A Economia Política da Extração de Minérios em Carajás.
Ubiracy de Souza Braga*
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* Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
“Depois
de 30 anos tirando minério, em Marabá não tem uma fábrica de faca para o
sujeito se matar”. (comerciante Eliomar Freitas)
Mina na Serra Norte de Carajás. Foto:
Jeremy Bigwood.
Escólio: Não
há dúvida alguma que a economia política espelhou as tendências das principais
transformações sociais e econômicas que emergiam, sobretudo na Inglaterra e
França, a partir dos meados do século XVIII. Sendo assim, ideias que surgiram
em meio às mudanças do capitalismo passaram a ser consideradas como detentoras
do “segredo científico da escravidão”, perdendo o status de representação das transformações do capitalismo europeu
dos fins do século XVIII e princípios do XIX. Importa é que essas ideias foram
transformadas em paradigmas pela historiografia da escravidão, a despeito de
terem nascido dentro de uma ideologia que foi edificada há mais de dois séculos
e que dava conta de um determinado “mundo do trabalho”. Neste caso, portanto, a
ideologia transformou-se numa memória
da qual o conhecimento histórico continua retirando instrumentos para o exame
da escravidão (cf. Fanon, 1954; 1961; 1963; 1967; 1983; Genovese, 1976; Temperley,
1977; Williams, 1978; Rocha, 1989;
Lopes, 1983; 1984; Vieira, 1985; Almeida Jr., 1986; Martins, 1993; 1997).
Trabalho
escravo contemporâneo é o “trabalho forçado” (cf. OIT, “forced labour”, 2001) que
“envolve restrições à liberdade do trabalhador” (“Involves restrictions on
freedom of the worker”). O trabalhador é obrigado a prestar um serviço, “sem
receber um pagamento ou recebem um valor insuficiente para suas necessidades e
as relações de trabalho costumam ser ilegais”. Diante destas condições, as
pessoas não conseguem se desvincular do trabalho. A maioria é forçada a
trabalhar para quitar dívidas, muitas vezes contraída por um ancestral. Estima-se
que existam no mundo entre 12 a 27 milhões de pessoas escravizadas nos diversos
ramos da indústria, serviços e agricultura, ou seja, 10% da população brasileira estimada em torno de 193.946.886
habitantes em 2012. Em geral, os escravos provêm de regiões muito empobrecidas,
com pouco acesso à educação e saúde e ao crédito formal. São locais onde as
leis de proteção são fracas,...
......ou sua aplicação é restrita, de forma que a ação
dos aliciadores é facilitada. São jovens, a maioria do sexo feminino. Muitos
são forçados a se deslocar de sua região de origem em busca de oportunidades e
são aliciados para este tipo de trabalho.
A região do mundo onde estas relações de
escravidão estão mais presentes é o sul da Ásia, sobretudo a Índia. Apesar das
leis, muitos indianos são forçados a trabalhar em regime escravo para pagar
dívidas adquiridas por seus antepassados. A escravidão ocorre em Estados fracos
ou corruptos. Regimes autoritários podem favorecer ou mesmo estimular a
escravidão. Um exemplo é a segunda guerra civil sudanesa, quando as milícias
receberam apoio do governo para escravizar a população. Outro exemplo é
Mianmar, onde os camponeses são obrigados pelo governo a trabalhar em regime de
corveia. Existem mais de 300 tratados internacionais pelo fim do trabalho
escravo e comércio/tráfico de pessoas e mais de doze convenções mundiais de
combate à escravidão contemporânea. Entretanto, o problema persiste diante da
condição de miséria em que vive grande parte da população mundial. O dia 23 de
agosto foi instituído pela UNESCO como o Dia Internacional de Lembrança do
Tráfico de Escravos e sua Abolição.
Vale
lembrar que a expressão escravidão moderna possui sentido metafórico, pois não
se trata mais de compra ou venda de pessoas. No entanto, os meios de
comunicação em geral utilizam a expressão para designar aquelas relações de
trabalho nas quais as pessoas são forçadas a exercer uma atividade contra sua
vontade, sob ameaça, violência física e psicológica ou outras formas de
intimidações. Muitas dessas formas de trabalho são acobertadas pela expressão “trabalhos
forçados”, embora quase sempre impliquem o uso de violência. Atualmente, há
diversos acordos e tratados internacionais que abordam a questão do trabalho
escravo, como as convenções internacionais de 1926 e a de 1956, que proíbem a
servidão por dívida.
