quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Dominguinhos, um sanfoneiro singular - do baião ao jazz

Ubiracy de Souza Braga*

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Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará.


Eu, com 9 anos, conheci um moço sem saber que era Luiz Gonzaga, no Hotel Tavares Gouveia”. Dominguinhos  
         

Escólio: José Domingos de Morais nasceu em Garanhuns, no dia 12 de fevereiro de 1941 e faleceu em São Paulo, em 23 de julho de 2013. Conhecido como Dominguinhos, foi um instrumentista, cantor e compositor brasileiro. Exímio sanfoneiro teve como mestres nomes como Luiz Gonzaga e Orlando Silveira. Na região Nordeste do Brasil, o acordeão é popularmente denominado sanfona, embora este termo designe originalmente um instrumento musical de cordas muito tensas, similar à rabeca.Em sua formação musical, Dominguinhosrecebeu influências do baião, bossa nova, choro, forró, xote e jazz.Em 1950, aos nove anos de idade, conheceu Luiz Gonzaga quando tocava na porta do hotel em que este estava hospedado. Luiz Gonzaga se impressionou com a desenvoltura do menino e o convidou a ir ao Rio de Janeiro.A sua integração à equipe de músicos de Luís Gonzaga fez com que ganhasse reputação como músico e arranjador e ele aproximou-se de músicos do movimento bossa nova. Fez trabalhos junto a inúmeros músicos de renome, como Gilberto Gil, Maria Bethânia, Elba Ramalho e Toquinho, e eventualmente acabou por consolidar uma carreira musical própria, englobando gêneros musicais diversos como bossa nova, jazz e pop.
            Desnecessário dizer que a “Bossa Nova” é considerada um subgênero musical, antropologicamente falando, derivado do samba e com forte influência do jazz estadunidense, surgido no final da década de 1950 no Rio de Janeiro. De início, o termo era apenas relativo a um novo “modo de cantar” e “tocar samba” naquela época, ou seja, a uma reformulação “estética dentro do moderno samba carioca urbano”. Com o passar dos anos, a Bossa Nova tornar-se-ia um dos movimentos mais influentes da história cultural da música popular brasileira, conhecido em todo o mundo e, especialmente, associado a João Gilberto, Nara Leão, Vinicius de Moraes, Antônio Carlos Jobim, Baden Powell e Luiz Bonfá e outros.A palavra “bossa” apareceu pela primeira vez na década de 1930, em “Coisas Novas”, samba do popular cantor Noel Rosa: O samba, a prontidão/e outras bossas,/são nossas coisas (...). A expressão bossa nova passou a ser utilizado também na década seguinte para aqueles “sambas de breque”, baseado no talento de improvisar paradas súbitas durante a música para encaixar falas.
Alguns críticos musicais destacam certa influência que a cultura norte-americana do Pós-Guerra, de músicos como Stan Kenton, combinada ao impressionismo erudito, de Debussy e Ravel, teve na bossa nova, especialmente do cool jazz e bebop. Embora tenha pouca influência de música estrangeira como o Jazz, a Bossa Nova possui elementos de samba sincopado. Além disso, havia um fundamental inconformismo com o formato musical de época. Os cantores Dick Farney e Lúcio Alves, que fizeram sucesso nos anos da década de 1950 com um jeito suave e minimalista (em oposição a cantores de grande potência sonora) também são considerados influências positivas sobre os garotos que fizeram a Bossa Nova. Um embrião do movimento, já na década de 1950, eram as reuniões casuais, frutos de encontros de um grupo de músicos da classe média carioca em apartamentos da zona sul, como o de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Nestes encontros, cada vez mais frequentes, a partir de 1957, um grupo se reunia para fazer e ouvir música. Dentre os participantes estavam novos compositores da música brasileira, como Billy Blanco, Carlos Lyra, Roberto Menescal e Sérgio Ricardo, entre outros. O grupo foi aumentando, abraçando também Chico Feitosa, João Gilberto, Luiz Carlos Vinhas, Ronaldo Bôscoli, entre outros.
Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu numa sexta-feira no dia 13 de dezembro de 1912, numa casa de barro batido na Fazenda Caiçara, povoado do Araripe, a 12 km de Exu (extremo oeste do estado de Pernambuco, a 610 km do Recife, a 69 km de Crato e a 80 km de Juazeiro do Norte, (Ceará), segundo filho de Ana Batista de Jesus (‘Mãe Santana’) e oitavo de Januário José dos Santos. O padre José Fernandes de Medeiros o batizou na matriz de Exu em 5 de janeiro de 1913. Deveria ter o mesmo nome do pai, mas na madrugada em que nasceu seu pai foi para o terreiro da casa, viu uma estrela cadente e mudou de ideia. Era o dia de São Luís Gonzaga no mês do Natal, o que explica a adoção do sobrenome Nascimento. O lugar natal é no sopé da Serra do Araripe, e inspiraria uma de suas primeiras composições, “Pé de Serra”. Seu pai trabalhava na roça, num latifúndio, e nas horas vagas tocava acordeão; também consertava o instrumento. Foi na década de 1940 que o baião tornou-se popular, através dos músicos Luiz Gonzaga (conhecido como o “rei do baião”) e Humberto Teixeira (“o doutor do baião”). O baião utiliza muito os seguintes instrumentos musicais: viola caipira, sanfona, triângulo, flauta doce e acordeom. Os sons destes instrumentos são intercalados ao canto. A temática do baião é o cotidiano dos nordestinos e as dificuldades da vida. O baião recebeu, na sua origem, influências das modas de viola, música caipira e também de danças indígenas.


                        Reportagem do Diário de Pernambuco (1957).
Foi com ele que Luiz aprendeu a tocá-lo. Não era adolescente ainda quando passou a se apresentar em bailes, forrós e feiras, de início acompanhando seu pai. Autêntico representante da cultura nordestina manteve-se fiel às suas origens mesmo seguindo carreira musical no sudeste do Brasil. O gênero musical que o consagrou foi o baião. A canção emblemática de sua carreira foi “Asa Branca”, composta em 1947 em parceria com o advogado cearense Humberto Teixeira. Antes dos dezoito anos Luiz teve sua primeira paixão: Nazarena, uma moça da região. Foi rejeitado pelo pai dela, o coronel Raimundo Deolindo, que não o queria para genro e ameaçou-o de morte. Mesmo assim Luiz e Nazarena namoraram algum tempo escondidos e planejavam o futuro. Januário e Santana lhe deram uma surra ao descobrirem que ele se envolveu com a moça. Revoltado por não poder casar-se com a moça, e por não querer morrer nas mãos do pai dela, Luiz Gonzaga fugiu de casa e ingressou no exército no Crato (Ceará). Durante nove anos viajou por vários estados brasileiros, como soldado, sem dar notícias à família. Não teve mais nenhuma namorada.

            Dominguinhos interessou-se por música desde cedo, começando a aprender sanfona com seis anos de idade, quando ganhou um pequeno acordeão de oito baixos e chegou a se apresentar em feiras livres e portas de hotéis em troca de algum dinheiro junto com seus dois irmãos, com quem formava o trio Os Três Pingüins.Oriundo de família humilde, seu pai, mestre Chicão, era um conhecido sanfoneiro e afinador de sanfonas. Disciplinado, praticava o instrumento por horas a fio, e logo se tornou proficiente nas sanfonas de 48, 80 e 120 baixos, e acabou “por tornar-se músico profissional ainda garoto”. Em 1950, aos nove anos de idade, conheceu Luiz Gonzaga quando tocava na porta do hotel em que este estava hospedado. Luiz Gonzaga (foto) se impressionou com a desenvoltura do menino e o convidou a ir ao Rio de Janeiro. Foi no dia 13 de dezembro de 1956, durante a comemoração do aniversário do Rei do Baião.Dominguinhos o fez em 1954, então com treze anos de idade, acompanhado do pai e dos dois irmãos, indo morar no município de Nilópolis, no estado do Rio de Janeiro, berço doGrêmio Recreativo Escola de Samba Beija-Flor, Baixada Fluminense. Por vezes é chamada informalmente de Beija-Flor de Nilópolis, numa referência à sua cidade de origem, porém esta denominação não é oficial.          Dominguinhos tinha apenas 16 anos quando Luiz Gonzaga o apresentou como seu herdeiro musical.

