sábado, 17 de agosto de 2013

Origem, Memória e Significado das Humanidades no Ceará

Origem, Memória e Significado das Humanidades no Ceará.
Ubiracy de Souza Braga*


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Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE). 









Hamlet Meu pai... Como que o vejo aqui, meu pai. – Horácio: Onde, senhor? - Hamlet:“Nos olhos da memória”. William Shakespeare, Hamlet. Ato I, Cena II (2011).




Centro de Humanidades, Universidade Estadual do Ceará, Av. Luciano Carneiro, 335, bairro de Fátima, Fortaleza.
            Em torno do governador Manoel Inácio de Sampaio, por volta de 1813 a 1817, reuniam-se poetas que formavam os “Oiteiros”. A estética desse tempo era o Neoclassicismo, ou Arcadismo, e entre esses versejadores estavam Pacheco Espinosa, Costa Barros, Castro e Silva, e outros. Pelo fato de se terem guardado apenas textos de louvor ao governante, afinal, eram manuscritos que estavam no Palácio de governo, Silvio Júlio, em Terra e povo do Ceará (1936), disse horrores desses poetas. Mas Dolor Barreira, principalmente em sua História da literatura cearense (1948), compreendeu que, bem ou mal, os versos dos Oiteiros “representavam o alvorecer das letras em nossa Província”. Depois de um período um tanto incaracterístico, no que toca a estilos literários, veio Juvenal Galeno, em 1856, comPréludios poéticos, já românticos e com motivos do povo, o que viria com mais força em seu livro principal, Lendas e canções populares (1865), aparecido no mesmo ano em que, no Rio de Janeiro, José de Alencar publicava Iracemaque simbolizaria as terras alencarinas. Do ponto de vista da memória, objeto de nossa reflexão, a“Padaria espiritual” (1892 - 1898) foi tida por seus integrantes como uma Agremiação de Rapazes e Letras, e foi fundado em 30 de maio de 1892 em Fortaleza, nascida em um famoso quiosque da Praça do Ferreira, de 1892 em Fortaleza, o Café Java. Antônio Sales, idealizador e o responsável principal pela originalidade da agremiação, junto a Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Sabino Batista, Álvaro Martins Temístocles Machado e Tibúrcio de Freitas compunham o grupo dos que frequentavam o Café Java e dos Fundadores da Agremiação. Tinham por influência grandes nomes da literatura nacional e mundial. A cada domingo, um jornalzinho de oito páginas chamado “O Pão” era “amassado” e fez circular 36 números, até que em dezembro de 1898, depois de 6 anos de atividades, a Padaria fecha. Os títulos dos membros desta Academia “seguiam o padrão usado nas padarias reais”, do ponto de vista do processo de trabalho (Marx). Vejamos o que nos diz a pena do cantor, compositor e instrumentista Beto Guedes, membro do Clube de Esquina mineiro: “Sim, todo amor é sagrado/E o fruto do trabalho/É mais que sagrado/Meu amor/A massa que faz o pão/Vale a luz do teu suor/Lembra que o sono é sagrado/E alimenta de horizontes/O tempo acordado de viver” (cf. Beto Guedes, “Amor de Índio”, 1978).
Escólio: A Universidade Estadual do Ceará(UECE) é uma universidade pública mantida pela FUNECE - Fundação Universidade Estadual do Ceará, atualmente com mais de 23 mil alunos em todo o estado. É uma das maiores universidades do Ceará.É considerada a oitava melhor instituição estadual de ensino superior do Brasil e a primeira entre suas similares do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha,em 2012.Também é a única universidade brasileira citada no “Bright Green Book” (Livro Verde do Século XXI), uma parceria entre o EUBRA – Conselho Euro-Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável e a ONU-Habitat, o programa de assentamentos urbanos da Organização das Nações Unidas. Em 2012 a universidade ofereceu 2.205 vagas para 67 cursos de graduação para o período 2013.Criada com o objetivo de atender às necessidades de formação de professores da rede de ensino do Estado do Ceará, a Universidade Estadual do Ceará estruturou uma rede “multi-campi” em vários municípios do estado com Faculdades nos Municípios de Crato, Juazeiro do Norte, Iguatu, Quixadá, Limoeiro do Norte, Crateús, Ipu, Ubajara, Redenção e Cedro. 

Foto: O cotidiano de professores, funcionários e alunos no Centro de Humanidades da UECE (2013).
