quarta-feira, 5 de setembro de 2012

CMF: “Casa de Ferreiro, espeto de pau”?


                 CMF: “Casa de Ferreiro, espeto de pau”? 



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                                                                Ubiracy de Souza Braga*





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*Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).



                   “A identidade é a forma originária (die Urform) de ideologia”. Theodor Adorno (1972)




                  




                        CMF. Gastos passarão de R$ 29,1 milhões para R$ 39,1 milhões em 2 013.

            Em primeiro lugar, a expressão: “casa de ferreiro, espeto de pau” refere-se a um ditado popular cujo significado é: “que em dada circunstância uma pessoa versada, ou que detém experiência adquirida devido ao exercício de uma determinada atividade”, ou “a política como profissão” (Weber), e por decorrência presumivelmente detém desta forma as competências nesse dado ramo ou atividade, os utiliza em beneficio do próximo. Contudo, parece dicotomicamente não aplicar tais competências e experiências adquiridas em situações ou circunstâncias, em geral de âmbito pessoal, que lhe seriam benéficas, obviamente aplicáveis e, sobretudo úteis. Existe outra versão no sentido histórico da punição. Afirma ter havido uma distorção no sentido original do texto, pois o que se pretendia dizer inicialmente era que o ferreiro fazia “propositalmente o espeto de pau por saber, devido à experiência adquirida, que se o fizesse de ferro teria suas mãos queimadas”.
Escólio: A Câmara Municipal de Fortaleza (CMF) é o órgão legislativo do município homônimo. Composta por 41 vereadores é a maior casa legislativa municipal do Ceará. Pioneira no uso da documentação eletrônica, a CMF disponibiliza na Internet - rede mundial de computadores, todo acervo de leis, decretos, emendas, resoluções desde 1948. Totalizando mais de 500.000 documentos digitalizados e que podem ter seu acesso público através de pesquisa por número do documento, autor ou assunto. Refletindo a transparência de suas ações: a) a casa transmite pela internet, o áudio e vídeo das sessões plenárias desde 1997, e, b) atualmente, a programação de sua TV legislativa, chamada “TV Fortaleza”. A CMF figurou entre as 100 Melhores Empresas de TI do Brasil em 2009 e, novamente em 2011, “por meio do Prêmio IT Leaders (em inglês) que premia os principais líderes de tecnologia do Brasil”. Daí a tese: casa de ferreiro, espeto de pau.
            Em segundo lugar, mutatis mutandis o conservadorismo, em certo sentido, surgiu do tradicionalismo: de fato, ele é primordialmente nada mais do que o tradicionalismo tornado consciente. Apesar disso, os dois não são sinônimos, na medida em que o tradicionalismo só assume seus traços especificamente conservadores, enquanto expressão de um modo de vida e pensamento, como um movimento relativamente autônomo no processo de constituição das sociedades. Uma das características mais essenciais desse modo de vida e desse pensamento parece ser a forma como ele se apega ao imediato, o real, o concreto. Augusto Comte, por exemplo, em seu Système de Politique Positive (1828), afirmava que “a sã política não deveria ter por objeto fazer avançar a espécie humana, que se mova por impulso próprio, seguindo uma lei tão necessária quanto a da gravidade, embora mais modificável; ela tem por finalidade facilitar sua marcha, iluminando-a”. O conservador somente pensa em termos dos “sistemas como reação”, quando é forçado a desenvolver um sistema próprio para contrapor ao dos progressistas ou quando a marcha dos acontecimentos, o priva de qualquer influência sobre o presente imediato, de tal forma que ele seria obrigado a “girar a roda da história para trás” a fim de reconquistar a sua influência ao nível ideológico ou político propriamente dito.
            Do latim identĭtas, particularmente a identidade representa “o conjunto das características e dos traços próprios de um indivíduo ou de uma comunidade” (Tönnies). Esses traços caracterizam o sujeito ou a coletividade perante os demais. A identidade (cf. Albuquerque Jr., 2005; 2008; 2010a; 2010b) também é a consciência (Hegel) que uma pessoa tem dela própria e que a torna em alguém diferente das outras. Embora muitos dos traços que constituem a identidade sejam hereditários ou inatos, o meio envolvente exerce influência sobre a conformação da especificidade de cada indivíduo. Por isso, pode-se dizer que uma pessoa “anda em busca da sua identidade”, ou expressões semelhantes, como: “Identitätskonstrukte”, na expressão de Metzeltin (2010). Neste sentido, a ideia de identidade está associada a algo próprio, particular, indefectível, pessoal e intransferível, ou seja, uma realidade interior que pode ficar oculta atrás de atitudes (Marx) ou comportamentos (Freud) que, na realidade, não são próprios da pessoa (Weber), mas da ideia que a região “enforma na constituição da identidade” (Freyre).  
   