                                   
Ao encontrar-se com Luiz Gonzaga no Rio (foto), este lhe deu de presente uma sanfona e o integrou à sua equipe de músicos, e Dominguinhos passou a fazer shows pelo Brasil e participar de gravações. Em uma dessas viagens, em 1967, conhece a cantora de forró Anastácia, nome artístico de Lucinete Ferreira, com quem se casa e forma uma parceria artística que duraria onze anos. Dominguinhos já tinha um filho, Mauro, nascido em 1960 de seu primeiro casamento. Em 1976, Dominguinhos conhece a também cantora Guadalupe Mendonça, seu terceiro casamento, do qual nasceria uma filha, Liv. Separaram-se, mas mesmo após a separação, os dois mantiveram a amizade até a morte do cantor. A sua integração à equipe de músicos de Luís Gonzaga fez com que ganhasse reputação como músico e arranjador e ele aproximou-se de músicos do movimento bossa nova(cf. Braga, 2012). Fez trabalhos junto a inúmeros músicos de renome, como Gilberto Gil, Maria Bethânia, Elba Ramalho e Toquinho, e eventualmente acabou por consolidar uma carreira musical própria, englobando gêneros musicais diversos como bossa nova, jazz e pop.
Em primeiro lugar do ponto de vista técnico-metodológico, o acordeão, também chamado sanfona e gaita, é um instrumento musical aerofone de origem alemã, composto por um fole, um diapasão e duas caixas harmónicas de madeira. “Acordeão” e a corruptela acordeom vêm do alemão akkordium, pelo francês accordéon. Já “Sanfona” vem do grego symphonía, pelo latim symphonia e pelo latim vulgar sumphonia. Na história social da música o cheng é “o precursor do harmônio e do acordeão, pois foi o primeiro a ser idealizado e construído na família dos instrumentos de palheta”. De acordo com a região que era usada, o cheng recebia nomes diferentes: “schonofouye”, “hounofouye”, “tcheng”, “cheng”, “khen”, “tamkim”, “yu”, “tchao” e “ho”. De acordo com o padre jesuíta Amiot, o cheng foi levado da China para São Petersburgo, na Rússia, onde Kratzenstein, na verdade ChristienTheophile, doutor em filosofia, em medicina e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Copenhague, nascido em Wernigerode, na Prússia, em 1723, examinou o instrumento e verificou “que o seu agente sonoro era uma lâmina de metal que vibrava por meio do sopro, produzindo sons graves e agudos”.
Em seguida ele sugeriu que Kirschnik aplicasse, nos tubos dos órgãos de sua fabricação, esta lâmina livre de metal, o que foi feito em 1780. Da Rússia, passou para a Europa, tendo a Alemanha tomado grande interesse, sobretudo nos instrumentos de órgão. Foi daí que ChristienFriederich Ludwig Buschmann, fabricante de instrumentos, teve a ideia de reunir várias lâminas afinadas e fixadas numa placa formando uma escala cujos sons se faziam ouvir passando rapidamente através do sopro, isto em 1822. Mais tarde, ele transformou esta pequena placa num instrumento musical para brinquedo de criança, tocado com as duas mãos, ao qual deu o nome de “handaolina” ou “harmônica de mão”. Para tanto, aumentou o número de palhetas de metal e o tamanho do aparelho, anexando- lhe um pequeno fole e uma série de botões. Este instrumento, depois, segundo a história, foi aperfeiçoado por Koechel e, 7 anos mais tarde, o austríaco Cirilo Demian construiu, em Viena, um instrumento rudimentar de palheta livre, teclado e fole, ao qual, em virtude de ter 4 botões na parte da mão esquerda que, ao serem tocados com os dedos afundados, “permitiam a obtenção do acorde, deu o nome de acordeão, nome que ficou definitivamente ligado ao instrumento através de inúmeros aperfeiçoamentos”.

Historicamente o sistema de palheta livre já havia sido aperfeiçoado por Grenié em 1810, na França, sendo rico em sonoridade e dando origem ao órgão. O francês Pinsonat empregou o mesmo sistema no alamiré ou diapasão tubular que veio a chamar-se “tipófono” ou “tipótono” e do qual se originou a gaita de boca, cuja invenção se deve a Eschenbach. A gaita de boca é um conjunto de palhetas metálicas como linguetas, dispostas cada uma em seu caixilho e vibradas pelo ar soprado pela boca. Na França, o acordeão foi aperfeiçoado em 1837 por C. Buffet. Segundo todos os tratados sobre o assunto, o acordeão nada mais é do que o aperfeiçoamento de diversos instrumentos do mesmo gênero, como o “oeline de Eschenbach”, o “aerophone de Christian Dietz”, “a physarmónica de Hackel” etc., tomando, desde esta data, sua forma definitiva, seu desenvolvimento concreto mais rico e seus variados registros para mudança de intensidade e timbre do som.