No
Brasil, foi somente em 1966 que essas convenções entraram em vigor e foram
incorporadas à legislação nacional. A Organização Internacional do Trabalho
(OIT) trata do tema nas convenções número 29, de 1930, e 105, de 1957. Há
também a declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu
Seguimento, de 1998. De acordo com o relatório da OIT de 2001, o trabalho
forçado no mundo tem duas características em comum: a) o uso da coação e, b) a
negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho
degradante com a privação de liberdade. Além de o trabalhador ficar atrelado a
uma dívida, tem seus documentos retidos e, nas áreas rurais, normalmente fica
em local geograficamente isolado. Nota-se que o conceito de trabalho escravo é
universal e todos compreendem ou sabem no mundo globalizado o que é a escravidão.
A
Convenção nº 29 da OIT de 1930, define sob o caráter de lei internacional o
trabalho forçado como: “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a
ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente” (“All work
or service which is exacted from any person under the menace of any penalty and
for which it has not offered himself voluntarily”). A mesma Convenção nº 29
proíbe o “trabalho forçado” em geral incluindo, mas não se limitando, à
escravidão. A escravidão é uma forma de trabalho forçado. Constitui-se no
absoluto controle de uma pessoa sobre a outra, ou de um grupo de pessoas sobre
outro grupo social. Trabalho escravo se configura pelo trabalho degradante
aliado ao cerceamento da liberdade. Este segundo fator nem sempre é visível,
uma vez “que não mais se utilizam correntes para prender o homem à terra, mas
sim ameaças físicas, terror psicológico ou mesmo as grandes distâncias que
separam a propriedade da cidade mais próxima”.
A
escravidão no Brasil foi extinta oficialmente em 13 de maio de 1888. A
assinatura da Lei Áurea, representou o fim do direito de propriedade de uma
pessoa sobre a outra, acabando com a possibilidade de possuir legalmente um
escravo no Brasil. No entanto, persistiram “situações/localizações” (“standortgebundenheit”) que mantêm o
trabalhador “sem possibilidade de se desligar de seus patrões”. Há fazendeiros
que, para realizar derrubadas de matas nativas para formação de pastos,
produzir carvão para a indústria siderúrgica, preparar o solo para plantio de
sementes, entre outras atividades agropecuárias, contratam mão-de-obra
utilizando os contratadores de empreitada, os chamados “gatos”. Eles aliciam os
trabalhadores, servindo de fachada para que os fazendeiros não sejam
responsabilizados pelo crime. Esses “gatos” recrutam pessoas em regiões
distantes do local da prestação de serviços ou em pensões localizadas nas
cidades próximas.
Na
primeira abordagem, mostram-se agradáveis, portadores de boas oportunidades de
trabalho. Oferecem serviço em fazendas, com garantia de salário, de alojamento
e comida. Para seduzir o trabalhador, oferecem “adiantamentos” para a família e
garantia de transporte gratuito até o local do trabalho. Todavia, em 1995 o
governo brasileiro admitiu a existência de condições de trabalho análogas à
escravidão. A erradicação do trabalho escravo passa pelo cumprimento das leis
existentes, porém isso não tem sido suficiente para acabar com esse flagelo
social. Mesmo com aplicações de multas, corte de crédito rural ao
agropecuarista infrator ou de apreensões das mercadorias nas oficinas de
costura, utilizar o trabalho escravo é, pasmem, um bom negócio para muitos
fazendeiros e empresários porque barateia os custos da mão de obra. Quando
flagrados, os infratores pagam os direitos trabalhistas que haviam sonegado aos
trabalhadores e nada mais acontece.
“A escravidão é uma forma de trabalho forçado. Implica o domínio
absoluto de uma pessoa por outra ou, às vezes, de um grupo de pessoas por outro
grupo social. A escravidão foi definida, no primeiro instrumento internacional
sobre o assunto, em 1926, como estado ou condição de uma pessoa sobre a qual se
exerce todo ou algum poder decorrente do direito de propriedade (artigo 1º ).
