sábado, 22 de setembro de 2012

MASTURBAÇÃO SOCIOLÓGICA: AS DUAS FACES DA MOEDA 2 Entrevista com o Prof. Jorge Ventura de Morais


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Pedro Mourão
Ok, o senhor poderia falar brevemente sobre sua formação?
Como um bacharel em Administração de empresas foi querer fazer mestrado em Sociologia?

Jorge Ventura de Morais
Descobri, em uma disciplina chamada Sociologia das Organizações, que eu não tinha nada a ver com Administração. Como venho de uma família muito pobre do interior de Pernambuco, não tinha como voltar atrás. Terminei, então, o bacharelado em Administração e parti para o mestrado em sociologia, na UFPE, e doutorado em sociologia na London School of Economics (Universidade de Londres).

Pedro Mourão
Seus estudos no mestrado sobre a estrutura de poder no sindicato dos trabalhadores rurais de Arcoverde-PE tem relação com a sua trajetória familiar então?

Jorge Ventura de Morais
Tem, sim! Procurei dar algum tipo de contribuição à história da cidade onde me criei. Como eu estava interessado na trajetória política dos sindicatos brasileiros, que se abria com a emergência de Lula, como líder sindical, desenvolvi uma pesquisa em que mostro como os militares aparelharam os sindicatos, em grande parte do país, como centros de assistência médica e odontológica. Ao mesmo tempo, procurei, já ali, dialogar com a teoria sociológica mais geral - preocupação persistente dos meus trabalhos até hoje. No caso, minha referência foi Robert Michels e a sua obra “Sociologia dos Partidos Políticos”.

Pedro Mourão
E a temática de sua tese de doutorado na London School of Economic foi uma consequência de suas análises do sindicalismo em Pernambuco?
Como um pensador do sindicalismo se tornou um teórico da Sociologia do esporte?

Jorge Ventura de Morais
Foi desdobramento! Pesquisa séria se faz com uma agenda de pesquisa. Os achados primeiros me permitiram, no doutorado, ampliar a análise da política interna dos sindicatos. Mas, diferentemente da dissertação, tratei do processo político interno dos sindicatos - a democracia sindical, como se diz na literatura especializada. Meu foco se deu na dinâmica das eleições sindicais, construções de canais que ligassem os sindicatos ao chão-de-fábrica, construção de pautas de negociação, do processo de greve etc.

Jorge Ventura de Morais
Com relação à sua segunda pergunta, é fato que sou muito inquieto. Passo cerca de 6-7 anos pesquisando um assunto, mas daí já me sinto atraído pela riqueza da vida social. Antes de chegar ao futebol, já trabalhei - e continuo trabalhando - na área de sociologia das artes. Com relação ao futebol, foi uma mistura de amor pelo esporte, constatação da sua importância na constituição da nossa vida social e insight de que na dinâmica do jogo é possível compreender uma série de problemas sociológicos mais gerais.

Pedro Mourão
O senhor acredita que existe alguma analogia entre a Sociologia política e a Sociologia do Esporte?

Jorge Ventura de Morais
Sim, completamente! A minha pesquisa sobre regras no futebol (poderia ser em qualquer outro esporte) faz fronteira com o direito, a filosofia e a política, pois diz respeito, não às regras em abstrato, mas a como eles são de fato implementadas pelos atores sociais. Vou dar dois exemplos distintos para mostrar o paralelo. Embora possamos saber das regras do futebol, nós não sabemos como elas serão interpretadas e aplicadas nos jogos de hoje à tarde. Embora nós - e especialmente os juristas - saibamos das leis que regem o nosso país, nós temos de acompanhar a leitura das interpretações e invocações de artigos e parágrafos dos códigos (penal e processual penal), no caso da Ação Penal 470 (dita Mensalão), para sabermos - e muitas vezes nos surpreendermos, e criticarmos ou apoiarmos - quais foram os caminhos percorridos por cada Ministro na tomada de decisões. Esta característica das regras (regras do futebol, leis formais, normais), isto é, um certo grau de elasticidade, sem a qual não existiria a vida social, foi objeto de investigação de Wittgenstein e Heidegger na filosofia e de Bourdieu e, mais notadamente, de Norbert Elias, na sociologia.

Pedro Mourão
Muito interessante, "Assim na política, como no esporte".
           
Jorge Ventura de Morais
A política é mais dinâmica! No esporte, mais 'fechado'. Nós como torcedores não podemos influenciar diretamente o juiz (daí, talvez, porque o xinguemos a mãe dele. Na política, nós podemos votar e encaminhar protestos e propostas que podem ter influência no comportamento dos políticos. E o Congresso sempre está votando novas leis, enquanto que no futebol, as mudanças são muito conservadoras.

Pedro Mourão
Faço uma pergunta a título de provocação: Será que a política é hoje um campo tão aberto a intervenção popular como pensamos? Digo isso porque hoje meu objeto de estudo é a participação popular no parlamento estadual.
Mas mudando de assunto...

Essa relação entre a lógica da política e a lógica do esporte seria o que Bourdieu chamou de homologia entre os campos sociais? E quais são os teóricos que o senhor costuma articular em suas análises da Sociologia do Esporte e onde se encaixa a teoria sociológica de Jon Elster em suas análises?

