quarta-feira, 21 de setembro de 2011


                 Simplesmente: Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir.          



              
                                                                                          Ubiracy de Souza Braga*

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto a Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).






Hesitei muito tempo em escrever um livro sobre a mulher. O tema é irritante, principalmente para as mulheres. E não é novo(Simone de Beauvoir, 1949).
           O sexo não se julga apenas, administra-se” (Michel Foucault).

            Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, é simplesmente mais conhecida como Simone de Beauvoir (Paris, 1908, Paris, 1986), uma escritora talentosa, filósofa existencialista e feminista francesa par excellence. Escreveu romances, monografias sobre filosofia, política, sociedade, ensaios, uma autobiografia: Mémoires d`une jeune fille rangée (1958) e uma biografia: La Cérémonie des adieux suivi de Entretiens avec Jean-Paul Sartre : août - septembre 1974.  Simone de Beauvoir era a mais velha das únicas duas filhas de Georges Bertrand de Beauvoir, um advogado em tempo integral e ator amador, e Françoise Brasseur, uma jovem mulher de Verdun.
            Nasceu em Paris como Simone (então um nome pomposo que seu pai gostava) -Lucie (por sua avó materna) - Ernestine (por seu avô paterno, Ernest-Narcisse) - Marie (pela Virgem Maria) Bertrand de Beauvoir (ela foi orientada quando criança a dar seu nome como simplesmente “Simone de Beauvoir”). Era uma criança atraente, mas mimada, teimando para obter o que queria, tendo sido o centro das atenções em sua família. A mãe não foi uma grande costureira, e as roupas que costurou eram mal ajustadas. Ao crescer, Beauvoir não tinha amigos, exceto a irmã Hélène, que era dois anos e meio mais nova e de quem ela era próxima.
Em 1909, o avô materno de Beauvoir, Gustave Brasseur, presidente do Banco Meuse, faliu, jogando toda a sua família em desonra e pobreza. Georges não recebeu o dote devido por casar-se com Françoise, e a família teve que se mudar para um apartamento menor. Georges de Beauvoir teve de voltar ao trabalho, embora o trabalho não lhe agradasse. A família lutou durante toda a infância das meninas para manter seu lugar na alta burguesia, e Georges dizia frequentemente: “Vocês, meninas, nunca vão se casar, porque vocês não terão nenhum dote”.
Beauvoir sempre esteve consciente de que seu pai esperava ter um filho, ao invés de duas filhas. Ele afirmava, “Simone pensa como um homem!” o que a agradava muito, e desde pouca idade Beauvoir distinguiu-se nos estudos. Georges de Beauvoir passou seu amor pelo teatro e pela literatura para sua filha. Ele ficou convencido de que somente o sucesso acadêmico poderia tirar as filhas da pobreza. Hélène tornou-se uma pintora. Do ponto de vista de sua formação ela se tornou uma adolescente desajeitada, dedicada completamente aos livros e à aprendizagem, e preferiu ignorar os esportes porque ela não era nada atlética.
Ela e sua irmã foram educadas no Institut Adeline Désir, ou Cour Désir, “uma escola católica para meninas, algo que era desprezado pelos intelectuais da época”. As escolas católicas para meninas eram vistas como lugares onde as jovens aprendiam uma das duas alternativas abertas às mulheres: casamento ou um convento. Sua mãe, que Beauvoir considerava uma intrusa espiando cada movimento seu,  frequentou aulas com elas, sentada atrás delas, como se esperava que a maioria das mães fizessem. Lá Beauvoir conheceu sua melhor amiga, Elisabeth Le Coin (ZaZa nas memórias de Beauvoir). Simone amou a escola e se formou em 1924 com “distinção”.