                                             Vista panorâmica da Praia do Futuro em Fortaleza
Sendo um conceito de trânsito (Lukács/Simmel) intenso e de tamanha complexidade (Morin), podemos compreender (Weber) a constituição de uma identidade (Freud) em “manifestações de vida” (Simmel) que podem envolver um amplo número de situações que vão desde “a fala até a participação em certos eventos políticos”. Durante algum tempo, a ideia de uma “identidade cultural” não foi devidamente problematizada no campo das ciências humanas. A questão da identidade na universidade de nosso convívio demonstra que a própria identidade pode ser estabelecida ou reconhecida com base em qualquer critério convencional, mas há os casos na política regionalista em que pode se tornar desastrosa. Esse conceito pode explicar o caráter de construção da identidade do ponto de vista da região (cf. Albuquerque Jr, 1993; 2006), uma vez que os critérios precisam ser estabelecidos e reconhecidos socialmente. As constantes brigas, desavenças e quebra-quebra na Câmara Municipal de Fortaleza demonstram: a) a questão da ausência de princípios morais de conduta, ou, a “política como vocação”; b) o desrespeito à diversidade e diferença de opiniões; c) a dificuldade dos políticos em lidar com os conflitos sociais e de âmbito partidários; d) o problema da formação da identidade na política cearense, inclusive quando se exerce cargos nas universidades públicas (cf. Braga, 2011), em detrimento da universidade privada (cf. Diário do Nordeste, 27.08. 2012).
Economicamente falando o Ceará é atualmente o décimo segundo estado mais rico do país, sendo o terceiro mais rico do Nordeste, representando um conjunto de práticas e saberes sociais.  A capital, Fortaleza, tem o segundo maior PIB - Produto Interno Bruto do Nordeste, e o 10º maior do país. Abriga o maior parque aquático da América Latina, o Beach Park, na praia do Porto das Dunas, que recebe cerca de 1 milhão de visitantes por ano. O estado também abriga o quarto maior estádio de futebol do Brasil, o Estádio Governador Plácido Castelo (Castelão), que tem capacidade para 67.000 pessoas. O Ceará detém o terceiro melhor serviço de coleta de esgoto do Norte, Nordeste e Sul brasileiro segundo o IBGE, e apresenta a melhor qualidade de vida do Norte-Nordeste segundo a FIRJAN.
            
