Ubiracy de Souza Braga*
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* Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
“Todos os filmes que faço são sobre a
necessidade de se abrir”. Krzysztof Kieslowski
Foto: Bust of Kieślowski,
Celebrity Alley, Kielce, Poland.
A
carreira cinematográfica de Krzysztof Kieślowski (1941-1996) se divide entre a fase
polonesa e a francesa (cf. Furdal e Turigliatto, 1989; Esteve, 1994; Amiel,
1995; Attolini, 1998; Furdal, 2001). Depois de concluir a faculdade, o jovem
diretor começa a produzir documentários. A narrativa dos documentários (cf. Wisner,
2002; Haltof, 2004; Ramos, 2005) passa a influenciar os primeiros filmes de
ficção do diretor, tais como: “A Cicatriz”, “Blind Chance” e “Amador” que são
exemplos desse estilo (cf. Stok, 1993; Haltof, 2004). Mais tarde, Kieślowski
realizou para a televisão polonesa uma série de filmes chamada Dekalog (1989) - “um filme por
mandamento”, todos tratando de conflitos não apenas éticos e morais. Dekalog (cf. Loretan, 1993), é um
projeto “difícil de classificar e árduo de descrever”. Alguns críticos preferem
vê-lo não como um filme, mas, como dez médias-metragens
independentes entre si. E temos no primeiro
caso, um funcionário do correio que obcecado
por uma mulher madura e independente tenta
uma aproximação, mas é um voyeur. O segundo, através de uma visão
amarga da vida, e cena das mais chocantes da história do cinema. O provérbio
chinês sobre a imagem não tem sentido para o cinema.
Título original: Krótki film o milosci, quer dizer: “Um
pequeno filme sobre o amor”.
“Kieślowski's early documentaries
focused on the everyday lives of city dwellers, workers, and soldiers. Though
he was not an overtly political filmmaker, he soon found that attempting to
depict Polish life accurately brought him into conflict with the authorities.
His television film Workers '71, which showed workers discussing the reasons
for the mass strikes of 1970, was only shown in a drastically censored form.
After Workers '71, he turned his eye on the authorities themselves in
Curriculum Vitae, a film that combined documentary footage of Politburo
meetings with a fictional story about a man under scrutiny by the officials.
Though Kieślowski believed the film's message was anti-authoritarian, he was
criticized by his colleagues for cooperating with the government in its
production. Kieślowski later said that he abandoned documentary filmmaking due
to two experiences: the censorship of Workers '71, which caused him to doubt
whether truth could be told literally under an authoritarian regime, and an
incident during the filming of Station (1981) in which some of his footage was
nearly used as evidence in a criminal case. He decided that fiction not only
allowed more artistic freedom, but could portray everyday life more truthfully”.
Tese: O
deslocamento entre as duas dimensões do real e do imaginário (cf. Deleuze,
1974; 1976; 1980; 1985; 1988) ocorre necessariamente por disjunção, por
divergência: o transcendental (Kant) não pode se assemelhar ao empírico, “senão
retornaríamos ao contexto redundante da experiência possível”. Portanto, ainda
que sumariamente, diremos que sair do plano dos entes, do vivido, e mergulhar
na direção do transcendental, é dissolvê-lo no denso e múltiplo conjunto de
forças a partir do qual ele emerge....
.. e de modo que o retorno só pode ser feito
em nova estrada: reencontrar o ponto de partida é, em suma, não mais
encontrá-lo, mas encontrar outro, pois que modificado, transformado pelas
novidades e aspectos que há pouco vieram à tona. O cineasta aprimora seu estilo
ao realizar seus próximos filmes. Lembramos que o “sentido-acontecimento” é
sempre “extra-ser” e “extra-proposicional”, este paradoxo quer afirmar
especificamente seu caráter de indiferença, nem agente nem paciente, frente aos
estados de coisas, diversamente deles.