Uma pessoa numa situação de escravidão será certamente obrigada a trabalhar,
mas esse não é o único aspecto definidor da relação. Além dessa característica,
a situação não tem duração fixa, mas é permanente, muitas vezes baseada na
descendência” (cf. OIT, 2001).
De
modo geral, o trabalho escravo só tem a prejudicar a imagem do Brasil no
exterior, sendo que as restrições comerciais são severas caso o país continue a
utilizar de mão de obra análoga à escravidão. Como é público e notório que o
Brasil usa trabalho escravo, sua erradicação é urgente, sobretudo para os
trabalhadores, mas também para um bom relacionamento comercial internacional. Criada
em agosto de 2003, a Comissão Nacional
Para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), órgão vinculado à
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, tem a
função de monitorar a execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo. Lançado em março de 2003, o Plano contém 76 ações, cuja
responsabilidade de execução é compartilhada por órgãos do Executivo,
Legislativo, Judiciário, Ministério Público, entidades da sociedade civil e
organismos internacionais.
“As formas ´modernas`, que têm relação com a globalização e as recentes
tendências migratórias, podem estar ostensivamente associadas à busca de
vantagens financeiras ilícitas por uma gama de atores, alguns deles envolvidos
com o crime organizado. As formas modernas são globais, encontrando-se em todas
as regiões. Nos países industrializados, casos de trabalhadores migrantes em
servidão por dívida têm se registrado na agricultura e em outros setores de
mão-de-obra intensiva, inclusive construção, confecção, embalagem e
processamento de alimentos. Um exemplo particularmente gritante é o tráfico de
crianças por redes criminosas, para a mendicância forçada, comércio de droga ou
exploração sexual. Nas economias em transição da Europa Oriental e da Europa
Sul-Oriental, a exploração econômica forçada tem sido observada entre
trabalhadores migrantes oriundos da Transcaucásia e da Ásia Central; isso
ocorre também na agricultura e em minas da Ásia Central. As características de
situações hodiernas de trabalho forçado incluem restrições à liberdade de ir e
vir, retenção de documentos de identidade e ameaças de denúncia a autoridades
de imigração de todo migrante que se queixa de condições de vida e de trabalho
abaixo das normas mínimas” (cf. OIT, 2001).
Foto: Sebastião Salgado: “Serra Pelada”,
Pará, 1986.
A Serra Pelada é uma serra
brasileira localizada no estado do Pará. Tornou-se muito conhecida durante a
década de 1980 por uma corrida do ouro moderna, tendo sido o local do maior
garimpo a céu aberto do mundo, de onde foram extraídas, oficialmente, 30 toneladas
de ouro. Localiza-se no município de Curionópolis ao sul do estado do Pará, a
aproximadamente 35 km da sede do município. A serra é um complexo mineral que
abrange uma área de aproximadamente 5 mil hectares. Hoje existem diversas
cooperativas atuantes na área defendendo os direitos minerários de seus
cooperados concedidos pelo DNPM - Departamento nacional de Pesquisas Minerais,
órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Em 1982, devido à grande fama
alcançada pelo garimpo de Serra Pelada, foi gravado no local o filme Os Trapalhões na Serra Pelada, que foi
estrelado pela célebre trupe humorística Os
Trapalhões. Atualmente, a antiga cava onde se situava o garimpo é um lago
com 100 metros de profundidade. Estima-se que existam no local cerca de 350
toneladas de metais preciosos, entre ouro, platina e paládio. Devido à recente
valorização do ouro no mercado internacional após a crise econômica de
2008-2012, muitos garimpos até então desativados, passaram a ser reabertos. Em
2011, a empresa de mineração canadense Colossus Minerals Inc. se associou à
Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (COOMIGASP), formando
a joint venture Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM), que
irá explorar de forma mecanizada o ouro de Serra Pelada a partir de 2013.