Plácido Aderaldo Castelo (1906-1979) foi advogado, jornalista e político brasileiro. Ocupou os cargos de prefeito de Fortaleza e governador do Ceará. Plácido era filho de João Fernandes Castelo, prefeito de Mombaça em 1935, e Antonina Aderaldo Castelo, sobrinha-neta do Barão de São Leonardo (cf. Castelo, 1942). Casou-se com Joana Freire Castelo (Netinha), com quem teve doze filhos. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará, em 1930, atuou como advogado, jornalista e político. Como deputado estadual constituinte, em 1935, participou da elaboração da Constituição do seu estado. Elegeu-se ainda deputado estadual para os mandatos de 1951 (suplência), 1955, 1959 (suplência) e 1963. Exerceu os cargos de primeiro secretário e segundo vice-presidente do poder legislativo cearense. Ocupou os cargos de secretário de Agricultura e Obras Públicas e secretário da Fazenda do Estado do Ceará. Fundou e exerceu a presidência do Instituto de Previdência do Estado do Ceará - IPEC. Foi prefeito da cidade de Fortaleza e governador do Estado do Ceará no período de 1966 a 1971. Seu governo foi de inúmeras realizações, sendo de grande importância e desenvolvimento para o Ceará, dentre elas estão a criação do Tribunal de Contas dos Municípios, em Fortaleza, e a construção do Estádio Castelão.
Enfim, Leonardo Ferreira Marques, primeiro e único barão de São Leonardo, (1817-1894) foi um dos quinze barões provenientes do estado do Ceará. Filho de Raimundo Ferreira Marques e Tomásia Ferreira Marques. O título nobiliárquico foi concedido por D. Luís I (1838 - 1889), 32º rei de Portugal, por decreto de 23 de novembro de 1870. Membro da Guarda Nacional participou da “Balaiada” no posto de capitão. Já como coronel, recebeu do governo imperial brasileiro as comendas da Imperial Ordem da Rosa e da Imperial Ordem do Cruzeiro. Casou-se em 1847, com a francesa Aline Gauthier (1823-1904), baronesa consorte de São Leonardo, com quem teve quatro filhos, dentre os quais, Aline Marques Gomes Parente, casada com Esmerino Gomes Parente, ex-presidente da província do Ceará.
O estado do Ceará é reconhecido esteticamente: a) pela beleza de seu litoral,
Fortaleza em 1942 apresentava um pouco mais de 150 mil habitantes. Dormia-se cedo, por volta das 21 horas. A beira-mar era vazia, não havia edifícios, somente casas de pescadores. O Mucuripe era de difícil acesso. No início dos anos 40, quatro pescadores brasileiros se lançaram ao mar para uma viagem que entrou para a história dos jangadeiros cearenses, da navegação, do Estado Novo e do cinema. Tão arriscada foi ela, que até na imprensa americana ganhou espaço nobre. Num artigo intitulado Four Men on a Raft (“Quatro Homens numa Jangada”), a revista Time (8/12/1941) reproduziu toda a odisseia de Manoel Olímpio Meira (Jacaré), Raimundo Correia Lima (Tatá), Manuel Pereira da Silva (Mané Preto) e Jerônimo André de Souza (Mestre Jerônimo), que a bordo de uma jangada singraram os 2.381 km que separam Fortaleza do Rio de Janeiro, sem bússola ou carta náutica”.
                                   
            Livro: “Orson Welles no Ceará”, de Firmino Holanda, Edições Demócrito Rocha, 2001.
b) pela religiosidade popular e, c) pela imagem artística de berço de talentos humorísticos, d) e filosófica, em que teve um pensador que pode ser considerado o mais importante, primeiro e mais original dos filósofos brasileiros, Raimundo de Farias Brito (1862 - 1917), como ilustra a sua obra A Finalidade do Mundo (1895) em três volumes, que é dividido em três partes, a primeira é “a filosofia como atividade permanente do espírito”, a segunda, “os dois grandes métodos da filosofia moderna” e a terceira, “teoria da finalidade”, ainda A verdade como regras das ações (1905), A Base Física do Espírito (1912) e O Mundo Interior (1914), e além destas restam ainda um volume com seus Inéditos e Dispersos. Vale dizer que foi o primeiro filósofo brasileiro a travar diálogo com os modernos sistemas filosóficos europeus e ousar uma interpretação própria da realidade humana contra as opiniões já reconhecidas e tão caras em nossos dias.    
                        