Irène Marie Jacob nasceu em Suresnes, um
subúrbio a oeste de Paris, filha mais nova de quatro irmãos. Em alguns filmes é
creditada como Iren Zhakob. Cresceu em uma família de boa formação educacional
e intelectual: seu pai era médico, e sua mãe, psicóloga; um irmão é músico, e
os outros dois são cientistas. Em 1969, aos 3 anos, a família mudou-se para
Genebra (Suíça), onde Irène começou a se interessar por artes. Irène
desenvolveu interesse por representar após ver os filmes de Charlie Chaplin: “Eles
me envolveram completamente”, ela lembra. “Faziam-me rir e chorar, e era
exatamente o que eu esperava de um filme - que me despertassem para meus
sentimentos”. Estreou nos palcos em 1977, com 11 anos. Estudou no Conservatório
de Música de Genebra e obteve graduação em idiomas - ela fala inglês, alemão,
francês e italiano. Em 1984, mudou-se para Paris, onde estudou teatro no
prestigiado Rue Blanche, a Academia
nacional francesa de drama. Depois foi a Londres, assistir às aulas do Dramatic Studio.
Em
1987, Irène Jacob voltou a Paris. Já com 21 anos, fez seu primeiro papel (uma
professora de piano), dirigida por Louis Malle em: Au revoir, les enfants. Depois desse, vieram seis papéis menores em
filmes franceses, em quatro anos. Em 1991, o diretor polonês Krzysztof
Kieślowski a convidou para fazer o papel-título de A Dupla Vida de Véronique, sobre “duas jovens idênticas, uma na
Polônia e outra na França”. Por sua atuação, Iréne obteve o premio de “miglior
attrice per il film La doppia vita di
Veronica”, de Krzysztof Kieślowski no Festival de Cannes. De 1992 a 1993,
preferiu fazer filmes franceses de baixo orçamento a aceitar propostas de
estúdios hollywoodianos (inclusive para protagonizar Proposta Indecente, papel que ficou com Demi Moore). Em 1994, Irène
foi novamente aclamada internacionalmente, desta vez por Trois couleurs: rouge, também de Kieślowski. O filme recebeu três
indicações ao Óscar (cf. Braga, 2012), incluindo melhor diretor, melhor
fotografia e melhor roteiro original. Além de indicações para melhor filme
estrangeiro das seguintes instituições: Círculo de Críticos de Nova York, National Board of Review, prêmio National Society of Film Critics e
Associação dos Críticos de Cinema de Los Angeles. Recebeu indicações para o Cesar Award nas categorias Melhor
Filme, Melhor Ator (Jean-Louis Trintignant), Melhor Atriz (ela), Melhor diretor
e Melhor Roteiro. O New York Times o
incluiu entre os “100 melhores filmes de todos os tempos”.
Desnecessário
dizer que A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em inglês: Academy of Motion Picture Arts and Sciences
- AMPAS, ou simplesmente, Academy,
“é uma organização profissional honorária dedicada ao desenvolvimento da arte e
ciência do cinema”, cujo conjunto dos indivíduos vive sob as mesmas normas e
relações entre eles. Foi fundada em 11 de maio de 1927, na Califórnia, Estados
Unidos da América. É composta por mais de 6 mil membros. Naturalmente a maior
parte de seus membros é norte-americana, mas a “filiação é aberta a cineastas
qualificados de todo o mundo”. No ano de 2004 a Academia possuía em seu quadro
cineastas de 36 países. É conhecida no mundo pelo seu prêmio anual, Academy Awards, conhecido informalmente
como Óscar. Há também o prêmio para estudantes universitários, o Student Academy Awards, que “premia
cineastas graduandos e pós-graduandos”. O atual presidente da Academia é Sid
Ganis.
Foto: A
bela cidade Kraków (Polônia).
Em
1989, o governo comunista foi “derrubado” e a Polônia inaugurou a fase
informalmente conhecida como “Terceira República Polaca”. Historicamente o
primeiro Estado polaco foi criado em 966, com um território muito semelhante ao
da moderna Polônia. Tornou-se um reino em 1025 e, em 1569, fortaleceu uma longa
associação com o Grão-Ducado da Lituânia para criar a Comunidade
Polaco-Lituana; esta associação desmoronou em 1795, e o território polaco foi
dividido entre o Reino da Prússia, o Império da Rússia e a Áustria. O país
recuperou sua Independência como a Segunda República Polaca em 1918 após a
Primeira grande Guerra, mas foi ocupada pela Alemanha Nazista e pela União
Soviética durante a Segunda Guerra Mundial. Durante o período de invasão e
extermínio humano, o país perdeu cerca de 6 milhões de cidadãos, emergindo anos
depois como a República Popular da Polônia, dentro do Bloco do Leste, sob forte
influência soviética. Em 1989, o governo comunista foi derrubado e a Polônia
inaugurou a fase informalmente conhecida como “Terceira República Polaca”. Atualmente,
a Polônia é uma democracia liberal, membro da União Europeia, da OTAN, da OCDE
e da OMC. Um programa econômico de
choque conduzido por Leszek Balcerowicz no início dos anos 1990 dotou o país de
uma economia de mercado. Apesar de retrocessos temporários em índices sociais e
econômicos, a Polônia foi o primeiro país pós-comunista a atingir o seu nível
de PIB pré-1989. Os direitos civis foram ampliados, como a retomada da liberdade
de expressão e de pensamento. Em 1991, a Polônia tornou-se membro do Grupo de
Visegrád; em 1999, da OTAN, juntamente com a República Checa e a Hungria. A
Polônia aderiu à União Europeia em 1° de maio de 2004.