Os
trapalhões na Serra Pelada é um filme brasileiro de 1982, do gênero comédia
infantil, dirigido por J.B. Tanko e estrelado pela trupe humorística Os Trapalhões. Os amigos Curió, Boroca,
Mexelete e Bateia aventuram-se em busca de ouro no garimpo de Serra Pelada. A
região é controlada pelo estrangeiro Von Bermann, cujas ordens são executadas
pelo capanga Bira. Sedento por poder, o gringo contrabandeia o ouro e deseja
apoderar-se das terras do brasileiro Ribamar, que se recusa a fazer negócio antes
da chegada do filho Chicão e assim foi. Os
Trapalhões na Serra Pelada teve locação em Serra Pelada e no Sítio do Capim
Melado, no Rio de Janeiro.O filme foi comercializado para Moçambique e Angola
em 1983. Teve bilheteria de 5 milhões de espectadores na época de seu
lançamento, “sendo que até hoje permanece como o oitavo filme de maior
bilheteria da história do cinema brasileiro”.
Foto: Serra Pelada no exato local onde se
faziam as prospecções, vista a partir da Vila dos Garimpeiros.
A
Serra dos Carajás é uma formação vulcano-sedimentar que faz parte do grupo
Grão-Pará e está localizada na região central do Estado do Pará. Uma verdadeira
“mina de ouro”, a região esconde em suas entranhas minério de ferro, ouro, cobre,
zinco, manganês, prata, bauxita, níquel, cromo, estanho e tungstênio em
quantidades ainda desconhecidas e que fizeram da “Província Mineral de Carajás”
uma das regiões mais ricas em minérios do mundo. A primeira jazida de minério
de ferro foi descoberta em 1967 quando o helicóptero com o geólogo Breno dos
Santos, da US Steel, foi obrigado a um pouso de emergência em uma clareira na
região. Mas aquela clareira não era proposital, eles haviam pousado em uma
“canga” - uma região onde o minério de ferro está tão rente à superfície que a
vegetação não consegue crescer de forma normal. O geólogo, durante o vôo, havia
notado diversas clareiras como aquela pela região, o que não é nada comum.
Pronto. Estava descoberta a maior reserva de minério de ferro do mundo.
As
pesquisas foram iniciadas naquele mesmo ano, mas as obras do Projeto Carajás,
encampadas pela Vale do Rio Doce, começaram em 1978. Três anos depois, foi
feita a primeira detonação para a abertura de mina e, em 1985, entrou em
operação o primeiro trem de minério da região. A primeira venda do minério
daquela região ocorreu em 1986 quando foram embarcadas 13,5 milhões de
toneladas de minério de ferro. O minério de ferro da Província Mineral de
Carajás é importante não apenas pela quantidade em que se encontram, mas também
pela qualidade: é o melhor minério de ferro do mundo, ou seja, o que possui
maior teor de ferro já encontrado. Porém, ao mesmo tempo em que a descoberta da
Província Mineral de Carajás trouxe enormes benefícios econômicos para a
região, a extração mineral também causa uma série de impactos ambientais e
culturais significativos.
O Projeto Carajás é oficialmente
conhecido como: “Programa Grande Carajás” (PGC). É um projeto de exploração
mineral, iniciado em 1980, na mais rica área mineral do planeta, pela Vale
(antiga CVRD). Estende-se por 900 mil km², numa área que corresponde a um
décimo do território brasileiro, e que é cortada pelos rios Xingu, Tocantins e
Araguaia, e engloba terras do sudeste do Pará, norte de Tocantins e sudoeste do
Maranhão. Foi criada pela então empresa estatal brasileira Companhia Vale do
Rio Doce, durante o governo Figueiredo, quando Eliezer Batista era presidente
da Vale. Um geólogo a serviço da empresa
norte-americana United States Steel,
empresa que vinha pesquisando o subsolo amazônico desde o início dos anos 1949
à procura de minério de manganês, foi quem descobriu a reserva de minério de
ferro de Carajás em 1962. A United
States Steel passou a deter 70,1% da mina, o restante ficando com a
Companhia Vale do Rio Doce. Surgiram sérias divergências entre as duas
companhias, que se tornaram insuperáveis até que os americanos desistiram do
projeto. Eliezer Batista considerava de fundamental importância para os
interesses estratégicos de o Brasil manter em mãos brasileiras a maior reserva
polimetálica do mundo.