                         A presença das jangadas, no mar ou em terra, confere um visual irresistível.
Do ponto de vista antropológico, a jangada (cf. Orson Welles, 1942), muito comum ao longo da costa, é considerada um dos maiores símbolos (σχεδία) do povo e da cultura cearenses. O Ceará concentra 85% de toda caatinga do Brasil. Terra de escritores como Rachel de Queiroz, Patativa do Assaré e José de Alencar, o Ceará também descobriu os maiores humoristas do país tais como: Renato Aragão e Chico Anysio; além do cearense do século, Padre Cícero; e atores famosos como José Wilker, Gero Camilo e Luiza Tomé, entre outros. O Ceará é conhecido como “Terra da Luz”, numa referência à grande quantidade de dias ensolarados, mas que também remonta ao fato de o estado ter sido o primeiro da federação a abolir a escravidão, em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea. Por esse fato, o jornalista José do Patrocínio considerou o estado como “a terra da luz”.
O abolicionista José do Patrocínio, que se encontrava em Paris dias antes do banimento da escravidão no Ceará, enviou carta ao escritor Victor Hugo comunicando que uma província brasileira estava prestes a ser considerada liberta do cativeiro. Ele pedia ao poeta uma palavra de animação, um conselho, que servisse de encorajamento ao Imperador Dom Pedro 2°, no sentido de engajar-se na campanha pela abolição. O grande pensador francês, na resposta a Patrocínio, considerou “grande novidade” o gesto dos cearenses e reforçou que com a iniciativa libertadora “a barbárie recua e a civilização avança”. Embora a luta final tenha se dado na cidade de Fortaleza, foi no interior da província, na pequena vila de Aracape, que logo depois se chamaria Redenção, que a Sociedade Cearense Libertadora liderou a primeira grande campanha pela abolição. Os jangadeiros também tiveram papel decisivo no processo cearense de abolição da escravatura. Em 27 de janeiro de 1881, tendo à frente Francisco José do Nascimento, conhecido como “Dragão do Mar”, os jangadeiros firmaram sua posição: “No porto do Ceará não se embarcam mais escravos!”. Com esta atitude, eles conseguiram de fato abolir o tráfico de escravos na província.
O conceito de identidade e a questão em torno da identidade também dizem respeito à apreensão e interpretação da realidade social, uma vez que é um processo de representação, uma tentativa de compreensão de sua própria posição no mundo. Essa construção se dá através de esquemas classificatórios, que permite separar em nós e outros a partir de critérios dados. Como interpretação, a representação da identidade não pode ser tomada como algo definido também. Portanto, não é possível falar em um “modo de ser” senão em “modos de ser”. Identidade é a posição da pessoa, em relação à posição dos demais dentro da sociedade ao escolher uma profissão, religião ou irreligião, seu estado civil, etc., o indivíduo está definindo a sua identidade determinada que o faz ser o que ele é e a partir dessa condição servil determinada.
Designa-se como identidade social a noção ou crença do indivíduo de pertencer a dadas categorias (Aristóteles), sendo que esta cognição está sempre acompanhada por uma componente afetiva - um sentimento mais ou menos forte de pertença. Cada indivíduo tem uma variedade de identidades sociais que habitualmente se apresentam de maneira estruturada. O conceito da identidade social parte da constatação de que o indivíduo enquadra, mais ou menos automaticamente, as outras pessoas e a si próprio nas mais variadas categorias de classificação - p.ex. europeu, mulher, educado, conservador, desportivo. Os critérios de classificação podem ser objetivos e manifestos, mas também podem ser resultados do pensamento social do indivíduo. A teoria correspondente é a da “self-classification”. A teoria da identidade social foi inicialmente formulada pelos psicólogos sociais Henri Tajfel e John Turner, encontrando-se num processo de reelaboração contínua. A sua principal área de aplicação é a das relações intergrupais, mas que não trataremos agora.
Em filosofia, a questão da identidade pessoal diz respeito às condições sob as quais uma pessoa em um momento é a mesma pessoa em outro momento. Uma análise da identidade pessoal fornece um conjunto de condições necessárias e suficientes para a identidade da pessoa através do tempo. Na filosofia moderna da mente, esse conceito de identidade pessoal é por vezes referido como o problema diacrônico da identidade pessoal. O problema sincrônico é fundamentado na questão de quais características ou traços caracterizam uma determinada pessoa em certo tempo. Existem algumas teorias importantes sobre a resolução do problema. Dualismo é a teoria de que a mente e o corpo são duas substâncias distintas, e monismo é a teoria de que mente e corpo são, na realidade, apenas uma substância. Materialistas monista (também chamado de fisicalistas) consideram que ambos são matéria, e idealistas monistas entendem que ambos estão na mente. Monistas neutros consideram que ambos são redutíveis a uma terceira substância neutra.
