem, sim! Procurei dar algum tipo de
contribuição à história da cidade onde me criei. Como eu estava interessado na
trajetória política dos sindicatos brasileiros, que se abria com a emergência
de Lula, como líder sindical, desenvolvi uma pesquisa em que mostro como os
militares aparelharam os sindicatos, em grande parte do país, como centros de
assistência médica e odontológica. Ao mesmo tempo, procurei, já ali, dialogar
com a teoria sociológica mais geral - preocupação persistente dos meus
trabalhos até hoje. No caso, minha referência foi Robert Michels e a sua obra “Sociologia
dos Partidos Políticos”.
Pedro
Mourão
E a temática de sua tese de doutorado na
London School of Economic foi uma consequência de suas análises do sindicalismo
em Pernambuco?
Como um pensador do sindicalismo se
tornou um teórico da Sociologia do esporte?
Jorge
Ventura de Morais
Foi desdobramento! Pesquisa séria se faz
com uma agenda de pesquisa. Os achados primeiros me permitiram, no doutorado,
ampliar a análise da política interna dos sindicatos. Mas, diferentemente da
dissertação, tratei do processo político interno dos sindicatos - a democracia
sindical, como se diz na literatura especializada. Meu foco se deu na dinâmica
das eleições sindicais, construções de canais que ligassem os sindicatos ao
chão-de-fábrica, construção de pautas de negociação, do processo de greve etc.
Jorge
Ventura de Morais
Com relação à sua segunda pergunta, é
fato que sou muito inquieto. Passo cerca de 6-7 anos pesquisando um assunto,
mas daí já me sinto atraído pela riqueza da vida social. Antes de chegar ao
futebol, já trabalhei - e continuo trabalhando - na área de sociologia das
artes. Com relação ao futebol, foi uma mistura de amor pelo esporte,
constatação da sua importância na constituição da nossa vida social e insight
de que na dinâmica do jogo é possível compreender uma série de problemas
sociológicos mais gerais.
Pedro
Mourão
O senhor acredita que existe alguma
analogia entre a Sociologia política e a Sociologia do Esporte?
Jorge
Ventura de Morais
Sim, completamente! A minha pesquisa
sobre regras no futebol (poderia ser em qualquer outro esporte) faz fronteira
com o direito, a filosofia e a política, pois diz respeito, não às regras em
abstrato, mas a como eles são de fato implementadas pelos atores sociais. Vou
dar dois exemplos distintos para mostrar o paralelo. Embora possamos saber das
regras do futebol, nós não sabemos como elas serão interpretadas e aplicadas
nos jogos de hoje à tarde. Embora nós - e especialmente os juristas - saibamos
das leis que regem o nosso país, nós temos de acompanhar a leitura das
interpretações e invocações de artigos e parágrafos dos códigos (penal e
processual penal), no caso da Ação Penal 470 (dita Mensalão), para sabermos - e
muitas vezes nos surpreendermos, e criticarmos ou apoiarmos - quais foram os
caminhos percorridos por cada Ministro na tomada de decisões. Esta
característica das regras (regras do futebol, leis formais, normais), isto é,
um certo grau de elasticidade, sem a qual não existiria a vida social, foi
objeto de investigação de Wittgenstein e Heidegger na filosofia e de Bourdieu
e, mais notadamente, de Norbert Elias, na sociologia.
Pedro
Mourão
Muito interessante, "Assim na
política, como no esporte".
Jorge
Ventura de Morais
A política é mais dinâmica! No esporte,
mais 'fechado'. Nós como torcedores não podemos influenciar diretamente o juiz
(daí, talvez, porque o xinguemos a mãe dele. Na política, nós podemos votar e
encaminhar protestos e propostas que podem ter influência no comportamento dos
políticos. E o Congresso sempre está votando novas leis, enquanto que no
futebol, as mudanças são muito conservadoras.
Pedro
Mourão
Faço uma pergunta a título de
provocação: Será que a política é hoje um campo tão aberto a intervenção
popular como pensamos? Digo isso porque hoje meu objeto de estudo é a
participação popular no parlamento estadual.
Mas mudando de assunto...
Essa relação entre a lógica da política
e a lógica do esporte seria o que Bourdieu chamou de homologia entre os campos
sociais? E quais são os teóricos que o senhor costuma articular em suas
análises da Sociologia do Esporte e onde se encaixa a teoria sociológica de Jon
Elster em suas análises?