A vida cotidiana (cf. Heller, 1972; 1975; 1982a; 1982b) é a vida de todo homem, pois não há quem esteja fora dela, seja o culto e o inculto e do homem todo, na medida em que, nela, são postos em funcionamento todos os seus sentidos, as capacidades intelectuais e manipulativas, sentimentos e paixões, ideiase ideologias. Em outras palavras, é a vida do indivíduo e o indivíduo é sempre ser particular e ser genérico, por exemplo, as pessoas trabalham - uma atividade do gênero humano -, mas com motivações particulares; têm sentimentos e paixões -manifestações humanas egenéricas -, mas os manifestam de modo particular, referido ao eu e a serviço da satisfação de necessidades e da teleologia individuais; a individualidade contém, portanto, a particularidade e a genericidade ou o humano-genérico. Abstraída de seus determinantes sociais, toda vida cotidiana é heterogênea e hierárquica tanto quanto ao conteúdo e à importância atribuída às atividades, espontânea, no sentido de que, nela, as ações se dão automática e irrefletidamente, econômica, uma vez que, nela, pensamento e ação manifestam-se e funcionam somente na medida em que são indispensáveis à continuação da cotidianidade; portanto, as ideias necessárias à cotidianidade jamais se elevam ao nível da teoria, assim como a ação cotidiana não é práxis, baseia-se em juízos provisórios, é probabilística e recorre à ultra generalização e à imitação. É nesse marco que Heller teoriza sobre o pensamento e o trabalho, a ciência e a arte, os contatos interpessoais e a personalidade.
Todas essastendências são consideradas por Agnes Heller formas necessárias do pensamento e da ação na vida cotidiana; sem elas, seria impossível até mesmo a sobrevivência. No entanto, quando se cristalizam em absolutos, não deixando ao indivíduo margem de movimento e de possibilidade de explicitação, estamos diante da alienação da vida cotidiana. Pela coexistência e sucessão de atividades heterogêneas, a vida cotidiana é, de todas as esferas da realidade, a que mais se presta à alienação. Embora terreno propício à alienação, ela não é necessariamente alienada. Ou é em determinadas circunstâncias histórico-sociais, como é o caso da estruturação das sociedades industriais capitalistas. Nessas sociedades, o indivíduo da vida cotidiana é o indivíduo que realiza o trabalho que lhe cabe na divisão social do trabalho, produz e reproduz esta parte e perde de vista a dimensão humano-genérica. Assim sendo, perde de vista as condições de sua objetividade; ao alienar-se, torna-se particularidade, parcialidade, indivíduo preso a um fragmento do real, à tendência espontânea de orientar-se para seu eu particular.
                        

Dizer que a vida cotidiana é propícia ao preconceito, que a base antropológica dele é a particularidade e seu componente afetivo é a fé não significa afirmar que os sistemas de preconceitos sociais decorrem dos preconceitos do homem tomado isoladamente. A maioria de nossos preconceitos tem, na verdade, um caráter mediata ou imediatamente social: os assimilamos e os aplicamos, através de mediações, a casos concretos. A particularidade do homem está vinculada a sistemas de preconceitos pelo fato de que na sociedade predominam “sistemas de preconceitos sociais estereotipados e estereótipos de comportamentos carregados de preconceitos”. Em outras palavras, embora a vida cotidiana seja propícia à emergência de preconceitos, ela não os determina; sua origem deve ser procurada em outro lugar. Segundo Heller, os preconceitos têm a função de consolidar e manter a estabilidade e a coesão de integrações sociais, principalmente das classes sociais. Essa função de mantenedor da estabilidade e da coesão só é desempenhada quando estas estão internamente ameaçadas. Por isso, a maior parte dos preconceitos é produto das frações das classes dominantes, pois é a elas que interessa manter a coesão de uma estrutura social, conseguida em parte graças à mobilização, através de preconceitos, dos que representam interesses diversos ou até mesmo heterogêneos e antagônicos. Apoiadas no conservadorismo, no comodismo, no conformismo ou nos interesses imediatos dos integrantes das classes ou camadas sociais que lhes são antagônicas, as classes dominantes conseguem mobilizá-las contra os interesses de sua própria classe e contra a práxis, mas que não poderemos tratar agora.