Irène
Marie Jacob no filme: The Double Life of
Veronique (1991).
A
Polônia é uma democracia liberal que adota o sistema parlamentarista de
governo. O presidente é o chefe de Estado e o primeiro-ministro, chefe de
governo. O governo compõe-se do conselho de ministros (gabinete). Incumbe ao
presidente nomear o governo por proposta do primeiro-ministro, com base na
maioria parlamentar (ou de coligação) da câmara baixa do parlamento (o Sejm). O presidente é eleito por voto
direto a cada cinco anos. Os membros do Sejm
são eleitos pelo menos a cada quatro anos por voto direto. O parlamento polaco
constitui-se por duas câmaras: o senado, com cem cadeiras, e o Sejm, com 460 cadeiras. Este último é
eleito por representação proporcional. Com exceção de partidos de minorias
étnicas, apenas as agremiações que ultrapassem 5% dos votos nacionais podem ter
deputados no Sejm. Quando em sessão
conjunta, o senado e o Sejm formam a
Assembleia Nacional (Zgromadzenie
Narodowe), convocada quando o presidente assume o cargo, é indiciado pelo
Tribunal de Estado ou é declarado incapaz devido a sua saúde. O poder
Judiciário inclui o Supremo Tribunal da Polônia (Sąd Najwyższy), o Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal
Constitucional e o Tribunal de Estado. O atual presidente é Bronisław
Komorowski, sucessor de Lech Kaczyński, o qual faleceu num acidente aéreo no
dia 10 de abril de 2010 na região do aeroporto de Smolensk, no oeste da Rússia.
Os
quatros últimos filmes do diretor foram realizados através de uma produção
francesa: “La Double Vie de Véronique” (1991, 94 minutos, estrelando Irène
Jacob) e a “Trilogia das Cores”: “Bleu” (1993), “Blanc”, (1994), “Rouge”
(1994). No caso do filme: “Bleu”, a atriz francesa, Juliette Binoche nascida no
ano de 1964 em Paris, filha de atriz e de um escultor que se divorciaram quando
ela tinha 4 anos. O seu primeiro filme foi Liberty
Belle (1982), não passando despercebida em Rendez-Vous (1985) e Mauvais
Sang (1986), mas só chamou a atenção da crítica internacional no filme de
Philip Kaufman: The Unbearable Lightness
of Being (“A Insustentável Leveza do Ser”, 1988). O seu aspecto gracioso e
delicadamente “mignone”, na falta de melhor expressão, que emprestou inocência
aos filmes: Vie de Famille (1984), Je Vous Salue Marie (“Eu Vos Saúdo,
Maria”, 1985) evoluiu para a mulher fatal que seduziu Jeremy Irons em: Fatale (“Relações Proibidas”, 1992). Em
1993, Juliette Binoche ganhou o César da Melhor Atriz e o Prémio da Melhor
Atriz no Festival de Cinema de Veneza com o filme: Trois Couleurs: Bleu (“Azul”) um dos títulos da trilogia de
Krzysztof Kieslowski. Retirou-se para ser mãe em 1994, voltando à tela como a
heroína de Le Hussard Sur le Toit
(1995) e nesse mesmo ano foi escolhida pela Empire Magazine como uma das 100
estrelas mais sexys da história do cinema.