Jorge
Ventura de Morais
Eu responderia sim a pergunta sobre
Bourdieu. Com relação à segunda, Elster não tem sido uma influência de maior
monta. Uma leitura dele, em 2005, em conjunto com meu colega José Luiz Ratton,
nos provocou a pergunta sobre como funcionaria a aplicação de sua teoria dos
constrangimentos na área dos esportes. Aliás, Elster escreve que seria
interessante fazer este tipo de pesquisa. No decorrer da pesquisa, me aproximei
mais da obra de Norbert Elias. Entre 2009 e 2010, tive várias oportunidades, na
Inglaterra, de conversar com Eric Dunning, aluno e colaborador de Norbert
Elias, sobre futebol, regras, processo civilizador etc. Mas, ao mesmo tempo,
redescobri os estudos de Harold Garfinkel, na etnometodologia, sobre
funcionamento de regras de convivência, bem como em jogos. Li muito, também
sobre a Sociologia das Práticas Sociais derivada de Ludwig Wittgenstein. Uma
terceira vertente teórica tem a ver com a sociologia das moralidades decorrente
do trabalho de Luc Boltanski. De modo que meu trabalho em sociologia do futebol
é fortemente influenciado por estas perspectivas. Não necessariamente
misturadas. O meu último paper publicado na Inglaterra é muito
Garfinkeliano/Wittgensteiniano, mas outro sobre o gol da mão de Maradona na
Copa de 1986 é mais Eliasiano/Boltanskiano.
Este segundo trabalho sairá publicado em
coletânea especial sobre Herois, Mitos e lendas do futebol mundial um pouco
antes da Copa do Mundo.
Pedro
Mourão
Professor, e como começou o debate da
legitimidade social das pesquisas sociológicas com Luis Nassif que escreveu o
artigo criticando sua pesquisa? (para ver mais dados sobre a pesquisa do
Professor Jorge Ventura clique aqui para ver o Curriculum Lattes http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=B922616)
Jorge
Ventura de Morais
Debate? Não houve debate. Ele fatiou a
introdução de um texto meu publicado em 2008 como exemplo da inutilidade de
pesquisas financiadas pelo CNPq.
Depois o expôs à crítica anárquica dos
internautas e não publicou minhas mensagens, a não ser a última - desconfio de
por causa da pressão da comunidade acadêmica, que foi simplesmente um resumo de
minhas publicações sobre sociologia do futebol.
Pedro
Mourão
Compreendo. Mas eu obtive dados que
indicam que houve um conflito anterior que desencadeou a crítica do Nassif
sobre seu trabalho. Ver postagem anterior sobre esse assunto aqui: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2012/09/masturbacao-sociologica-as-duas-fases.html
A que o senhor atribui crítica de Luis
Nassif, e o que o senhor pensa a respeito desse debate que surgiu sobre a
legitimidade social das pesquisas sociológicas?
Jorge
Ventura de Morais
Ah, sim! Eu disse, no facebook, via um
amigo comum que a análise dele sobre o chamado mensalão era ruim.
Pedro
Mourão
Hummm
Jorge
Ventura de Morais
Sobre as razões da forma da crítica do
blogueiro, eu teria de fazer ilações...
É melhor nos concentrarmos na questão do
debate sobre financiamento de ciência, tecnologia, artes etc, no país. Foi
interessante perceber nos comentários desrespeitosos para comigo pelos
internautas a distância que ainda separa as universidades, como centros de
pesquisa, do cidadão comum. Com isto, não estou desculpando aqueles que me
agrediram gratuitamente, sem me conhecer, sem me dar direito de resposta, sem,
ao menos, olhar o meu (curriculum) Lattes. Só estou dizendo que é preciso fazer
um esforço de ambos os lados para aproximarmos as universidades e a população,
em termos de um nível mínimo de entendimento acerca das funções da primeira e
como pesquisas - aparentemente inúteis podem servir à sociedade. Por outro
lado, foi possível perceber a persistência de desentendimentos dentro da
própria comunidade acadêmica sobre o que deve ou não ser financiado, que áreas
são importantes etc. Para ilustrar, fui criticado por uma pessoa da área de
humanidades por estar desenvolvendo este tipo de pesquisa quando "há
muitas crianças morrendo de fome no País", ou "há altos níveis de
violência urbana no Brasil". Já um físico postou a negativa que ele
recebeu do CNPq para desenvolver pós-doutorado em importante universidade
estrangeira, enquanto estaria financiando as minhas tolices.
Pedro
Mourão
Como poderíamos estreitar esse abismo
entre a sociedade e a sociologia?
Se de um lado todo trabalho científico
serve algum interesse social, político e econômico seria possível fazer uma
ciência social desvinculada dos interesses coletivos?
Não é de hoje que vemos colegas na pós-graduação
procurando somente um título e uma bolsa sem buscar fazer um trabalho
científico sério e responsável socialmente.
O que seria para o senhor uma Sociologia
comprometida com as questões sociais? Isso iria acabar com a liberdade
científica?
Jorge
Ventura de Morais
Veja, eu não tenho uma resposta. É um
problema difícil de ser resolvido. Acredito que seja um problema presente em
todas as sociedades. Somente acho que aqui a falta de diálogo entre as duas
partes ainda é alta. Acredito que o desenvolvimento da educação básica
universal e de qualidade seria um caminho inicial. Mas nessa educação talvez as
questões científicas pudessem ser mais bem trabalhadas para que os estudantes
pudessem compreender a não somente a importância dos seus campos de atuação,
mas também das outras áreas. Vou dar um exemplo: tenho muita dificuldade de
convencer minha filha de 16 anos, que se interessa por estética, sobre a
importância de estudar física, matemática e química. Acredito que pela forma como
ensinam estas disciplinas nas escolas.