Jorge Ventura de Morais
Eu responderia sim a pergunta sobre Bourdieu. Com relação à segunda, Elster não tem sido uma influência de maior monta. Uma leitura dele, em 2005, em conjunto com meu colega José Luiz Ratton, nos provocou a pergunta sobre como funcionaria a aplicação de sua teoria dos constrangimentos na área dos esportes. Aliás, Elster escreve que seria interessante fazer este tipo de pesquisa. No decorrer da pesquisa, me aproximei mais da obra de Norbert Elias. Entre 2009 e 2010, tive várias oportunidades, na Inglaterra, de conversar com Eric Dunning, aluno e colaborador de Norbert Elias, sobre futebol, regras, processo civilizador etc. Mas, ao mesmo tempo, redescobri os estudos de Harold Garfinkel, na etnometodologia, sobre funcionamento de regras de convivência, bem como em jogos. Li muito, também sobre a Sociologia das Práticas Sociais derivada de Ludwig Wittgenstein. Uma terceira vertente teórica tem a ver com a sociologia das moralidades decorrente do trabalho de Luc Boltanski. De modo que meu trabalho em sociologia do futebol é fortemente influenciado por estas perspectivas. Não necessariamente misturadas. O meu último paper publicado na Inglaterra é muito Garfinkeliano/Wittgensteiniano, mas outro sobre o gol da mão de Maradona na Copa de 1986 é mais Eliasiano/Boltanskiano.
Este segundo trabalho sairá publicado em coletânea especial sobre Herois, Mitos e lendas do futebol mundial um pouco antes da Copa do Mundo.
Pedro Mourão
Professor, e como começou o debate da legitimidade social das pesquisas sociológicas com Luis Nassif que escreveu o artigo criticando sua pesquisa? (para ver mais dados sobre a pesquisa do Professor Jorge Ventura clique aqui para ver o Curriculum Lattes http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=B922616)

Jorge Ventura de Morais
Debate? Não houve debate. Ele fatiou a introdução de um texto meu publicado em 2008 como exemplo da inutilidade de pesquisas financiadas pelo CNPq.
Depois o expôs à crítica anárquica dos internautas e não publicou minhas mensagens, a não ser a última - desconfio de por causa da pressão da comunidade acadêmica, que foi simplesmente um resumo de minhas publicações sobre sociologia do futebol.

Pedro Mourão
Compreendo. Mas eu obtive dados que indicam que houve um conflito anterior que desencadeou a crítica do Nassif sobre seu trabalho. Ver postagem anterior sobre esse assunto aqui: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2012/09/masturbacao-sociologica-as-duas-fases.html
A que o senhor atribui crítica de Luis Nassif, e o que o senhor pensa a respeito desse debate que surgiu sobre a legitimidade social das pesquisas sociológicas?

Jorge Ventura de Morais
Ah, sim! Eu disse, no facebook, via um amigo comum que a análise dele sobre o chamado mensalão era ruim.

Pedro Mourão
Hummm

Jorge Ventura de Morais
Sobre as razões da forma da crítica do blogueiro, eu teria de fazer ilações...
É melhor nos concentrarmos na questão do debate sobre financiamento de ciência, tecnologia, artes etc, no país. Foi interessante perceber nos comentários desrespeitosos para comigo pelos internautas a distância que ainda separa as universidades, como centros de pesquisa, do cidadão comum. Com isto, não estou desculpando aqueles que me agrediram gratuitamente, sem me conhecer, sem me dar direito de resposta, sem, ao menos, olhar o meu (curriculum) Lattes. Só estou dizendo que é preciso fazer um esforço de ambos os lados para aproximarmos as universidades e a população, em termos de um nível mínimo de entendimento acerca das funções da primeira e como pesquisas - aparentemente inúteis podem servir à sociedade. Por outro lado, foi possível perceber a persistência de desentendimentos dentro da própria comunidade acadêmica sobre o que deve ou não ser financiado, que áreas são importantes etc. Para ilustrar, fui criticado por uma pessoa da área de humanidades por estar desenvolvendo este tipo de pesquisa quando "há muitas crianças morrendo de fome no País", ou "há altos níveis de violência urbana no Brasil". Já um físico postou a negativa que ele recebeu do CNPq para desenvolver pós-doutorado em importante universidade estrangeira, enquanto estaria financiando as minhas tolices.

Pedro Mourão
Como poderíamos estreitar esse abismo entre a sociedade e a sociologia?
Se de um lado todo trabalho científico serve algum interesse social, político e econômico seria possível fazer uma ciência social desvinculada dos interesses coletivos?
Não é de hoje que vemos colegas na pós-graduação procurando somente um título e uma bolsa sem buscar fazer um trabalho científico sério e responsável socialmente.
O que seria para o senhor uma Sociologia comprometida com as questões sociais? Isso iria acabar com a liberdade científica?