Defendemos a tese segundo a qual o curso de Ciências Sociais pertence ao Centro de Humanidades desde a sua criação (cf. Jaeger, 1962; 1994).Seu deslocamento recente para o prédio do Centro de Estudos Sociais Aplicados, já estava sendo premeditado acerca de 2 anos no campus do bairro Itaperi, e se explica em função do egoísmo autoritário, se já não é um truísmo, de alguns professores oportunistas que tendo as suas atividades ligadas a Laboratórios,muitas vezes em detrimento das salas de aula, afinal de contas ensinar é um dom, forçaram em nome do coletivo de professores a ida onde se aloja o centro de poder da universidade – a Reitoria. Para concordarmos com o velho e bom antropólogoLucienLévy-Bruhl em 1922: “avant toutechose, soulignonsunparadoxequitraversetoutel’oeuvreetpeut-êtreladépasselargement. L’expression ´mentalitéprimitive`dont, onvient de leconstater, il ne revendiqueabsolumentpaslapaternité, est cependantirrémédiablementassociée à sonnom”.
O curso de Ciências Sociais, do Centro de Humanidades (CH), passa a funcionar, a partir deste semestre, no Campus do Itaperi, com base no Bloco R. Neste bloco situa-se o Centro de Estudos Sociais Aplicados o que já configura a dinâmica epigramática positivista de corte comteano constringindo a liberdade de expressão.Atualmente o CH tem como Diretora a professora Dra. Letícia Adriana Pires dos Santos (foto), oriunda do Departamento de Letras e o Vice-Diretor, professor Dr. Eduardo Jorge Oliveira Triandópolis (foto), oriundo do Departamento de Filosofia. A Coordenadora do curso de Ciências Sociais professora Dra. Maria Raquel de Carvalho Azevedo e a Vice Coordenadora, professora Dra.Rosangela Maria Costa Fernandes, encaminharam-se para o campus do Itaperi com bonomia e prestimosidade.
Caminham os homens, na época presente, de maneira bastante duvidosa, porque a maioria deles pretende somente aparentar, subir, galgar posições para depois abusarem dessas posições, abusarem dos direitos que possuem, e descem, moralmente, descem na sua honestidade, tornar-se-ão, enfim, criaturas indesejáveis. Não adianta subir assim. É preferível nunca ter subido, é preferível manter-se na sua posição de trabalhador social honesto, do que subir, galgar postos para deles fazer mau uso. É uma obsessão que vem dominando os seres: “a do mando”, ou do luxo, da riqueza, do quererem aquilo que os outros possuem. Invejar as posições altas, a riqueza dos outros é estar o ser a prejudicar-se, e nada mais. Em vez de invejarem, em vez de quererem usufruir fortuna, em vez de quererem posições para gozarem delas, saibam aumentar o seu quinhão, honestamente, por meio do trabalho, por meio do seu labor, do seu braço forte, rijo, mas sempre honesto e bom.
No Campus de Fátima, localizado na Avenida Luciano Carneiro, em Fortaleza, funciona o Centro de Humanidades, constituído com a implantação da UECE em 1975. Este Centro originou-se da antiga Faculdade de Filosofia do Ceará - FAFICE, que contava com os cursos de Filosofia e Letras em funcionamento desde 1947, ano de sua criação. Em 1966 a FAFICE foi encampada pelo Governo do Estado do Ceará e, em 1967 transformou-se em autarquia por meio da Lei nº 8.737, de 25 de janeiro de 1967. O primeiro diretor do CH, nomeado quando da criação da UECE foi o Professor Luiz Moreira.Atualmente o CH que possui sete cursos de graduação, sendo na modalidade presencial: Filosofia, Letras, Música e Psicologia e um de Artes Plásticas, na modalidade à distância.O curso de Ciências Sociais escafedeu-se.
O Secretário Geral do CH, Sérgio Augusto Lima Leitão,Prefeito: Ivan Leite Braga, Secretaria Executiva,Deborah Barbosa, permanecem no Centro de Humanidades, assim como a eficiente secretária Suzana. A Universidade Estadual do Ceará (UECE) festeja neste ano de 2013, os 25 anos de instalação do curso de Ciências Sociais “in partibus infidelium”, ou, “entierra de infieles”. Por intermédio dos professores do colegiado de Ciências Sociais prepararamuma vasta programação entre os dias 10 e 13 de junho, constando de minicursos, mesas redondas e o lançamento do livro:“Ciências Sociais da UECE: histórias e memórias”, organizadas pelos professores Dr. João Bosco Feitosa dos Santos e Dr. João Tadeu de Andrade. Segundo a coordenadora geral do Encontro, professora Dr. AdelitaNeto Carleial, as discussões giram em torno do tema: “Política Cultura e Sociedade: diálogos sobre a realidade social”. Toda a programação ocorreu no Auditório do Centro de Humanidades, campus de Fátima. O curso forma profissionais aptos a atuarem na sociedade, tradicionalmente nas áreas de Planejamento e Pesquisa, também prepara profissionais com formação básica que os capacita ao conhecimento da realidade social, mediante o uso dos métodos científicos compatíveis com a evolução tecnológica atual.