No
caso de “La Double Vie de Véronique”, ao assistir na sequência percebem-se as
correlações que existem entre as distintas histórias, as cores da bandeira
francesa e o slogan da revolução clássica burguesa. O toque de Kieslowski está
na sua representação das palavras “liberdade”, “igualdade” e “fraternidade” e
na forma em que as cores dão o ambiente psico-afetivo da história política. Outro
ponto interessante é reparar no cruzamento de elementos em comum entre os três
filmes. Depois do último filme da trilogia o diretor anunciou a sua
aposentadoria “devido ao fato de estar cansado de fazer cinema”. Ipso facto, salvo engano, como cristão
começa a escrever o roteiro da trilogia “Paraíso, Purgatório e Inferno”,
baseada na Divina Comédia de Dante Alighieri. Kieślowski morre em 1996, aos 54
anos, sem concluir esses filmes. Contudo, em 2002, Tom Twyker filma o roteiro
de “Paraíso”, idealizado pelo magistral cineasta polonês.
O filme: Trois
couleurs: Bleu, em francês; e originalmente, Trzy kolory: Niebieski, em polonês (Br: A Liberdade É Azul / Pt: Três
Cores: Azul) é um filme francês, polaco e suíço de 1993, do gênero drama,
dirigido pelo cineasta polonês Krzysztof Kieślowski. É o primeiro filme da
série “Trilogia das Cores”, baseada nas três cores da bandeira francesa, e nas
três palavras do lema da Revolução Francesa - liberdade, igualdade e
fraternidade. O toque de Kieślowski está na sua representação das palavras “liberdade,
igualdade e fraternidade” e na forma que as cores dão o ambiente psicológico da
história. Outro ponto interessante é reparar no cruzamento de elementos em
comum entre os três filmes. Foi seguido pelos filmes: Trois couleurs: Blanc (1994) e Trois
couleurs: Rouge (1994). Neste filme, “A Liberdade é Azul”, Julie é a esposa
de um renomado maestro e compositor francês que morre em um desastre
automobilístico com a filha do casal, de apenas cinco anos de idade. A mulher,
única sobrevivente da tragédia, vê-se na situação de ter que lidar com essas
perdas e seguir sua vida, recebendo a encomenda de finalizar uma composição
para coro e orquestra que havia sido encomendada ao seu esposo, uma canção pela
unificação da Europa. A tarefa a levará a descobrir detalhes da vida do esposo
que ela desconhecia, e a se envolver com outro homem, amigo do casal.
Desnecessário
dizer que o mito, antropologicamente falando, ensina que “cada ser humano
possui um duplo, chamado exatamente doppelgänger,
que é fisicamente idêntico a si”. Doppelgänger,
segundo as lendas germânicas de onde provém, “é um monstro ou ser fantástico
que tem o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que ele escolhe
ou que passa a acompanhar”, como dando uma ideia de que cada pessoa tem o seu
próprio. Ele imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo as suas características
internas mais profundas. O nome Doppelgänger
se originou da fusão das palavras alemãs: doppel significa “duplo, réplica ou duplicata”, e gänger, “andante, ambulante ou aquele que
vaga”. Um mito, do grego antigo μυθος,
é uma narrativa de caráter simbólico, relacionada a uma dada cultura. O mito
procura explicar a realidade, os fenômenos naturais, às
origens do Mundo e do homem por meio de deuses, semideuses e heróis. Ao mito
está associado o rito. O rito é o modo de se pôr em ação o mito na vida do
homem - em cerimônias, danças, orações e sacrifícios. Este duplo está em algum
lugar do planeta, e se conecta ao seu idêntico por laços afetivos e emocionais
de natureza sobrenatural. A ideia casa perfeitamente com as teorias sobre
“coincidências”, “acasos” e “destinos” que Kieślowski já vinha desenvolvendo
desde o “Decálogo”, que fizera para a TV polonesa em 1989 e reproduzida em São
Paulo pela TV Cultura. Nada mais natural
que, ao migrar para o país que fora no século XIX o centro difusor maior da
ideia do doppelgänger, Kieślowski
aproveitasse o tema para continuar abordando a temática das “ligações
invisíveis entre pessoas que não se conhecem”. Para o que nos interessa,
“Per non smarrire la strada del percorso cinematografico di Irène Jacob,
si deve prendere una mappa e una penna: un esordio in Francia con due maestri
della storia del cinema europeo (Louis Malle e Jacques Rivette), un'intesa speciale
con il polacco Kieslowski, l'incarnazione della grazia di Desdemona in una
delle più provocatorie trasposizioni cinematografiche di Othello e bellezza
eterea ma inquieta di una pellicola firmata da Michelangelo Antonioni.