Mais tarde, com a escala cromática, o acordeão pôde produzir qualquer melodia ou harmonia e inúmeros fabricantes o aperfeiçoaram colocando registros, tanto na mão direita com na esquerda, para maior variedade de sons. Contudo, vale lembrar que é na Itália que se fabricam os melhores acordeões, tendo sido os primeiros construídos em 1863 em Castelfidardo, em Ancona, surgindo depois Paolo Soprani e Stradella-Dellapé. Nos Estados Unidos, há diversas fábricas, sendo a marca Excelsior a mais famosa. Na Alemanha, foi construído o primeiro acordeão em 1822, em Berlim. Vem desse país a marca Hohner.No Brasil, também tiveram grande destaque os acordeões Todeschini, da cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Mesmo com uma interrupção na fabricação de mais de 30 anos, os acordeões desta marca continuam tendo preferência nacional por ter um som inconfundível. Ao longo de sua história, a Todeschini produziu mais de 170 000 acordeões. A qualidade dos produtos era tão grande que a Todeschini passou a fabricar acordeões para a marca Hohner. Estes eram exportados para os Estados Unidos.
Ainda no Brasil, uma família importante na história do Acordeon são os Bertussi. Através da sua música de grande qualidade, os Irmãos Bertussi (Adelar e Honeide), eram consultados para dar suas opiniões na confecção dos Acordeons Todeschini. É possível conhecer esta história através do memorial localizado no Rio Grande do Sul, onde se encontra aberto à visitação pública, anexo tem a casa histórica da família Bertussi. Os “Irmãos Bertussi” marcaram a época na música Brasileira a partir de 1955, porém a saga desta família Italiana atravessa todo o século XX na música do Rio Grande do Sul, iniciando-se com a chegada de João Bertussi Filho (pai de FioravanteBertussi) na leva de imigrantes XIX. Estabelecidos na região serrana, “Os Bertussi” difundiram instrumentos musicais (especialmente a gaita) através de seu entreposto comercial. Criaram uma escola musical baseada na técnica apurada e na leitura musical.
Talvez a cultura gaúcha nem possa dimensionar ainda a influência e real importância dos “Bertussi”, mas, eles representam diretamente a ascendência Italiana na sociedade gaúcha do século XX e todos os seus significados. “Os Bertussi” infundem uma escola musical de baile, com música apropriada para a dança e a alegria característica do povo Italiano.Somando a isso, ainda há que se frisar o aspecto importante do espírito inovador destes músicos.A primeira grande revolução que causaram foi a de utilizar dois acordeons ao invés da costumeira dupla violão/acordeom.Isto só foi possível, porque Adelar e Honeide eram exímios instrumentistas e escreviam as partituras rearranjando os temas de modo que os instrumentos se completassem. Era como um só acordeom tocando a quatro mãos. Anos depois, já no início dos anos 1950, Incorporaram a bateria ao baile gaúcho.