            Em primeiro lugar a palavra memória origina-se do Grego “mnemis” ou do latim, “memoria”. Em ambos os casos a palavra denota significado de conservação de uma lembrança. Trata-se de um termo presente e utilizado por várias ciências, sobretudo nas humanidades, sendo absorvida pelas novas correntes historiográficas. Para os gregos a memória estava recoberta de um halo de divindade, pois se referia à “deusa Mnemosyne”, mãe das Musas, que protegem as artes e a história. Mnemosine ou Mnemósine, em grego: Mνημοσύνη, era uma das Titânides, filha de Urano e Gaia e a deusa que personificava a Memória. Era aquela que preserva do esquecimento. Seria a divindade da enumeração vivificadora frente aos perigos da infinitude, frente aos perigos do esquecimento que na cosmogonia grega aparece como um rio, o Lete, um rio a cruzar a morada dos mortos, o de letal esquecimento, o Tártaro, e de onde “as almas bebiam sua água quando estavam prestes a reencarnarem-se, e por isso esqueciam sua existência anterior”.

Novos diretores, Letícia & Eduardo, seu staff e a concessão do uso de faixa de terreno para o Centro de Humanidades, que abrigará um estacionamento e permitirá ampliação do refeitório do campus de Fátima.
            Em segundo lugar, os antigos gregos autodenominavam-se helenos, e a seu país chamavam Hélade, nunca tendo chamado “a si mesmos” de gregos nem à sua civilização Grécia, pois ambas as palavras são latinas, sendo-lhes atribuídas pelos romanos. Os gregos originaram-se de povos que migraram para a península balcânica em diversas ondas migratórias, como o início do milênio II a. C.: aqueus, jônicos, eólicos e dóricos. As populações invasoras são em geral conhecidas como “helênicas”, pois sua organização de clãs fundamentava-se, na crença de que descendia do herói Heleno, filho de Deucalião e Pirra. São inúmeras as diferenças entre a Grécia moderna e a Grécia Antiga. O mundo grego antigo estendia-se por uma área muito maior do que o território grego atual.
            No livro Paidéia (1962), uma análise da formação do homem grego que se tornou um clássico, o intelectual alemão Werner Jaeger (1888-1961) afirma: “No esposibledescribiren pocas palabraslaposición revolucionaria de Greciaenla historia de laeducación humana”.  O próprio termo “paidéia”, de difícil tradução, dá uma ideia aproximada da abrangência da influência grega em nossa vida: engloba ao mesmo tempo civilização, cultura, educação e tradição de um povo. Muitas das ideias que ainda se discutem em vários domínios - política, ciência e filosofia, por exemplo - são ecos do que já pensavam os gregos mais de vinte séculos atrás. Na tradição grega mais antiga, uma aplicação possível da proto-ideia de alegoria é o ensino dos pitagóricos, cujo sistema filosófico, apoiado em relações numéricas simbólicas, contém associações de natureza alegórica. Presente desde Demócrito (cf. Marx, 1974) na Grécia Clássica, a ideia de átomo é, por excelência, uma “pré-ideia” ou “proto-ideia” que, de tempos em tempos reaparece em novos contextos e em novos “estilos de pensamentos”, com novas formas de interpretação da cultura. Tal acontece, por exemplo, na doutrina do dualismo essencial entre limite e ilimitado, que se funda na composição de dez pares de opostos, alguns alegóricos como Luz/Trevas e Bom/Mau.
                        

            Em segundo lugar, uma das funções mais importantes da memória é ser fonte de respostas às questões que intrigam o ser humano - a sua origem, identidade e a sua posição e papel no mundo - por isso é muito significativo que “Mnemosyne” esteja ligada à faculdade da orientação e da desorientação no tempo e no espaço. Outra função importante da Deusa Memória era a seleção das informações que seriam transmitidas, por isso existe uma relação entre “Mnemosyne” e “Lemosyne” (esquecimento). A sacralização da memória e sua representação como uma deusa demonstram a sua importância social, além da sua vinculação com as Artes, a História, a Filosofia, a Sociologiae a Ciência de modo geral, representadas pelas Musas que não só são suas filhas mitológicas, mas que por ela são nutridas com informação, memória e discernimento. A Memória ainda foi considerada parte da virtude da Prudência, juntamente com a Inteligência e a Providência, por São Tomás de Aquino, símbolo e fundamento, com a criação do curso de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará na década de 1950, como consta sua imagem na sala de professores.