Basterebbero questi nomi per ammirare una carriera in continua evoluzione che
si lascia trasportare dalla magia dell'arte in luoghi e culture così diverse
tra loro: dalla Francia all'Italia, passando per la Spagna e attraversando
l'oceano per raggiungere gli Stati Uniti. Figlia di un fisico e di una
psicologa, è l'unica femmina in una famiglia di quattro figli (un fratello è il
famoso musicista jazz Francis Jacob). All'età di tre anni si trasferisce a
Ginevra dove trascorre l'intera adolescenza fino a quando, diciottenne, ritorna
a Parigi. Debutta al cinema con la direzione di due registi importanti (anche
se interpreta due piccoli ruoli): è nel film Leone d'Oro a Venezia '87
Arrivederci ragazzi diretto da Louis Malle e in Una recita a quattro (1989) che
porta la firma di Jacques Rivette, maestro della Nouvelle Vague. Dopo alcuni
film passati inosservati alla critica francese (da segnalare però Le Secret de
Sarah Tombelaine diretto da Daniel Lacambre, che la vede protagonista assoluta
della vicenda), nel 1991 è la volta dell'artista polacco Krzysztof Kieslowski
che la chiama per La doppia vita di Veronica. Il doppio ruolo rivestito
dall'attrice, che impersona due donne molto simili caratterialmente ma che
vivono in luoghi molto lontani tra loro, la premia come miglior attrice al
festival di Cannes. A soli venticinque anni Irène è già una musa ispiratrice con il fascino discreto di chi sa fare il
mestiere dell'attore con rigore e semplicità” (grifos meus).
Kieślowski
então criou duas personagens fascinantes, mas, sobretudo entre criador e
criatura, o “maravilhoso” (cf. Braga, 2011), entendido por nós pela compreensão
de que a filosofia tem origem na thaumadzein,
o “maravilhar-se e ser tomado de espanto, o padecer, que é o mister do
filósofo” (mala gar philosophou touto to
pathos, to thaumadzein; ou gar allē archē philosophias hē hautē (cf. Teeteto, 155d), afirmação mais tarde
citada quase que literalmente por Aristóteles, embora com uma interpretação
diferente (cf. Metafísica, i, 982b9)
ipso facto para elas tem a representação (εκπροσώπηση) de um jogo lúdico enfocando a ideia do duplo. Weronika
(Irène Jacob, foto) é uma jovem cantora lírica que mora em Cracóvia, na
Polônia. Já Vèronique (a mesma Jacob), também amante de música, vive em Paris.
Elas não se conhecem, mas sentem a presença (dasein) uma da outra, muito embora não consigam explicar este
sentimento. Na primeira meia hora, Kieślowski acompanha a jovem polonesa, até
uma tragédia se abater sobre ela; depois, passa a espiar o cotidiano de
Vèronique. Na cena mais fascinante do filme, salvo engano, as duas quase se
cruzam, em uma praça na Polônia, durante uma manifestação política estudantil.
Uma fotografia fortuita documenta a presença das duas mulheres idênticas no
mesmo local. Isto é maravilhoso (thaumadzein)!
Tese: No caso específico de “La
Double Vie de Véronique” (1991), temos um poema visual sobre a solidão. O filme nos propõe um
interessante questionamento: e se existir, em algum lugar do mundo, alguém
igual a nós, um “duplo”, por assim dizer? Kieślowski parte dessa ideia curiosa
para explorar os paralelos entre suas personagens. Weronika parece feliz e
completa - de alguma forma ela sempre sentiu a presença de sua “irmã”. Já
Véronique, quando a conhecemos na história, sente a solidão (Kierkegaard) que
todos nós sentimos. Sua solidão é proveniente não apenas da sua desconexão com
outros ao seu redor, mas também da falta que ela passa a sentir da outra. Ao
longo da história ela progressivamente passa a ser um pouco mais como Weronika,
mas a comovente cena final parece indicar que a sua solidão veio para ficar.
É
da ordem da solidão que trata o filme. Kieślowski adiciona alguns momentos
curiosos na trama. Breves momentos, como o do advogado anão ou o homem que abre
o casaco para Weronika no meio da rua, intrigam o espectador e parecem estar lá
para nos lembrar de que a vida é estranha. Se a vida é estranha, a ideia de
haver duas pessoas idênticas, vivendo vidas separadas, mas de alguma forma
conscientes da presença uma da outra, não parece tão inacreditável. Vamos de um
lado para o outro em nossas vidas e não podemos saber tudo, quase nunca temos
uma explicação nem a visão completa das coisas. Somos como Weronika, observando
o mundo numa viagem de trem, olhando através de uma bola de vidro. A imagem é
distorcida, apenas uma reflexão da realidade. Assim é o cinema poético de Kieślowski.