No filme: “Identidade Bourne” (“The Bourne Identity”, EUA, República Tcheca, 1h 59min), por exemplo, após ficar à beira da morte, por ter sido baleado, um desconhecido (Matt Damon) acorda sem memória em uma costa do Mar Mediterrâneo. Ele consegue se recuperar, com a ajuda de um médico aposentado, mas tem como única pista de sua identidade um chip que estava implantado em seu quadril, onde estava gravado o número da conta de um banco de Zurique, na Suíça. No cofre deste banco suíço ele descobre que se chama Jason Bourne e que mora em Paris, mas também acha alguns passaportes falsos (com sua fotografia, mas cada um com um nome diferente), uma arma e uma grande quantia em dinheiro. No entanto logo é perseguido, sem entender por qual razão, e demonstra possuir diversas habilidades em autodefesa e luta, além de saber vários idiomas. Ele oferece US$ 20 mil para Marie Helena Kreutz (Franka Potente), que está em dificuldades financeiras, para levá-lo até Paris. Após relutar ela concorda, pois precisa do dinheiro. Mas eles não poderiam imaginar o que o futuro lhes reservava. A sequência do filme, The Bourne Supremacy, foi lançada em 2004, e a terceira parte, The Bourne Ultimatum, foi lançada em 2007.
Desnecessário dizer que Dante Moreira Leite, no ensaio O Caráter nacional brasileiro, tornou-se um texto clássico para aqueles que buscam discutir o que é e qual é a identidade brasileira, envereda pela complexa busca das raízes do caráter nacional. Debruça-se, portanto sobre o pensamento, entre outros de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Texto clássico da psicologia social nacional, este livro é uma busca do que significa ser brasileiro. Para isso, Dante Moreira Leite mostra a fragilidade de qualquer estereótipo e se aventura pelos caminhos das raízes do caráter nacional. Estuda os textos iniciais da fase colonial, a literatura do romantismo, o cientificismo de Sílvio Romero, a originalidade de Euclides da Cunha e numerosos outros autores, como Nina Rodrigues, Manuel Bonfim, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior. A partir dessas referências, conclui que as ideologias existentes ligadas à definição do caráter nacional brasileiro geralmente não representam a autêntica tomada de consciência de uma nação, mas obstáculos para que um povo se torne livre de preconceitos. Isto é importante e referenda a atualidade do ensaísta.
Para o que nos interessa, e partindo de tal pressuposto, admitimos provisoriamente o caráter autoritário da política cearense, na medida em que tem como desprezo a igualdade de oportunidades, a liberdade de expressão e pensamento no meio acadêmico e, porque não admitir na sociedade em geral. A palavra meritocracia provavelmente tenha aparecido pela primeira vez no livro de Michael Young, “Rise of the Meritocracy” (1958), um opúsculo de 180 páginas. Tudo isso se inverte nas economias da Terceira Onda, na expressão Alvin Toffler, escritor e futurista norte-americano, conhecido pelos seus escritos sobre a chamada “revolução digital”, a “revolução das comunicações” e a “singularidade tecnológica”, nas quais o conhecimento é a principal forma de capital. Ora, os testes de QI surgiram na China, e começaram realmente a ficar conhecidos e utilizados como uma fonte importante no século XX, na França. Young utilizou a palavra “mérito” num sentido pejorativo, mas mérito significa “habilidade, inteligência e esforço”, embora haja arbitrariedade nas suas formas de escolha racional.