Um outro ponto - mas aí depende de
outras variáveis -, seria uma maior oferta de revistas de divulgação
cientifica. Existem poucas no Brasil, embora de qualidade. Tem havido um
esforço, mas é preciso criar o hábito de leitura sobre estes assuntos. Em suma,
nos tornarmos alfabetizadas em ciência, tecnologia e artes.
Pedro
Mourão
Alfabetizados? Não seria
analfabetizados?
Jorge
Ventura de Morais
Nós somos analfabetos. É preciso nos
alfabetizarmos sobre ciência, tecnologia e artes...
Pedro
Mourão
Sim. Os critérios para concessão de
financiamento das pesquisas científicas no Brasil são permeados pela
subjetividade e pelos interesses políticos, culturais e sociais de quem libera
a verba?
Jorge
Ventura de Morais
Mas há outra parte da sua pergunta a que
não respondi. Eu acredito que toda a sociologia trata de questões sociais
sérias. Isto não deve ser confundido com o fato de haver, em qualquer
sociedade, pessoas que não tem interesse sério nos estudos, mas simplesmente em
manter uma bolsa de estudos. Se assim não fosse, não seríamos humanos, os seres
sociais, para pensar com Durkheim. Uma certa taxa de desvio é normal numa
sociedade como a nossa.
Pedro
Mourão
O senhor se preocupa em fazer uma
sociologia que saia dos muros da universidade e alcance a sociedade? Isso seria
relevante para as ciências sociais?
Jorge
Ventura de Morais
Depende do que você chame de "sair
dos muros da universidade" e também o que seria "alcance a
sociedade"... Eu deveria brecar financiamentos sobre teoria sociológica
sob o argumento da falta de aplicabilidade imediata na sociedade e a uma
intratabilidade para o público leigo? Acredito que não! Teoria "pura"
é importante para uma série de áreas, enquanto não tem muita relevância para
outras. No caso da sociologia, da ciência política, da antropologia, da física,
da matemática, ela é fundamental, é parte do próprio fazer destas disciplinas.
Já imaginou a gente brecar financiamento numa pesquisa em teoria da democracia
sob o argumento de que tal pesquisa não vai trazer um bem tangível como uma
geladeira para a sociedade?
Pedro
Mourão
Kkkkkkkkkkk . Verdade.
Jorge
Ventura de Morais
Eu quero democracia e uma geladeira boa
e econômica para a sociedade.
Pedro
Mourão
Mas em certa medida, o senhor não achou
que a crítica contida no artigo do Nassif foi fortuita para debater a questão
da concessão de bolsas de pesquisa no Brasil?
Jorge
Ventura de Morais
Fortuita em que sentido, Pedro?
Pedro
Mourão
Pessoalmente, acredito que a crítica que
ele fez foi vulgar e propositadamente rasa.
A forma como foi feita a crítica usando
meias palavras e meias verdade já demonstrou o calibre do próprio artigo e do
autor.
Mas essa discussão teve um lado bom para
fazermos uma sociologia da sociologia, no sentido de refletirmos sobre a quem e
a que serve a sociologia que fazemos..
Será que podemos fazer uma ciência pela
ciência? Como uma arte pela arte?
Jorge
Ventura de Morais
Ah, como subproduto do massacre moral?
Pode ser!!!... Mas não acho que a concessão de bolsas no Brasil tenha mais
problemas do que em outros países. No que respeita às bolsas de pós-graduação,
supõe-se que os programas de pós-graduação saibam selecionar seus estudantes e
o critério é claro: desempenho acadêmico. No caso das bolsas de pesquisa, cada
projeto é avaliado por dois pares e depois vai para classificação dos comitês
assessores. O sistema é perfeito? Não, não é de jeito nenhum. Há problemas
relativos à distribuição geográfica dos grupos de pesquisa no Brasil, há
problemas de grupos que controlam certas áreas. Mas não é o horror que se
costuma pensar, mesmo dentro da academia. Tem um nível normal de problemas de
qualquer outro sistema de pares pelo mundo afora.
Pedro, ainda vai demorar muito? A
família já está cobrando minha !"presença"
Pedro
Mourão
Não professor. Acho que acabamos.
Eu agradeço imensamente sua
disponibilidade e sua boa vontade de se dedicar a essa entrevista.
Quer dizer algo para fechar a entrevista?
Jorge
Ventura de Morais
Agradecido também, Pedro, pela
possibilidade de eu poder me expressar e pela excelente qualidade das suas
perguntas. Agora eu vou esquecer a sociologia e fazer um risoto de cogumelos
frescos para Roberta e Clara, esposa e filha, respectivamente. Um abraço.
Parabéns pela bela entrevista.
ResponderExcluirGrande entrevista!
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