Incomum e ligeiramente distante da realidade, mas repleto de beleza, mesmo
assim.
Na Polônia, a jovem Weronika (Irene
Jacob) vive com o pai e consegue ser aceita como cantora em uma orquestra,
porém aos poucos ela apresenta problemas de saúde e acaba falecendo após sua
apresentação de estreia. Ao mesmo tempo na França, Veronique (Irene Jacob
também) é uma jovem idêntica à garota polonesa, que também vive com o pai e tem
o mesmo talento para a música. Sua vida muda após assistir a um show de
marionetes comandado pelo escritor Alexandre Fabbri (Philippe Volter).
Veronique sente-se atraída pelo sujeito e decide desistir da carreira de
cantora. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, este filme apresentou ao mundo o
trabalho do diretor polonês,
Kieślowski
sendo extremamente elogiado pela crítica, assim como a interpretação de Irene
Jacob que venceu o prêmio de melhor atriz no mesmo festival. Deixar-se levar
pela magia e melancolia (Walter Benjamin) de uma história. Essa mistura de
fantasia e drama que Kieślowski proporciona encanta desde o início.
Do
simples descobrimento de mundo das protagonistas até a apresentação da polonesa
Veronika, a película já traz todo o estilo do diretor e como ele tratará do
desenvolvimento da trama. Veronika é apaixonante e Kieślowski faz questão de
ressaltar as qualidades da moça em sua direção. Com “super-closes”, ele capta
as expressões doces e suaves da personagem. E então, a princípio, o close da
protagonista cantando na chuva mostra toda a sua felicidade com o simples ato
de cantar, Antek apaixonou-se. Paixão não se explica. As diversas
possibilidades de mundos paralelos em um único continente. As vidas paralelas,
no sentido quase epistemológico do conceito, são diferenciadas pelas inúmeras
possíveis escolhas que são feitas em cada uma dessas possíveis vidas. Ambas
protagonistas são amáveis e possuem relações familiares fortes e, como é aparentemente
fácil notar, possuem uma ligação marcante com a música, para ser mais preciso,
com a arte do canto.
Em
plena década de 1990, o continente europeu vive uma fase de discordâncias e as
moças vivem em universos distintos separados pela economia e cultura, uma na
Polônia e outra na França, assim a proposta do diretor e roteirista fica clara
quanto à intenção de ressaltar essas diferenças com a possibilidade de serem
dois mundos paralelos. Diferente de tudo que sabiam, as jovens sentem essa proximidade. “A Dupla Vida
de Veronique” é um filme para ser sentido.
Mais do que remeter aos sentidos, a obra faz diversas alusões a elementos
lúdicos e oníricos, deixando a cargo do espectador e de sua experiência de vida
a sua identificação e o seu entendimento de aspectos apreciáveis da realização.