Bateria era, então, um instrumento utilizado pelos jazzistas e havia entrado no Rio Grande do Sul a partir de 1924. “Os Bertussi” sabiam o que queriam.Na época não existiam equipamentos de som: microfones, amplificadores e caixas de som são coisas dos anos 1960. Precisavam de volume, de potência sonora para os bailes cada vez maiores. Assim é que “Os Bertussi” estiveram na linha de frente da música ao gravar temas eruditos em acordeom para o mercado nacional e ao revolucionar a execução musical dentro do estado. Esta saga vitoriosa cruza todo o século XX e adentra o século XXI.Adelar e seu irmão foram os pioneiros da música tradicionalista gaúcha, e também foi o primeiro grupo a incluir a bateria em bailes, fato inédito, porque na época os artistas se apresentavam nos bailes com um pandeiro, uma gaita, um violão e um bumbo legüero.Hoje Adelar apresenta-se em shows pelo Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Na véspera de viajar para Exu, a fim de participar das comemorações pelo centenário de Luiz Gonzaga, Dominguinhos foi tomado de uma imensa angústia. Estava debilitado, depois de mais uma sessão de quimioterapia. Estava chorando quando chamou a mulher, a cantora Guadalupe, para conversar. Ela lhe disse que ele podia celebrar Luiz Gonzaga no show que aconteceria no Parque Dona Lindu, não precisava fazer a cansativa viagem ao sertão, de carro, já que Dominguinhos, há anos, não viaja de avião: “Eu disse que ele não podia ir. Ele teimou e foi dois dias antes, como se temesse ficar impossibilitado de ir. Acho que ele sabia que ia ter consequência. Porém criaram muita expectativa em torno dele, como principal herdeiro de Luiz Gonzaga. Ele pagou pra ver, e o preço foi alto”. O comentário é da cantora Guadalupe Mendonça, que convive com Dominguinhos há 37 anos, e com quem teve a também cantora Liv Moraes. Ela e Dominguinhos se casaram, e se separaram, mas amizade continuou. Ela e a filha acompanham o drama do artista muito antes de se tornar público que ele estava acometido de um câncer no pulmão: “Diziam que ele não duraria seis meses, e já se passaram seis meses. A gente, eu e Liv, acompanhava, monitorando de longe. Quando viajava, eles ligavam pelo menos quatro vezes por dia. Mas não tem sido fácil. Passei a tomar antidepressivo”, revela Guadalupe.
Os dois se conheceram no Rio, no final dos anos 1970, mas Guadalupe confessa “que se apaixonou por Dominguinhos a primeira vez que o viu no palco”, num show de Nara Leão: “Eu estava prestes a sair do Brasil, tinha sido contratada por um produtor inglês para dançar no Molin Rouge, em Paris. Mas quando começou o show, uma das músicas foi Folhetim, que não havia ainda sido gravada, comecei a chorar. Comecei a me dizer que não podia sair do Brasil, que precisava daquilo. Quando terminou o show sai correndo feito uma louca para o camarim. Queria falar com. Pedi para me apresentaram o sanfoneiro”. A facilidade de chegar ao camarim, porque ele foi com o tio, o ator Luiz Mendonça, e quem produzia o show era o pernambucano Wellington Lima, na época então casado com Xuruca Pacheco, prima de Guadalupe. A primeira vez que ela viu Dominguinhos foi a Fazenda Nova, ainda adolescente. Ele tinha ido participar do primeiro festival de verão que aconteceu no teatro ao ar livre. Dominguinhos na época tocava com Gal Costa: “Os melhores momentos da minha vida aconteceram em Fazenda Nova. Comecei a fazer a Paixão de Cristo com quatro anos de idade”, conta Guadalupe (foto).

Foi o avô dela, Epaminondas Mendonça, líder político da região, que iniciou, com sua mulher, Sebastiana Mendonça, a Paixão de Cristo, em 1951. O filho dele, Luiz Mendonça, “foi o primeiro Cristo na encenação do drama sacro”. Mesmo com antecedentes na família, o pai de Guadalupe, o deputado Paulo Lucena de Mendonça, proibiu a filha de seguir a carreira artística: - “Sofri violência doméstica. Meu pai me proibia de pensar, de viver”, confessa Guadalupe. Mas não adiantou. No Recife, ela começou a participar de programas no Canal 2 (atual TV Jornal). Quando se tornou impossível continuar cantando, pelas imposições do pai, Guadalupe conta que, com 18 anos, fugiu para São Paulo: - “Conheci Marcio Fasano, quando ele veio ao Recife com a peça:“Computa, computador, computa”, de Millôr Fernandes. Fiquei hospedada na casa dos avós dele em São Paulo. Trabalhei como modelo, participei do musical:“Onde canta o sabiá”, com direção de Tânia Alves”, conta Guadalupe. Tânia Alves participou do grupo “Chegança, de Luiz Mendonça”.