            A palavra na cosmogonia recua ao que não pôde ser esquecido: o primeiro sonho, a primeira visão, a primeira imagem, “o paradigma de todo ato humano significativo”. A palavra guarda a primeira forma de sabedoria que uma realidade verbal pôde conter, pois que, pela palavra é possível retornar “à sabedoria primeira e eterna” nas cosmogonias. A Poética de Aristóteles já cogitava, por exemplo, o termo “mito” como o princípio: “o mito é o princípio e [é] como que a alma da tragédia; só depois vêm os caracteres.”: e adiante, confirma “os mitos devem ter uma extensão bem apreensível pela memória”. Memória para se narrar o que é extensível e para a experiência do passado não ser esquecida, e para o tempo futuro fazer parte da própria realidade do tempo. A memória, na tradição oral, seria “o livro” em que se guarda o que não pode ser esquecido, e memória tem a ver com os segredos do tempo.
            Guardar os conhecimentos, os conselhos profissionais, as normas morais, como o tesouro da verdade repostados na sempre imprevisível palavra. A palavra é tecida nas narrativas em uma teia nem sempre linear. Linear é o curso. Narrar é o discurso. É assim que o detentor desse discurso conhece os segredos e os destinos da palavra. Ele aprende a errar o curso, a criar entre as brechas da memória. E assim, no exercício da memória, tem a fórmula da obra duradoura. Desse modo, é até bom saber que memória e tem algo em comum com a invenção. A memória, de acordo com a tradição grega, carrega algo de amplo “metáforas de infinitude”, assim entendido [...] “no panteão grego, a Memória, ‘Mnemosyne’, é uma deusa, filha de Urano e de Gaia, irmã de Chronos e de Okeanos - a memória filha do céu e da terra, irmã do tempo e do oceano: todas, metáforas de infinitude”. Memória e invenção, portanto, ao serem personificadas como mulheres, carregariam, na cosmogonia grega, os poderes da conservação identificados ao comportamento feminino. “Mnemosyne” é mãe das musas, deusas da literatura e das artes e Calíope, segundo a tradição, é mãe de Orfeu, um dos primeiros poetas pré-homéricos. Ao todo eram nove musas, sendo que na numerologia, o número nove, por ser triplo de três, o número do princípio totalizador, seria o número da perfeição. Assim, na Antiguidade, acreditava-se que a totalidade das artes e das ciências humanas estivessepersonificada nas nove musas. As musas, filhas de Memória e de Zeus.
            Dialética, vem do grego,“é um método de diálogo cujo foco é a contraposição e contradição de ideias” que, por assim dizer leva a outras ideias e que tem sido um tema central na filosofia ocidental e oriental desde os tempos antigos. A tradução literal de dialética significa “caminho entre as ideias” (cf. Foulquié, 1966). Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão. Aristóteles considerava Zenão de Eleia (aprox. 490-430 a.C.) o fundador da dialética. Outros consideraram Sócrates (469-399 a. C.). Um dos métodos dialéticos mais conhecidos é o desenvolvido pelo filósofo alemão Hegel (1770-1831). Além disso, o termo discurso pode também ser definido do ponto de vista lógico.
Ou seja, a Fenomenologia (cf. Hegel, 1973) vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência.  Daí a analogia que em Hegel “existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento”, mas este vir-a-ser é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são “instrumentos de sua manifestação”. Ipso facto quando Hegel afirma sobre a filosofia em geral, que “a coruja de Minerva só levanta voo ao anoitecer” (“die Eule der Minerva beginnterstmit der einbrechendenDämmerungihrenFlug”), vale somente para uma filosofia da história, ou seja, é verdadeiro para a história e corresponde à weltanschauung dos historiadores.Quando pretendemos significar algo a outro é porque temos a intenção de lhe transmitir um conjunto de informações coerentes - essa coerência é uma condição essencial para que o discurso seja entendido. São as mesmas regras gramaticais utilizadas para dar uma estrutura compreensível ao discurso que simultaneamente funcionam com regras lógicas para estruturar o pensamento. Um discurso político, por exemplo, tem uma estrutura e finalidade muito diferente do discurso econômico, mas politicamente pode operar a dimensão econômica produzindo efeitos sociais específicos em termos de persuasão.Aqui está nosso ponto de ligamento, do lat. ligamentu, da filosofia com a história.