Aos 15 anos, Beauvoir já havia decidido que seria uma escritora. Jacques Champigneulle tornou-se seu mentor intelectual e amigo, aquele que sua mãe esperava que fosse se casar com ela. Geraldine Paro (GéGé) e Estepha Awdykovicz (Stépha) tornaram-se suas amigas. Depois de passar nos exames de bacharelado em matemática e filosofia, estudou matemática no Instituto Católico e literatura e línguas no Instituto Sainte-Marie, e em seguida, filosofia na Universidade de Paris (Sorbonne). Em 1929, quando na Sorbonne, Beauvoir fez uma apresentação sobre Leibniz. Lá, ela conheceu muitos outros jovens intelectuais, incluindo Maurice Merleau-Ponty, René Maheu e Jean-Paul Sartre.
Enquanto na Sorbonne, Maheu deu a Beauvoir o apelido que lhe acompanharia ao longo da vida, Castor, dado a ela por causa do forte trabalho ético do animal. Em 1929, na idade de 21, Beauvoir se tornou “a pessoa mais jovem a obter o Agrégation na filosofia, e a nona mulher a obter este grau”. No exame final, ficou em segundo lugar; Sartre, 24 anos, foi o primeiro (ele havia sido reprovado em seu primeiro exame). O júri do Agrégation discutiu sobre a possibilidade de dar Sartre ou Beauvoir primeiro lugar na competição. No final, concederam a Sartre. Sua amizade com Elizabeth Mabille (“Zaza”) foi abruptamente rompida com a morte precoce de Zaza. Simone narrou esse episódio de sua vida, posteriormente, em seu primeiro livro autobiográfico, Memórias de Uma Moça bem-comportada, em que critica os valores burgueses.
Logo se uniu estreitamente ao filósofo Jean-Paul Sartre (1960; 1978; 2002) e a seu círculo, criando entre eles uma relação polêmica e fecunda, que lhes permitiu compatibilizar suas liberdades individuais com sua vida em conjunto. Na verdade, é difícil caracterizá-los como casal, porque viveram longas relações amorosas cada um com outras pessoas; Beauvoir, por exemplo, teve uma forte relação com o escritor norte-americano Nelson Algren logo após a guerra, e na década de 1950 manteve outra relação duradoura com Claude Lanzmann. No verão, era comum Beauvoir e Lanzmann viajarem com Sartre e sua amante Michelle Vian, ex-esposa do escritor Boris Vian. Foi professora de filosofia até 1943 em escolas de diferentes localidades francesas, como Ruão e Marselha. Morreu de pneumonia em Paris, aos 78 anos. Encontra-se sepultada no mesmo túmulo de Jean-Paul Sartre no Cemitério de Montparnasse em Paris.
Desnecessário dizer que Sartre em 1924 ingressou na École Normale Supérieure na mesma turma de Nizan, Daniel Agache e Raymond Aron. Músico e ator talentoso e sempre disposto a participar de brincadeiras e eventos sociais, Sartre torna-se muito popular entre os colegas. Os alunos da escola se dividem em grupos de afinidades religiosas, “ateus”  e “carolas”, e facções políticas: socialistas, comunistas, reacionários, pacifistas. Sartre adere aos ateus e aos pacifistas e enquanto Aron e Nizan aderem aos círculos socialistas e comunistas e começa a participar da vida política francesa, Sartre mantém o individualismo e o desinteresse pela política que conservaria até o fim da Segunda Guerra. No campo filosófico, além de Bergson, passou a ler Nietzsche, Kant, Descartes e Spinoza. Já na escola começa a desenvolver as primeiras ideias de uma “filosofia da liberdade leiga”, tendo como representação a oposição entre os seres e a consciência, do absurdo e da contingência que ele viria a desenvolver posteriormente em suas grandes obras filosóficas. Seu principal interesse filosófico é o indivíduo e a psicologia.