De São Paulo ela foi para o Rio, morar na casa de Luiz Mendonça, ator com carreira estabelecida, e que incentivava a sobrinha: - “Comecei a ganhar dinheiro fazendo fotonovelas, tinha muito naquele tempo, Contigo, Capricho, Sétimo Céu. Minha tia, Diva, mandou uma carta para Daniel Filho, e passei a fazer pontas em novelas da rede Globo. A primeira de que participei foi Dancing days”. E aí veio o show com Dominguinhos e Nara Leão: - “Sai andando pelos corredores do teatro e, de repente, lá vem Dominguinhos caminhando em minha direção. Só nós dois. Ele perguntou se eu tinha gostado do show. Disse que estava apaixonada por ele. Fui para São Paulo, e não parava de pensar em Dominguinhos. Quando voltei para o Rio, encontrei por acaso, diante do Teatro Carlos Gomes, o zabumbeiro que tocava com ele. Mandei um beijo para Dominguinhos”.
O estado de coma do cantor, compositor e sanfoneiro pernambucano Dominguinhos é irreversível, segundo o filho dele, Mauro da Silva Moraes. Mauro confirmou, nesta sexta-feira, 17/07 que recebeu a informação do médico Paulo Marchiori, do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, no dia 25 de fevereiro. A família vinha mantendo a informação em sigilo, mas o filho resolveu falar. A família diz que retardou a divulgação da notícia para preservar o compositor. – “O médico me disse pessoalmente que o coma é irreversível. Estávamos tentando resguardar, estou respeitando muito meu pai, mas tem uma hora que você não aguenta”, disse Mauro, filho do primeiro casamento do músico. Os dedos de Seu Domingos se movem lentamente. Há meses estavam duros, em nada parecidos com aqueles que a diva do jazz Sara Vaughan beijou depois de vê-los incendiar as teclas de uma sanfona no Free Jazz Festival de 1987.
Nem de longe os mesmos que Luiz Gonzaga nomeou herdeiros legítimos de seu reinado. Ao sentir a mão da mulher Guadalupe (2013) tocar a sua, Dominguinhos a aperta forte. Sua reação mais comovente depois de oito enfartes, 23 minutos sem oxigenação no cérebro, uma traqueostomia, dois meses na UTI e desavenças familiares sobre seu próprio leito até parece milagre.A luta do maior músico da cultura nordestina, um dos mais geniais instrumentistas do País, se dá em um quarto do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Assim que foi diagnosticado com um câncer de pulmão, fez tratamentos de rádio e quimioterapia sem jamais falar sobre a doença com a imprensa. Sua incapacidade de dizer não, mesmo debilitado, o levou, em dezembro de 2012, até Exu, no interior de Pernambuco, para tocar nos 100 anos de nascimento de Luiz Gonzaga. Uma decisão difícil, tomada depois de uma noite de lágrimas como respostas às súplicas de Guadalupe. – “Eu dizia para ele não ir e ele só chorava. Ele nunca diz não”.
Como não entra em avião “nem sob tortura”, Dominguinhos saiu de carro de Recife para Exu. A cada dois quilômetros, ligava para dizer a Guadalupe como estava. Em uma ligação, reclamou de febre. – “Então volta, homem. Volta pelo amor de Deus”, ela implorou. Domingos foi até o fim e tocou já sentindo o pulmão fechar. Quatro dias depois, passou mal, foi internado e começou a lutar pela vida. Três rapazes chegaram quarta-feira do Recife só para ver Dominguinhos. Era um sonho conhecer o mestre. Guadalupe aceitou levá-los até o quarto. Enquanto Domingos dormia, ela contava sobre o dia em que o “trouxe de volta”. Guadalupe implorava para que o marido saísse de seu estado de inconsciência. – “Domingos, acorde. Sei que você está me ouvindo. Venha comigo homem, você consegue. Pegue nas mãos desse homem de branco a seu lado e venha...”. De repente, nas lembranças de Guadalupe, o sanfoneiro levou o tronco para frente e ergueu os braços. Quando tentou falar, percebeu que não podia e, então, sua expressão foi de pânico.
Guadalupe contava esta história quando percebeu que os rapazes não olhavam surpresos mais para ela, mas para Dominguinhos. Seu Domingos, notou a mulher, estava acordado e chorando. – “Ele ouviu o que eu disse e se emocionou”. Ela não chamou os médicos, só confortou o paciente.  - “Não desista, não deixe o que aconteceu hoje abalar você”. Antes dos três fãs chegarem do Recife para beijarem suas mãos, uma cena triste vivida sobre seu leito pela segunda vez deixou Dominguinhos visivelmente triste.Quem passou pelo hospital foi Mauro Moraes, filho do sanfoneiro e de Janete, sua primeira mulher. Mauro, 53 anos, não tem boas relações nem com Guadalupe, a segunda esposa de Domingos, nem com Liv, a filha do casal. Segundo testemunhas, Mauro chegou para visitar o pai quando se desentendeu com Márcio, o acompanhante que Guadalupe contratou para ficar o tempo todo ao lado de Dominguinhos. Mauro pediu para ficar a sós com o pai, mas Márcio se negou a deixar o quarto. Mauro então teria começado uma discussão acalorada com Márcio, pedindo privacidade e dizendo que ninguém teria o direito de fazer aquilo com ele. O clima esquentou e impropérios foram trocados.