Em 1970, quando muitos minérios já
tinham sido localizados, constituiu-se Amazônia Mineração S.A., que associava
empresas estrangeiras, inclusive a United
States Steel, com a Companhia Vale do Rio Doce. No final dos anos 70 a Vale
pagou uma vultosa indenização à sua parceira, para poder assumir sozinha o
controle do empreendimento. Então foi lançado o Programa Grande Carajás (PGC). O
Programa Grande Carajás (PGC), oficialmente lançado em 1982, tinha como
objetivo realizar a exploração integrada dos recursos dessa província
mineralógica, considerada a mais rica do mundo, contendo minério de ferro de
alto teor, ouro, estanho, bauxita (alumínio), manganês, níquel e cobre e
minérios raros. A vida útil das reservas de ferro, estimada na década de 1980,
era de cerca de 500 anos. Carajás não se limitou apenas a explorar a mineração;
existiam outros projetos agropecuários de extração florestal, que tinham por
objetivo o desenvolvimento da região. O PGC foi regulamentado pelo Decreto-lei
nº 1.813, de 24 de novembro de 1980 e Decreto do Poder Executivo n° 85.387 de
24 de novembro de 1980, que criou o conselho interministerial do PGC para
supervisionar o programa.
Para a consolidação desse ambicioso
projeto, foi implantada uma importante infraestrutura, que incluiu a Usina
hidrelétrica de Tucuruí, a Estrada de Ferro Carajás e o Porto de Ponta da
Madeira, localizado no Porto do Itaqui, em São Luís. De Carajás até o Porto do
Itaqui, em São Luís foi construída uma ferrovia para facilitar o escoamento
dessas riquezas minerais, que são em sua grande maioria exportadas. Essa área
exporta atualmente mais de 100 milhões de toneladas de minério de ferro por ano,
principalmente para a Ásia, além de quantidades bem menores de manganês e
cobre. Junto com as ferrovias, as condições hídricas dos rios amazônicos que
com grande volume de águas, são fundamentais para o escoamento dos minerais
extraídos. E também, para assegurar a operação da usina de Tucuruí, necessária
para o funcionamento das indústrias de transformação de minerais.
A Usina Hidrelétrica de Tucuruí é
uma central hidroelétrica no Rio Tocantins, no município de Tucuruí a cerca de
300 km ao sul de Belém, no estado do Pará, com uma capacidade geradora instalada
de 8.370 MW. Em potência instalada, Tucuruí é a maior usina hidroelétrica 100%
Brasileira. A usina de Itaipu tem potência instalada maior, 14.000 MW, mas é
dividida entre o Brasil e o Paraguai. Seu vertedouro, com capacidade para
110.000 m³/s, é o segundo maior do mundo. A construção foi iniciada em 24 de
novembro de 1974. A usina foi inaugurada em 22 de novembro de 1984 pelo
presidente João Figueiredo com capacidade de 4000 MW, ampliados em meados de
2010 para 8.370 MW. A UHE Tucuruí é a principal usina integrante do Subsistema
Norte do Sistema Interligado Nacional (SIN), sendo responsável pelo
abastecimento de grande parte das redes: da Celpa (no Pará), da Cemar (no
Maranhão) e da Celtins (no Tocantins). Em períodos de cheia no rio Tocantins, a
Usina de Tucuruí também complementa a demanda do restante do país através do
SIN. Uma eclusa e um canal de 5,5 km possibilita a navegação fluvial entre
Belém e Santa Isabel.
O projeto Grande Carajás engloba uma
das maiores áreas de exploração de minérios do mundo e está ligado às
atividades da Vale, que é a maior mineradora de ferro do mundo, privatizada em
1998. Além da maior reserva de minério de alto teor de ferro do mundo, são
explorados manganês, cobre, níquel, ouro, bauxita e cassiterita. Os preços do
minério de ferro, principal riqueza de Carajás no mercado internacional, se
elevaram a partir de 2004, a partir da demanda de países emergentes, como a
China, o que levou o preço das ações da Companhia Vale do Rio Doce a dispararem
na Bovespa. O minério de ferro também é largamente utilizado no setor
metalúrgico, considerados um dos mais importantes do mundo. O Japão, por
exemplo, é grande parceiro do Brasil, garantindo em Carajás o suprimento de
matéria-prima ao parque industrial japonês.
Estatisticamente falando o minério
de ferro é abundante no mundo, porém as jazidas concentram-se em poucos países,
sendo que apenas cinco detêm 77% das ocorrências totais. O Brasil abriga 8,3%
das reservas, a quinta maior do mundo, equivalente a 17 bilhões de toneladas.