Encorajado por Hegel que percebeu depois de Kant que a filosofia só havia começado na Grécia com Platão e Aristóteles, tal como Nietzsche mais tarde a concebera como ponto de partida dionisíaco, posto que ambos admitissem que a polis e a glória da história grega chegava ao seu fim ou, para Nietzsche, “a sua decadência”. O que é primus inter pares, porém, é que Platão e Aristóteles vieram a ser ou realizar o início da tradição filosófica ocidental e que esse início do pensamento filosófico grego ocorreu quando a vida política já se aproximava realmente de seu fim. Não devemos perder de vista o que Platão chamou de dialegesthai, Sócrates chamava de maiêutica, a “arte do parto”: ele queria ajudar as pessoas a dar à luz os seus próprios pensamentos, a encontrar a verdade em sua doxa.
Hoje, a Grécia constitui um país, cujo nome oficial é República Helênica. Já a Grécia Antiga nunca foi um estado unificado com governo único. Era um conjunto de cidades-estados independentes entre si, com características próprias embora a maioria das cidades-estados tivessem seus sistemas econômicos parecidos, excluindo-se de Esparta. Os gregos tinham conflitos e diferenças entre si, mas muitos elementos culturais em comum. Falavam a mesma língua (apesar dos diferentes dialetos e sotaques) e tinham religião comum, que se manifestava na crença nos mesmos deuses. Em função disso, reconheciam-se como helenos (gregos) e chamavam de bárbaros os estrangeiros que não falavam sua língua e não tinham seus costumes, ou seja, os povos que não pertenciam ao mundo grego (Hélade).
            

Um exemplo de atividade cultural comum entre os gregos foram os Jogos Olímpicos. A partir de 776 a. C., de quatro em quatro anos, os gregos das mais diversas cidades reuniam-se em Olímpia “para a realização de um festival de competições”. Esse festival ficou conhecido como Jogos Olímpicos. Os jogos olímpicos eram realizados em honra a Zeus (o mais importante deus grego) e incluíam provas de diversas modalidades esportivas: corrida, saltos, arremessa de disco, lutas corporais. Além do esporte havia também competições musicais e poéticas. Os gregos atribuíam tamanha importância a essas competições que chegavam a interromper guerras entre cidades (trégua sagrada) para não prejudicar a realização dos jogos. Pessoas dos lugares mais distantes iam a Olímpia a fim de assistir aos jogos. Havia, entretanto, proibição à participação das mulheres, seja como esportista, seja como espectadoras.
Apesar da autonomia política das cidades-estados, os gregos estavam unificados em termos religiosos. Entre as divindades cultuadas estavam: Zeus (senhor dos deuses), Hades (deus do mundo inferior), Deméter (deusa da agricultura), Posídon (deus do mar), Afrodite (deusa do amor), Apolo (deus do sol e das artes), Dionísio (deus do vinho), Atena (deusa da sabedoria), Artêmis (deusa da caça e da lua), Hermes (deus das comunicações), Hera (protetora das mulheres) e muitas outras. Além dos grandes santuários como os de Delfos, Olímpia e Epidauro, havia os oráculos que também recebiam grandes multidões, pois lá se acreditava receber mensagens diretamente dos deuses. Um exemplo claro estava no Oráculo de Delfos, onde uma pitonisa (sacerdotisa do templo de Apolo) entrava em transe e pronunciava palavras sem nexo que eram interpretadas pelos sacerdotes, revelando o futuro dos peregrinos. Outro fato muito interessante era a existência dos homogloditas, um pequeno povo que vivia nas áreas litorâneas do rio mediterrâneo, eles utilizavam a argila para a construção de estatuetas como uma oferenda aos deuses gregos, geralmente ao Dionísio, deus da humildade e da realeza.
A cultura da Grécia Antiga é considerada a base da cultura da civilização ocidental. A cultura grega exerceu poderosa influência sobre os romanos, que se encarregaram de repassá-la a diversas partes da Europa. A civilização grega antiga teve influência na linguagem, na política, no sistema educacional, na filosofia, na ciência, na tecnologia, na arte e na arquitetura moderna, particularmente durante a renascença da Europa ocidental e de resto durante os diversos reviverem neoclássicos dos séculos XVIII e XIX, na Europa e nas Américas, embora a América Latina tenha as suas especificidades oriundas das civilizações quíchuas, mas que não trataremos agora. Conceitos como cidadania e democracia são gregos, ou pelo menos de pleno desenvolvimento nas mãos dos gregos. Qualquer história da Grécia Antiga requer cautela na consulta a fontes. Os historiadores e escritores políticos cujos trabalhos sobreviveram ao tempo eram, em sua maioria, atenienses ou pró-atenienses, e todos os conservadores. Por isso se conhece melhor a história de Atenas do que a história das outras cidades; além disso, esses homens concentraram seus trabalhos mais em aspectos políticos (e militares e diplomáticos, desdobramentos daqueles), ignorando o que veio a se conhecer modernamente por história econômica e social.