Desse modo, além de ser direcionado à autoridade final - o espectador -, este
mesmo ser que vê se torna, em certo sentido, o seu próprio narrador a partir
das conexões que consegue estabelecer com sua história pessoal. Ele é o
personagem fora-de-campo, ainda que dentro da história. Um exemplo do proposto
é, a despeito do elemento fantástico (thaumadzein),
a identificação que alguns espectadores podem estabelecem com a possibilidade
de existir outro indivíduo igual a si em algum outro lugar. Possibilidade essa
levada em conta com relativa frequência, em especial dentro do universo
infantil, em diversas culturas. Bibliografia geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de
Souza, “O maravilhoso (e misterioso)
em Krzysztof Kieślowski & Cia”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/06/07/; Idem, “O Tapete Vermelho
do Óscar 2012 - Viva a nostalgia”. Disponível em: http://estudosviquianos.blogspot.com.br/2012/02/; BRITO, J. B. de,
“Oscar - os ignorados”. http://imagensamadas.com/tag/academia-de-hollyood, 2012; Artigo: “Irène
Jacob - L`inquietudine di una musa discreta”. In: http://www.mymovies.it/biografia/; LESCH, Walter; LORETAN, Matthias, “et al”, Das Gewicht der Gebote und die Moglichkeiten der Kunst: Krzysztof
Kieślowskis Dekalog Filme als ethische Modelle. Freiburg, Schweiz: Universitatsverlag;
Freiburg: Herder, 1993; KIESLOWSKI, Krzysztof Piesiewicz, Raj, czyś'ciec, pieklo: [three novels in one case]. Warsaw: Skorpion,
1999; SATRIANI, Lombardi, Antropologia
culturale e analisi dela cultura subalterna. Milano: Rizzoli Editore, 1980;
Premio miglior attrice per il film La
doppia vita di Veronica di Krzysztof Kieślowski. Festival di Cannes, 1991; ENGELS,
Friedrich, “O Aniversário da Revolução Polonesa de 1830”. Publicado pela
primeira vez em La Réforme, de 5 de
dezembro de 1847; BENJAMIN, Walter, Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre
a Literatura e História da Cultura. 5ª edição. São Paulo: Brasiliense,
1993, Volume I; GINZBURG, Carlo, “Um lapso do Papa Wojtyla”. In: Olhos de madeira. Nove reflexões sobre a
distância. São Paulo: Companhia das Letras, 2001; COSTA, João Paulo, “´Quero
te bem`: dialéctica no Pátio?”. In: http://www.patiodosgentios.com/reflexao-teologica/quero-te-bem-dialectica-no-patio/. Escrito
a 23 de Março de 2012; STOK, Danusia (ed.), Kieślowski
on Kieślowski. London: Faber & Faber, 1993, pp. xiii-iv; Artigo: MERTEN,
Luiz Carlos, “Um grande Kieslowski”. Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/; artigo: “Sessões
entrevista: Krzysztof Kieślowski”. In: http://sessoesdecinema.blogspot.com.br/2011/07/; DEBORD, Guy, Commentaires sur la
societé du spectacle. Paris: Galimar, 1966; DELEUZE, Gilles, Lógica do Sentido. São Paulo:
Perspectiva, 1974; Idem, Kant. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1976; Idem, Cinéma
I: l`Image-Mouvement. Paris: Minuit, 1983; Idem, Cinéma II: l`Image-Temps. Paris: Minuit, 1985; Idem, Crítica e Clínica. São Paulo: Editora
34, 1997; Idem, Diferença e repetição.
Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1988; Idem, & GUATTARI, Felix, El Antiedipo. Capitalismo e Esquizofrenia.
Rio de Janeiro: Imago, 1980; MACHADO, Roberto, Deleuze e a filosofia. Rio de Janeiro: Graal, 1990; DIAS, Sousa, Lógica do Acontecimento - Deleuze e a
Filosofia. Porto: Afrontamento, 1995; SPADARO, Antonio, Lo sguardo presente: una lettura teologica
di ´Breve film sull'amore` di K. Kieślowski. Rimini: Editore Guaraldi,
1999; ULPIANO, Cláudio, O pensamento de
Deleuze ou a grande aventura do espírito. Tese (Doutorado). Campinas:
Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Estadual de Campinas,
1998; WAHL, François, “O copo de dados do sentido”. In: ALLIEZ, Éric (org), Gilles
Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Ed.34, 2000; ŽIŽEK, Slavoj, The Fright of Real Tears: Krzysztof
Kieślowski Between Theory and Post-Theory. London, 2001; WIZNER, Dariusz, Stile cinematografico di Krzysztof
Kieślowski. Thesis. Roma: Universita Pontificia Salesiana, 2002; HALTOF,
Marek, The cinema of Krzysztof Kiéslowski
- variations on destiny and chance. Grã-Bretanha: Wallflower Press, 2004; BROWNE,
Nick, “O espectador-no-texto: a retórica de No tempo das diligências”. In:
RAMOS, Fernão P., org., Teoria
Contemporânea do Cinema - Documentário e narratividade ficcional. Volume
II. São Paulo: Editora SENAC, 2005; CARREIRO, Rodrigo, “Primeira produção
internacional de Kieslowski investiga de modo delicado o mito europeu do doppelgänger”. Texto publicado em
04/12/2006 no Cine Repórter; MESTRINER,
Roger, “O encontro de opostos inconciliáveis: analisando A Dupla Vida de Véronique”. Texto publicado em 15/06/2009 na RUA - Revista Universitária do Audiovisual, entre outros.
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