As reservas do Brasil e da Austrália apresentam o maior teor de ferro contido,
da ordem de 60%. O ferro geralmente aparece associado com outros elementos
químicos, por isso o seu aproveitamento econômico está relacionado com sua
porcentagem junto com outros elementos presentes no minério. Por exemplo, a
hematita e a magnetita são intensamente aproveitadas, já que possuem teor de
ferro superior a 60%. Já a pirita possui ferro, mas seu principal aproveitamento
está na produção de enxofre. O Brasil é o segundo maior produtor de minério de
ferro do mundo, sendo que a China produz cerca de 21% e o Brasil, 19%. As
maiores jazidas brasileiras estão em Minas Gerais, com 61,2% das reservas
nacionais, Mato Grosso do Sul, com 28,1% e o Pará, com 10,4%.
Favorecida pelo aumento do preço do
minério de ferro em 71,5% só em 2005 e de 19% em 2006 (o acumulado de 2004 a
setembro de 2007 chega a 164%) a Companhia Vale do Rio Doce sucessivamente
apresenta os melhores resultados econômicos da sua história, batendo recordes
de embarques de minério de ferro e pelotas, receita bruta, exportações,
desempenho operacional, geração de caixa e lucro líquido. A Vale é a maior
produtora desta commodity no mundo. Esse aumento está relacionado com o intenso
crescimento mundial, principalmente da China. O maior exportador de ferro para
a China é a Austrália, com 37,95% do total, seguida da Índia, Brasil e África
do Sul. Em 2005, o Brasil foi o principal destino individual de vendas da Vale,
com 23% do total, enquanto a Europa ficou com 30,2% e a Ásia com 25,1%, puxada
pela demanda da China, que sozinha comprou 11,3% da produção da mineradora
brasileira. A China está aumentando a sua produção para tentar frear o aumento
dos preços internacionais do minério de ferro, por isto existe uma tendência de
redução dos preços para os próximos anos.
Enfim, last but not least, vale lembrar como fora noticiada na chamada
grande imprensa, em claro sinal de abalo emocional, o caso dos 33 mineiros
isolados há mais de três semanas no interior da mina de San José, em Copiapó,
no Chile, gravam um novo vídeo agradecendo às famílias pelo apoio afirmando
que: “vamos lutar até o fim” (“vamos a
luchar hasta el final”). Lembra-nos peremptoriamente o filme O Germinal (1993), que é considerado
“um soco no estômago”, expressão que é utilizada quando alguma obra de arte nos
causa “choque e horror”, mas aqui fora do sentido de um Ingmar Bergman, como
vemos no artigo “Bergman e o espelho da angústia contemporânea” (cf. Braga,
2007) ou um Alfred Hitchcock, descrito no artigo “Fábulas de Solidariedade:
Neruda, Kurosawa e Hitchcok” (cf. Braga, 2008). Produzido em 1993, o filme é
baseado no romance francês Germinal
de Émile Édouard Charles Antoine Zola, de 1881. Num cenário de extrema miséria
econômica e degradação humana, ou a chamada “dégradation de travail” (cf.
Braverman, 1976) a obra relata a realidade concreta dos operários franceses nas
minas de carvão, no final do século XIX. Com 550 metros de profundidade a mina
Voreux era formada por diferentes andares. Lá, a exploração do trabalho era
contínua, tal como vemos nos dias de hoje no caso chileno.
A
chegada de Etienne, interpretado magistralmente por Gérard Depardieu (cf.
Braga, 2011), que em sua démarche consegue interpretar ainda com a mesma leveza
e ousadia, desde um Danton - O Processo
da Revolução; 1. 900; Memórias do Mal; 1492 -
A Conquista do Paraíso; Todas as
Manhãs do Mundo, e neste caso, para o que nos interessa um “novo operário”,
que promove importantes mudanças no cenário nas minas de carvão. O mineiro
recém-chegado se espanta com a precariedade, ou, precarização, para utilizarmos
expressão em voga sobre as condições de trabalho e incentiva os operários a
prepararem uma greve. Juntos eles percorrem as minas da região, chamando outros
trabalhadores a juntarem-se ao movimento. A greve se alastra por toda a região.
Porém, a Companhia ameaça fazer demissões e a fome dos trabalhadores aperta.