            Todo movimento, transformação ou desenvolvimento opera-se por meio das contradições ou mediante a negação de uma coisa - essa negação se refere à transformação das coisas. A dialética é a negação da negação. A negação da afirmação implica negação, mas a negação da negação implica afirmação. “Quando se nega algo, diz-se não. Ora, a negação, por sua vez, é negada. Por isso se diz que a mudança dialética é a negação da negação”. O processo da dupla negação engendra novas coisas ou propriedades: uma nova forma que suprime e contém, ao mesmo tempo, as primitivas propriedades. O ponto de partida é a tese, proposição positiva: essa proposição se nega ou se transforma em sua contrária - a proposição que nega a primeira é a antítese e constitui a segunda fase do processo; quando a segunda proposição, antítese, é negada, obtém-se a terceira proposição ou síntese, que é a negação da tese e antítese, mas por intermédio de uma proposição positiva superior - a obtida por meio da dupla negação. A união dialética não representa uma simples adição de propriedades de duas coisas opostas, simples mistura de contrários, por isso seria um obstáculo ao desenvolvimento. A característica do desenvolvimento dialético é que ele prossegue através de negações.
Para sermos breve, teremos uma única vida a qual está oculta. Mas depois entra na existência e separadamente, na multiplicidade das determinações, e que com graus distintos, são necessárias. E juntas de novo, constituem um sistema. Essa representação é uma imagem da história da filosofia. O primeiro momento era o “em si” da realização, e em si do gérmen etc. O segundo é a existência, aquilo que resulta. Assim, o terceiro é a identidade de ambos, mais precisamente agora o fruto da evolução, o resultado de todo este movimento. E a isto Hegel chama abstratamente “o ser por si”. É o “por si” do homem, do espírito mesmo. Somente o espírito chega a ser verdadeiro por si, idêntico consigo. O que o espírito produz seu objeto, é ele mesmo. Ele é um desembocar em seu outro. O desenvolvimento do espírito é um desprendimento, um desdobrar-se, e por isso, ao mesmo tempo, um desafogo.
Desta forma em seu processo de evolução não somente faz aparecer o interior originário, exterioriza o concreto contido já no “em si”, e este concreto chega a ser por si através dela, impulsiona-se a si mesmo a este “ser por si”. O concreto é em si diferente, mas logo só em si, pela aptidão, pela potência, pela possibilidade. O diferente está posto ainda em unidade, ainda não como diferente. É em si distinto e, contudo, simples. É em si mesmo contraditório. Posto que é através desta contradição impulsionado da aptidão, deste este interior à qualidade, à diversidade; logo cancela a unidade e com isto faz justiça às diferenças. Também a unidade das diferenças ainda não postas como diferentes é impulsionada para a dissolução de si mesma. O distinto (ou diferente) vem assim a ser atualmente, na existência. Só assim é possível definitivamente pensar a diversidade em toda e qualquer dimensão das sociedades.
Porém do mesmo modo que se faz justiça à unidade, pois o diferente que é posto como tal é anulado novamente. Tem que regressar à unidade; porque a unidade do diferente consiste em que o diferente seja um. E somente por este movimento é a unidade verdadeiramente concreta.Enfim, ao colocar a questão da ciência nesses termos, Heller opõe-se ao mito de sua neutralidade; para ela, a ciência é sempre interessada, havendo interesses que dificultam e interesses que facilitam sua tarefa de desvelar a realidade social. Uma relação consciente do pesquisador com a genericidade, uma escolha de valores positivos, é condição necessária (embora não suficiente) para o cumprimento, pelas ciências sociais, de sua tarefa de “desfetichização”, um dos principais critérios, a seu ver, para avaliar o significado de qualquer compromisso no âmbito destas ciências, após o advento da sociedade de classes amplificado no âmbito da mundialização das esferas das sociedades.