A meritocracia está associada ao “Estado burocrático”, para lembramos de Max Weber, sine ira et studio, sendo “a forma pela qual os funcionários estatais são selecionados para seus postos de acordo com sua capacidade em serem aprovados através de concursos públicos de provas e títulos”. Ou ainda - associação mais comum - aos exames de ingresso ou avaliação nas escolas e universidades, nos quais não há discriminação entre os alunos quanto ao conteúdo das perguntas ou temas propostos. Assim, meritocracia também indica “posições” ou “colocações” conseguidas por “mérito pessoal”. Um modelo de meritocracia é dado por um método “no qual o que é considerado como sendo verdade é justamente definido pelo mérito”. Os principais argumentos da meritocracia são: a) é que ela proporciona maior justiça do que outros sistemas hierárquicos, uma vez que as distinções não se dão por sexo ou raça, nem por riqueza ou “posição social”, entre outros fatores biológicos ou culturais, nem mesmo em termos de “discriminação positiva”. Portanto, b) a meritocracia através da “competição entre os indivíduos”, estimula assim, o aumento da produtividade e eficiência. Governos e organismos meritocráticos aparentemente enfatizam “talento, educação formal e competência”, em lugar de diferenças existentes, tais como estratificação social, classe social, relações de parentesco, etnia, ou sexo.
Antítese: “o silêncio, ou melhor, a prudência com que as teorias unitárias cercam a genealogia dos saberes seria talvez uma razão para continuar. Poderíamos multiplicar os fragmentos genealógicos. Mas seria otimista, tratando-se de uma batalha dos saberes contra os efeitos de poder do discurso científico - tomar o silêncio do adversário como a prova de que lhe metemos medo. O silêncio do adversário - este é um princípio metodológico, um princípio tático que se deve sempre ter em mente - talvez seja também o sinal de que nós de modo algum lhe metemos medo. Em todo caso, deveríamos agir como se não lhe metêssemos medo. Trata-se, portanto não de dar um fundamento teórico contínuo e sólido a todas as genealogias dispersas, nem de impor uma espécie de coroamento teórico que as unificaria, mas de precisar ou evidenciar o problema que está em jogo nesta oposição, nesta luta, nesta insurreição dos saberes contra a instituição e os efeitos de poder e de saber do discurso científico” (cf. Foucault, 1971; 1973; 1979; 1984:173-74, grifos meus).  
O Diário do Nordeste, incluído no Sistema Verdes Mares de Comunicação pertencente ao Grupo Edson Queiroz, teve sua primeira publicação em 19 de dezembro de 1981, tendo como diretor geral, Ednilton Gomes de Soares; diretor superintendente, Pádua Lopes; diretor comercial, Francisco Ribeiro; diretor industrial, A. Capibaribe Neto e como editor, Francisco Bilas. Em seu projeto inicial contava com uma estrutura montada com oficinas modernas, instalações funcionais, serviços radiotelegráficos e de radiofoto. Obtinha as noticias nacionais e internacionais das agências O Estado, AJB, Globo, EBN, UPI, AP, Sport Press e correspondentes. Nos quatro primeiros anos já havia conquistado os seguintes prêmios: Placa de Prata (1982), Prêmio Esso (1983) e Troféu Mérito Lojista (1985).
No editorial de seu primeiro número, intitulado “Compromisso de luta”, ressaltava:
os problemas econômicos do país, destacando a inflação, o déficit do balanço de pagamentos, a dívida externa e interna; mas que: ´confiamos na superação desses obstáculos, por meio da intensificação da exploração de nossas riquezas`. A riqueza a que o jornal se refere diz respeito aos recursos naturais da região e sua potencialidade econômica. Essa proposta apresenta-se oportuna para um grupo empresarial que tem na utilização dessas riquezas a possibilidade de expansão, com isso, propunha a mobilização de lideranças políticas e empresariais do Nordeste em função do ajustamento das atividades econômicas ao melhor rendimento em termos de produção, comercialização e consumo” (cf. Brilhante, 2010).
            A legalidade imanente de tal progresso parece produzir as coações materiais pelas quais se deve pautar uma política que se submete às necessidades funcionais. E quando esta aparência se impôs com eficácia, então, referência propagandista ao papel da técnica e da ciência pode explicar e legitimar porque é que, nas sociedades modernas, uma formação “democrática da vontade política” perdeu as suas funções em relação às questões políticas e “deve” ser substituída por decisões plebiscitárias acerca de equipes alternativas de administradores. Daí que o conceito abstrato de propriedade da burguesia suprimiu a antiga concretização do conhecimento. Portanto, a abstração das relações humanas sob o capitalismo, que é constantemente enfatizada por Marx, e é claro depois dele, certamente por Emile Durkheim, quando afirma “o nosso método não tem, portanto, nada de revolucionário. É até, num certo sentido, essencialmente conservador, uma vez que considera os fatos sociais como coisas cuja natureza, por mais elástica e maleável que seja não é, no entanto, modificável à nossa vontade”, quer dizer, foi originalmente uma descoberta dos observadores do campo conservador por que são reativos.