Em 1928 presta o exame de mestrado e é reprovado. Durante o ano de preparação para a segunda tentativa, estuda com Nizan e René Maheu na Sorbonne. Conhece a namorada de Maheu, Simone de Beauvoir que mais tarde se tornaria sua companheira e colaboradora até o fim da vida. Maheu havia apelidado Simone de Beauvoir de “Castor”, devido à semelhança de seu nome com Beaver (castor em inglês) e também “porque ela trabalhava como um castor”. Sartre assume o apelido e passa a chamá-la de Castor pessoalmente e em todas as cartas que lhe escreveu. Na segunda tentativa do mestrado, Sartre passa em primeiro lugar, no mesmo ano em que Beauvoir obtém a segunda colocação. Lembramos nessas notas que Sartre e Beauvoir nunca formaram um casal monogâmico. Não se casaram e mantinham uma “relação aberta”. Sua correspondência é repleta de confidências sobre suas relações com outros parceiros. Além da relação amorosa, eles tinham uma grande afinidade intelectual. Beauvoir colaborou com a obra filosófica de Sartre, revisava seus livros e também se tornou uma das principais filósofas do movimento existencialista. Sua obra literária que inclui diversos volumes autobiográficos frequentemente relata o processo criativo de Sartre e dela mesma.
Em 1931, Simone de Beauvoir é nomeada professora em Marseille, e Sartre é nomeado para o Havre. Este afastamento provoca em Beauvoir tamanha contrariedade que Sartre lhe propõe casamento. Ela se recusa, pois não queria aderir aos moldes das obrigações familiares e sociais, nem alterar a originalidade inestimável de suas relações pessoais. Aos 23 anos, Beauvoir prefere Sartre em liberdade. No verão, os dois partem para a Espanha a convite de Fernando Gerassi, a fim de aproveitarem as férias. De volta a Marseille, Simone começa a chamar a atenção, no Lycée Montgrand, “por sua forma provocadora de lecionar”. No aparente “isolamento” de Marseille, Beauvoir aproveita para provar a si mesma que é capaz de se “despolarizar” intelectualmente de Sartre. Em outubro de 1932, a fim de ficar mais perto de Paris, Simone consegue uma transferência, não por acaso, se seguirmos a trilha aberta por Freud sobre o inconsciente, para o Lycée Jeanne d`Arc em Rouen (a uma hora de trem do Havre). Logo se estabelece uma rotina: “todas as quintas-feiras Sartre vai a Rouen, e os dois passam os fins de semana em Paris”.
Do ponto de vista literário e filosófico, as suas obras oferecem uma visão sumamente reveladora de sua vida e de seu tempo. Em seu primeiro romance, A convidada (1943), explorou os dilemas existencialistas da liberdade, da ação e da responsabilidade individual, temas que abordou igualmente em romances posteriores como O sangue dos outros (1944) e Os mandarins (1954), obra pela qual recebeu o Prêmio Goncourt e que é considerada a sua obra-prima. As teses existencialistas, segundo as quais “cada pessoa é responsável por si própria”, introduzem-se também em uma série de quatro obras autobiográficas, além de Memórias de uma moça bem-comportada (1958), destacam-se A força das coisas (1963) e Tudo dito e feito (1972). Entre seus ensaios críticos cabe destacar principalmente: a) O Segundo Sexo (1949), onde se detém sobre uma profunda análise sobre o papel das mulheres na sociedade; b) A velhice (1970), sobre o processo de envelhecimento, onde teceu críticas apaixonadas sobre a atitude da sociedade para com os anciãos; e last but not least, se já não é um truísmo, A cerimônia do adeus (1981), onde evocou a figura de seu companheiro de tantos anos, Jean-Paul Sartre.