Ora, entendemos que à fala pertence aquilo sobre o que se fala. A fala dá indicações sobre algo e isso numa determinada perspectiva. A fala retira o que ela diz como essa fala daquilo sobre que fala como tal. Na fala, enquanto processo social de comunicação, isso é o que se torna acessível à co-presença dos outros, na maior parte das vezes, através da verbalização da língua.  O que no “apelo da consciência” (Heidegger) constitui o referido da fala, ou seja, o interpelado? Manifestamente a própria presença. Essa resposta é tão indiscutível quanto indeterminada. Mesmo que o apelo tivesse uma meta tão vaga, ele ainda seria para a presença um motivo de prestar atenção a si mesma. Pertence à presença, no entanto, de modo essencial, que, com a abertura de seu mundo, ela está aberta para si mesma, de tal modo que ela sempre já se compreende. O apelo alcança a presença nesse movimento de sempre já se ter compreendido na cotidianidade mediana das ocupações. O impessoalmente si mesmo do ser-com com os outros é também alcançado pelo apelo.
A interpretação existencial da consciência deve expor um testemunho de seu poder-ser mais próprio que está sendo na própria presença. O testemunho da consciência não é um anúncio indiferente, mas uma “apelação apeladora” do ser e estar em dívida. O que se testemunha é, pois “apreendido” no ouvir que compreende o apelo sem deturpações, no sentido por ele mesmo intencionado. Apenas a compreensão do interpelar, enquanto modo de ser da presença propicia o teor fenomenal do que é testemunhado no apelo da consciência. Caracterizamos a compreensão própria do apelo como querer-ter-consciência. Esse deixar o si-mesmo mais próprio agir em si por si mesmo, em seu ser e estar em dívida, representa do ponto de vista fenomenal, “o poder-ser próprio, testemunhado na presença”. A sua estrutura existencial deve ser agora liberada numa exposição. Somente assim penetraremos na constituição fundamental da propriedade da existência que se abre na própria presença. Enfim, enquanto compreender-se no poder-ser mais próprio, “o querer-ter-consciência é um modo de abertura da presença”. Além do compreender, esta se constitui de disposição e fala. O compreender existenciário significa: projetar-se para a possibilidade fática cada vez mais própria do poder-ser-no-mundo. Poder-ser, porém, só pode ser compreendido em existindo nessa possibilidade.
Bibliografia geral consultada:
LÉVY-BRUHL, Lucien, La Mentalitéprimitive. Paris: Alcan, 1922;BRAGA, Ubiracy de Souza, “Praga de urubu, burro não pega: a banda podre da universidade”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2010/10/27; Idem, “Razão & Sensibilidade: o porão da universidade?”. In: https://espacoacademico.wordpress.com/2011/01/22/; Idem, “O significado da universidade brasileira. Ensaio de história política”. Disponível em: http://espacoacademico.wordpress.com/2011/08/13/; Idem,“Prolegômenos Sobre a História Social da Padaria Espiritual (Ceará)”. Disponível no sitehttp://httpestudosviquianosblogspotcom/2012/09/29/;FROMM, Erich, El miedo a lalibertad. 3ª edição. Buenos Aires: Paidós, 1957; JAEGER, Werner Wilhelm, Paidéia: losIdeales de la Cultura Griega. México: Fondo de Cultura Económica, 1962; Idem,Paidéia: a formação do homem grego. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1994; BOURDIEU, Pierre “et alii”, El Ofício de Sociólogo. Buenos Aires: SigloVeintiuno Editores, 1975; BOSI, Ecléa,A opinião e o estereótipo. Contexto, n. 2, p. 97-104, 1976; Idem, Memória e Sociedade. Lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; HELLER, Agnes, O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972; Idem, Sociologia dellavita quotidiana. Roma: Riuniti, 1975; Idem, Ohomem do Renascimento. Lisboa: Presença, 1982; Idem, Para mudar a vida. São Paulo: Brasiliense, 1982; HEGEL, G. W. F., Fenomenologia delloSpirito. Florença: La Nuova Itália, 1973, 2 volumes; REICH, Wilhelm, O combate sexual da juventude. 2ª ed. Lisboa: Antídoto, 1978;BRANDÃO, Carlos Rodrigues,Lutar com a palavra. Rio de Janeiro: Graal, 1982; WEBER, Max, Economia y Sociedad. Esbozo de sociologíacomprensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1992; “Dialética”. Enciclopédia Einaudi. Volume 20. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1988; BRANDÃO, Junito de S, Teatro grego: tragédia e comédia. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 1984; Idem, Teatro grego: origem eevolução. São Paulo: Ars Poética, 1992;HESÍODO,Teogonia: A origem dos deuses. São Paulo: Iluminuras, 1991; MORIN, Edgar, La connaissance de laconnaissance. Tomo III. Paris: ÉditionsduSeuil, 1986; Idem, La complexitéhumaine. Paris: Flammarion, 1994; entre outros. 
           







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