Guadalupe não gosta de alimentar discussões, mas diz estar exausta das desavenças provocadas por Mauro. Em março, sites publicaram frases do rapaz dizendo que seu pai estava “em coma irreversível”, informação nunca confirmada pelo hospital. Dias depois, redes sociais multiplicavam o boato de que Dominguinhos havia morrido. – “Você imagina as pessoas me ligando dizendo que meu pai morreu”, conta Liv. “Quando disse que ele estava em coma irreversível, só repeti o que um médico disse para mim”. O Sírio Libanês não dá notícias que vão além de um boletim divulgado em 18 de março: - “Houve melhora do quadro cardiológico, respiratório e renal. Do ponto de vista neurológico, ele apresenta estado minimamente consciente, demonstrando discretos sinais de recuperação. O paciente permanece internado, sem previsão de alta”.  O coração de José Domingos de Moraes, 72 anos, “tem o tamanho do mundo e segue batendo no ritmo de um xote doído e comovente...”.
O cantor e compositor pernambucano Dominguinhos, conhecido como “rei da sanfona”, morreu às 18h, aos 72 anos, em decorrência de complicações infecciosas e cardíacas. Ele estava internado no hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Pouco depois da morte, vários artistas se manifestaram para lamentar a perda do músico.A cantora Ivete Sangalo postou no Instagram uma foto “em que aparece ao lado do sanfoneiro”. Na legenda, escreveu: - “Vá em paz, Dominguinhos. Sentirei saudade do seu sorriso, mas você é maravilhoso e nos deixou a sua música”.  Chico Buarque disse: “Muito triste. Perdi um amigo e um parceiro querido”. Também pelo Instagram, a cantora Roberta Miranda disse: “Minha homenagem ao nosso querido Dominguinhos!! Tive o prazer de homenagear com a música “Forrepeando”. Ele tocou sua linda Sanfona e sorriu muito na frase (mas pra tocar este fole com tanto carinho, tem que ser Dominguinhos ) #triste”.
A cantora Elba Ramalho postou: “Lá se vai, o meu amor, deixando uma grande saudade... Dominguinhos, eterno amor, amizade sincera!!”. Gal Costa postou “uma foto antiga ao lado do sanfoneiro” em sua conta no Instagram com a frase: “Saudades de Dominguinhos. Muita mesmo!”. O cantor Luciano, da dupla Zezé di Camargo e Luciano, postou uma foto com a legenda: “Descanse em paz, meu grande amigo”.Integrante da dupla Cesar Menotti e Fabiano,Cesar Menotti lamentou: “O povo triste e a cultura nacional infinitamente mais pobre. O Sanfoneiro Ouro partiu. #luto”. O apresentador Britto Jr. disse: “Meus sentimentos à família de Dominguinhos. O bailão não tem hora pra terminar lá no céu!”.O cantor Luan Santana escreveu: “Aonde quer que você vá Seja onde for Me leva, Me leva... Seja como for seu mundo Se você me leva eu vou...”. Deus levou um dos maiores nomes da história da nossa música! Descanse em paz Dominguinhos!”. O apresentador Rafael Cortez disse no Twitter: “Triste a morte de Dominguinhos. Mas me contento em saber q ele agora reencontra amigos saudosos no outro lado, onde chega amparado e querido”.