Jorge Ventura de Morais
Veja, eu não tenho uma resposta. É um problema difícil de ser resolvido. Acredito que seja um problema presente em todas as sociedades. Somente acho que aqui a falta de diálogo entre as duas partes ainda é alta. Acredito que o desenvolvimento da educação básica universal e de qualidade seria um caminho inicial. Mas nessa educação talvez as questões científicas pudessem ser mais bem trabalhadas para que os estudantes pudessem compreender a não somente a importância dos seus campos de atuação, mas também das outras áreas. Vou dar um exemplo: tenho muita dificuldade de convencer minha filha de 16 anos, que se interessa por estética, sobre a importância de estudar física, matemática e química. Acredito que pela forma como ensinam estas disciplinas nas escolas.
           
Um outro ponto - mas aí depende de outras variáveis -, seria uma maior oferta de revistas de divulgação cientifica. Existem poucas no Brasil, embora de qualidade. Tem havido um esforço, mas é preciso criar o hábito de leitura sobre estes assuntos. Em suma, nos tornarmos alfabetizadas em ciência, tecnologia e artes.
Pedro Mourão
Alfabetizados? Não seria analfabetizados?

Jorge Ventura de Morais
Nós somos analfabetos. É preciso nos alfabetizarmos sobre ciência, tecnologia e artes...
Pedro Mourão
Sim. Os critérios para concessão de financiamento das pesquisas científicas no Brasil são permeados pela subjetividade e pelos interesses políticos, culturais e sociais de quem libera a verba?

Jorge Ventura de Morais
Mas há outra parte da sua pergunta a que não respondi. Eu acredito que toda a sociologia trata de questões sociais sérias. Isto não deve ser confundido com o fato de haver, em qualquer sociedade, pessoas que não tem interesse sério nos estudos, mas simplesmente em manter uma bolsa de estudos. Se assim não fosse, não seríamos humanos, os seres sociais, para pensar com Durkheim. Uma certa taxa de desvio é normal numa sociedade como a nossa.

Pedro Mourão
O senhor se preocupa em fazer uma sociologia que saia dos muros da universidade e alcance a sociedade? Isso seria relevante para as ciências sociais?

Jorge Ventura de Morais
Depende do que você chame de "sair dos muros da universidade" e também o que seria "alcance a sociedade"... Eu deveria brecar financiamentos sobre teoria sociológica sob o argumento da falta de aplicabilidade imediata na sociedade e a uma intratabilidade para o público leigo? Acredito que não! Teoria "pura" é importante para uma série de áreas, enquanto não tem muita relevância para outras. No caso da sociologia, da ciência política, da antropologia, da física, da matemática, ela é fundamental, é parte do próprio fazer destas disciplinas. Já imaginou a gente brecar financiamento numa pesquisa em teoria da democracia sob o argumento de que tal pesquisa não vai trazer um bem tangível como uma geladeira para a sociedade?

Pedro Mourão
Kkkkkkkkkkk .           Verdade.

Jorge Ventura de Morais
Eu quero democracia e uma geladeira boa e econômica para a sociedade.
           
Pedro Mourão
Mas em certa medida, o senhor não achou que a crítica contida no artigo do Nassif foi fortuita para debater a questão da concessão de bolsas de pesquisa no Brasil?

Jorge Ventura de Morais
Fortuita em que sentido, Pedro?

Pedro Mourão
Pessoalmente, acredito que a crítica que ele fez foi vulgar e propositadamente rasa.
A forma como foi feita a crítica usando meias palavras e meias verdade já demonstrou o calibre do próprio artigo e do autor.
Mas essa discussão teve um lado bom para fazermos uma sociologia da sociologia, no sentido de refletirmos sobre a quem e a que serve a sociologia que fazemos..
Será que podemos fazer uma ciência pela ciência? Como uma arte pela arte?

Jorge Ventura de Morais
Ah, como subproduto do massacre moral? Pode ser!!!... Mas não acho que a concessão de bolsas no Brasil tenha mais problemas do que em outros países. No que respeita às bolsas de pós-graduação, supõe-se que os programas de pós-graduação saibam selecionar seus estudantes e o critério é claro: desempenho acadêmico. No caso das bolsas de pesquisa, cada projeto é avaliado por dois pares e depois vai para classificação dos comitês assessores. O sistema é perfeito? Não, não é de jeito nenhum. Há problemas relativos à distribuição geográfica dos grupos de pesquisa no Brasil, há problemas de grupos que controlam certas áreas. Mas não é o horror que se costuma pensar, mesmo dentro da academia. Tem um nível normal de problemas de qualquer outro sistema de pares pelo mundo afora.
Pedro, ainda vai demorar muito? A família já está cobrando minha !"presença"
           
Pedro Mourão
Não professor. Acho que acabamos.
Eu agradeço imensamente sua disponibilidade e sua boa vontade de se dedicar a essa entrevista.
Quer dizer algo para fechar a entrevista?
Jorge Ventura de Morais
Agradecido também, Pedro, pela possibilidade de eu poder me expressar e pela excelente qualidade das suas perguntas. Agora eu vou esquecer a sociologia e fazer um risoto de cogumelos frescos para Roberta e Clara, esposa e filha, respectivamente. Um abraço.

2 comentários:

Obrigado pela sua observação ;)