O fundamental, para sermos breves, é que essa insistência sobre o “concreto”, ou antiga concretização do conhecimento, é um sintoma do fato de que o conservadorismo conhece os processos históricos em termos de relações e situações que existem apenas como “restos do passado”, e do fato de que os impulsos em direção à ação, que brotam dessa maneira de se conhecer a história, são também centradas sobre relações passadas que ainda sobrevivem no presente, daí a ideia comteana de que “os mortos tolhem os vivos” (“le mort saisit le vif”). Ipso facto o pensamento conservador autêntico tem sua relevância e dignidade baseada em algo mais do que mera especulação baseada no fato de que as atitudes vistas desse tipo ainda sobrevivem em vários setores da sociedade, posto que desde Honoré de Balzac, na literatura, e Karl Marx na filosofia política, temos que para o primeiro, “todo dinheiro é sujo por definição”, mas para o segundo, hinc et nunc, “todo Estado é corrupto”. Ou, ainda na genealogia sobre o poder em Michel Foucault, para quem o Estado produz efeitos de poder político.
Enfim, é esse mesmo Foucault que os adverte quanto à definição do trabalho que é preciso realizar sobre si mesmo, certa modificação: através dos exercícios de abstinência e de domínio que constituem a askesis necessária, o lugar atribuído ao conhecimento de si torna-se mais importante: a tarefa de se por à prova, de se examinar, de controlar-se numa série de exercícios bem definidos, coloca a questão da verdade - da verdade do que se é, do que se faz e do que se é capaz de fazer - no cerne da constituição do sujeito moral. E finalmente, “o ponto de chegada dessa elaboração é ainda e sempre definido pela soberania do indivíduo sobre si mesmo; mas essa soberania amplia-se numa experiência onde a relação consigo assume a forma, não somente de uma dominação mas de um gozo sem desejo e sem perturbação”. Bibliografia geral consultada:
It`s  all True, é o filme inacabado de Orson Welles e sua passagem por Fortaleza em 1942; ADORNO, Theodor W., Gesammelte Schriften. Frankffurt/Main, Suhrkamp, 1972; XAVIER, Uribam, “O fracasso do alinhamento político no Ceará”. Disponível no site: http://blog.opovo.com.br/blogdoeliomar/o-fracasso-do-alinhamento-politico-no-ceara/; Artigo: “Bill Clinton na UNIFOR”. In: Diário do Nordeste, 27 de agosto de 2012; ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz, “A Pastoral do Silêncio: Michel Foucault e a dialética revelar e silenciar no discurso cristão”. In: Bagoas: Revista de Estudos Gays, v. 6, pp. 69-89, 2011; Idem, “Amores que não têm tempo: Michel Foucault e as reflexões acerca de uma estética da existência homossexual”. Revista Aulas (UNICAMP), v. 07, pp. 41-58, 2010; Idem, “Mãos Negras, Mentes Gregas: as narrativas de Luís da Câmara Cascudo sobre as religiões afro-brasileiras”. In: Esboços (UFSC), v. 17-23, pp. 09-30, 2010; Idem, “O Objeto em Fuga: algumas reflexões em torno do conceito de região”. In: Fronteiras (Campo Grande), v. 10/17, p. 55-67, 2008; Idem, “De Fogo Morto: mudança social e crise dos padrões tradicionais de masculinidade no Nordeste no começo do século XX”. In: História Revista (UFG): Goiania, v. 10, n.1, pp. 153-181, 2005; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Tusquets, 1973; Idem, A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1979; Idem, “Genealogia e Poder”. In: Microfísica do Poder. 4ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1984; METZELTIN, Michael, Wege zur Europäischen Identität. Individuelle nationalstaatliche und supranationale Identitätskonstrukte. Berlin: Frank & Timme, 2010; PÉCAULT, Daniel, Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo, Editora Ática, 1990; CHAUÏ, Marilena de Souza, “Ideologia e educação”. In: Educação e Sociedade. São Paulo, nº 05, 1980, pp. 24-40; PARENTE, Josênio C., A fé e a razão na política: conservadorismo e modernidade das elites cearenses. Fortaleza: Edições UFC, 2000; MUNIZ, Altemar da Costa, “Trajetórias de Vida, Espaços de Sociabilidade e Projeto Político da Burguesia ´Mudancista` Cearense” (1978-1986). Tese de Doutorado em História Social: IFCS/UFRJ, 2007; 308 páginas; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A ´obesidade mental` da meritocracia no Brasil”. Disponível no site: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2011/12/obesidade-mental-da-meritocracia-no.html; LACLAU, Ernesto, Política e Ideologia na Teoria Marxista: capitalismo, fascismo e populismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, entre outros. 

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