A cantora Preta Gil postou uma foto do cantor no Instagram com a mensagem: “Mestre dos mestres Dominguinhos, descanse em Paz!! #saudade". O cantor Falcão também se manifestou: "#Tristeza Partiu Dominguinhos. Vá com Deus, amigo!”. O cantor China escreveu no Twitter: “agora que o forró no céu vai ficar bom! voa, dominguinhos... voa!”. Paula Lima, cantora, disse: “Dominguinhos: Genialidade, Musicalidade, Serenidade, Elegância e Brasilidade! #DescanseEmPazDominguinhos”.O compositor de axé Tonho Matéria disse no Twitter: Mais um gênio se vai e deixa sua marca na mente do povo nordestino. #Adeus meu caro e amado mestre #Dominguinhos!". A cantora Karina Buhr postou: “DOMINGUINHOS, preciosidade dessa vida!! E das outras vidas...”. O cantorTatau da banda Araketu disse: - “Uma grande perda para a música brasileira! Descanse em paz Dominguinhos... “Sempre terá o meu respeito e admiração”. Entre os prêmios recentes que recebeu por sua obra, em 2002, foi vencedor do Grammy Latino com o disco “Chegando de Mansinho”. Em 2007, ganhou o prêmio TIM na categoria Melhor Cantor Regional pelo álbum: “Conterrâneos” (2006) e no ano de 2010 foi homenageado no Prêmio Shell de Música Brasileira, recebendo a premiação pelo conjunto da obra. Bibliografia geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de Souza, “Etta James: At Last. Ensaio de Etnomusicologia”. Disponível no site: http://estudosviquianos.blogspot.com.br/2012/03/; Idem, “Forró: Dança, rebolado, beleza e internacionalização do gênero”. Disponível em: http://httpestudosviquianosblogspotcom.dihitt.com/n/arte-cultura/2012/05/29/; Idem, “Jorge Ben Jor, 70 anos do Poeta da Simpatia”. Disponível no site: http://www.oreconcavo.com.br/2012/05/17; Idem, “Gilberto Gil, fruto de uma geração luminosa”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2012/06/29/; Idem, “Há 50 Anos o Mundo (en) Canta Garota de Ipanema”. Disponível no site: http://estudosviquianos.blogspot.com.br/2012/03/; Idem, “Jorge Mautner: memória do filho do caos”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2013/02/06/; CANTEL, Raymond, Les Prophetiesdanslalitteraturepopulaire du Nordeste. Caravelle. /Toulouse, (15), 1970; GUSDORF, George, La Palabra. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1971; HEGEL, G. W. F., Fenomenologia delloSpirito. Florença: La Nuova Itália, 1973, 2 volumes; Idem, “A Fenomenologia do Espírito” (Excerto). In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980;ENZENSBERGER, Hans Magnus, Palaver - PolitischeÜberlegungen (1967-1973).EditionSuhrkampVerlag Frankfurt amMain 1974;GERBER, Raquel, O Mito da Civilização Atlântica - Glauber Rocha e o cinema Novo, cinema e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; Artigo:“Dominguinhos, herdeiro fiel”. Disponível no site: http://www.millarch.org/artigo/; Luiz Gonzaga: Vozes do Brasil. São Paulo: Martin Claret, 1990; Ângelo, Assis, Eu Vou Contar pra Vocês. São Paulo: Ícone, 1990;MORIN, Edgar, La complexitéhumaine. Paris: ÉditionsFlammarion, 1994;AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral, Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996; Dominique,Vida do Viajante: A saga de Luiz Gonzaga. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 1997; EIZING, Barbara; VELOSO, Caetano, Tropical Truth: A Story of Music and Revolution in Brazil.Nova York: Da Capo Press, 2003; VENTURA, Thiago,MPB completa 20 anos sem Luiz Gonzaga (2009); BECKER, Howard S., Falando da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009; Artigo: “Guadalupe conta sua história com Dominguinhos”. Disponível no site: http://jconline.ne10.uol.com.br//2013/04/01/; Artigo: “Veja e leia reportagem de 1957 em que Luiz Gonzaga apresenta Dominguinhos como seu sucessor”. Disponível em: http://blogs.diariodepernambuco.com.br/play/; Artigo: “Sereno adeus a Dominguinhos, o discípulo maior de Gonzagão”. In: Fortaleza: Diário do Nordeste, 24 de julho de 2013, entre outros.






Um comentário:

  1. O hotel em que Dominguinhos (que ainda era conhecido como "Neném do acordeon") encontrou Luiz Gonzaga pela primeira vez, chamava-se "Tavares Correia" (não "Gouveia") e ainda existe em Garanhuns.
    Paulo Simões (editor da Wikipédia)

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