Alguns querem voltar ao trabalho, outros decidem continuar a greve nem que para
isso tenham que dar a vida.
Tudo
em vão, Etienne é expulso da vila, “por ser o culpado de inculcar nos
trabalhadores ideias de revoluções e esperanças”. Os mineiros retornam quietos
ao trabalho. O filme Germinal nos
demonstra as relações de exploração entre capitalistas e operários e a
maturação do movimento sindical. Na França, na época da Revolução Industrial,
em respostas às inúmeras formas de explorações, os operários buscaram se reunir
politicamente para manifestar sua revolta e buscar seus interesses. Para tanto,
era necessário juntar forças tanto no sentido social como de organização
política, o que não está longe da utopia do cantor e compositor anarquista baiano,
Raul Seixas; é utopia, pois a palavra etimologicamente foi cunhada a partir dos
radicais gregos οὐ, e τόπος, portanto, o “não-lugar” (non-lieux)
ou “lugar que não existe”, como compreendemos com a música de autoria de Raul
Seixas e Claudio Roberto, O Dia em que a
Terra Parou, mas que não trataremos agora.
No
caso francês, do ponto de vista da análise comparada, o movimento operário se
desenvolveu a partir da organização do sindicato e do partido político, tendo
como objetivo defender não apenas os interesses dos associados, mas abrigar
interesses de todo o operariado. Em 1868, durante o governo de Napoleão III, os
operários franceses obtiveram o reconhecimento parcial de seus direitos de se
organizarem legalmente, porém este aspecto de fato só veio a ocorrer em 1884 em
associações e sindicatos. Em 1898, quando os socialistas e representantes
progressistas da democracia burguesa, entre eles Emile Zola, Jean Jaurés,
Anatole France, lançaram uma campanha a favor da revisão do caso Dreyfus
(Alfred Dreyfus, 1859-1935), oficial judeu do Estado-Maior. General francês
condenado à prisão perpétua em 1894. Este adquiriu um caráter político
evidente, quando da campanha conduzida em sua defesa pela classe operária e
pela intelectualidade progressista, que dividiu o país em dois campos: o dos
republicanos e democratas, por um lado, e o bloco dos monárquicos, clericais,
antissemitas e nacionalistas, por outro lado. Sob a pressão da opinião pública,
em 1899, Dreyfus foi indultado e libertado; em 1906, por sentença do supremo
tribunal, foi declarado inocente e reintegrado no exército. Neste sentido o
livro Se Me Deixam Falar faz jus ao
nome ao retratar a vida de Domitila, mulher, pobre, descendente de indígenas e
esposa de um minerador, durante a ditadura militar no interior da Bolívia.
Bibliografia
geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de Souza,
“Bergman e o espelho da angústia contemporânea”. Disponível em: http://dapraianet.blogspot.com/2007; Idem,
“Fabulas de Solidariedade: Neruda, Kurosawa e Hitchcock”. Disponível em: http://dapraianet.blogspot.com/2008;
Idem, “Vamos lutar até o fim, bradam
os mineiros chilenos”. Disponível no site: http://secundo.wordpress.com/2010/09/03/;
Idem, “Gerard Depardieu: bruto, como um diamante”.
Disponível no site: http://secundo.wordpress.com/2011/07/10/;
BERRI, Claude, Germinal (idem, BEL,
ITA, FRA, 170 min); OIT: Stopping forced
labour. Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre os “Princípios
e Direitos Fundamentais no Trabalho”. Relatório I (B), Conferência
Internacional do Trabalho. 89ª Reunião, Genebra, 2001; Artigo: “Protesto de
trabalhadores interdita entrada da mina de Carajás, PA”. http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2012/08/; BRAVERMAN, Harry, Travail et capitalisme monopoliste. La
dégradation du travail au XXe siècle. Paris: François Maspero,
1976; GENOVESE, Eugene, A Economia
Política da Escravidão. Rio de Janeiro: Editora: Palas, 1976; TEMPERLEY,
Howard, “Capitalism, Slavery and Ideology”. In: Past & Present, v. 75, nº, 108, 1977; WILIAMS, Eric, Capitalismo e Escravidão. Rio de
Janeiro: Palas, 1978; PIRES, José Otávio Magno, O Programa Grande Carajás e o Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
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