Simone conhece Colette Audry, também professora na mesma escola, e logo se tornam amigas. Beauvoir rejeita o quinto romance que havia acabado de escrever, insatisfeita com o resultado final. Troca ideias com Sartre e sugere que ele faça mudanças no livro que está escrevendo (A Náusea). Simone também organiza as “novas teorias” de Sartre, que mais tarde se transformariam em A Transcendência do Ego. Em Rouen, no Havre, em Paris, o trabalho em comum prossegue em conversas, nas cartas e nos cadernos de notas de que ambos têm conhecimento recíproco. No outono de 1933, Sartre consegue uma bolsa de um ano no Institut Français de Berlin, onde estudará Husserl e Heidegger. Em fevereiro de 1934, Beauvoir visita Sartre em Berlim, a fim de certificar-se de que a nova paixão dele (pela esposa de um amigo) não a ameaça. De volta a Rouen, Simone acaba percebendo entre suas alunas Olga Kosakiewicz, “a pequena russa”, por quem rapidamente se afeiçoa, não demorando a ser correspondida. Com o retorno de Sartre à França, Beauvoir, ele e Olga iniciam uma espécie de triângulo amoroso, o Trio. Jacques-Laurent Bost, ex-aluno de Sartre no Havre, acaba se juntando ao grupo de amigos de Simone e Sartre, “la petite famille”, que fazem do Hôtel Le Petit Mouton seu quartel-general.
Simone e Sartre “adotam” Olga, responsabilizando-se por seus estudos, que não tardam a fracassar. O relacionamento do Trio experimenta seu apogeu, e logo em seguida vem o declínio. Olga inicia um envolvimento com Bost. Beauvoir começa a escrever uma série de contos e novelas que mais tarde comporiam o livro Quando o Espiritual Domina. No verão de 1936, transferida para Paris, Simone começa a lecionar no Lycée Molière, instalando-se no Hôtel Royal Bretagne. Sartre é transferido para Laon, mas o Trio e la petite famille continuam a existir, fazendo do Dôme seu novo ponto de encontro. Vítima de uma congestão pulmonar, Beauvoir é hospitalizada. Para uma convalescença apropriada ela se muda para um hotel mais confortável (e caro) na rue Delambre. Em 1937, durante uma viagem pelos Alpes, Simone envolve-se com Bost, que lhe fazia companhia - o que, de certo modo, acaba provocando a dissolução definitiva do Trio. Incentivada por Sartre a colocar mais de si mesma em seus livros, Beauvoir começa a escrever A Convidada.
Início de um “novo trio”: Beauvoir, Sartre & Bianca. Entretanto, em virtude da guerra, o relacionamento é bruscamente interrompido. Em 3 de setembro a Segunda Guerra Mundial é declarada. Sartre é convocado para o exército, Bost também. Numa Paris subitamente vazia, Simone começa a escrever um diário específico sobre este período, do qual uma parte será incorporada, bem mais tarde, em A Força das Coisas. Dispensada de suas funções no Lycée Molière desde a declaração de guerra, Beauvoir consegue, em outubro, um lugar como professora no Lycée Camille-Sée e também no Lycée Henri-IV. Nestas instituições suas aulas eram frequentemente interrompidas pelos alertas de bombardeio. Muda-se para o Hôtel du Danemark, na rue Vavin. Apesar (ɐpə'zardə) de não ser casada com Sartre, Simone obtém um salvo-conduto que lhe permite visitá-lo em Brumath. No tempo em que passam juntos, leem o que haviam escrito “cada um na ausência do outro”.
Para sermos breves, o termo “feminismo francês” se refere a um ramo do feminismo que teria a partir de um grupo de estudiosos franceses, da década de 1970 à de 1990. O feminismo francês, comparado ao anglófilo, se destaca por uma abordagem mais filosófica e literária, e seus escritos tendem a ser efusivos e metafóricas, menos preocupados com a doutrina política, e geralmente mais focados nas teorias “do corpo”. O termo inclui autores que não são necessariamente franceses, mas que trabalharam substancialmente na França ou na tradição francesa, tais como Julia Kristeva e Bracha Ettinger.
Como vimos, a escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu romances, monografias sobre filosofia, política e questões sociais, ensaios, biografias e uma autobiografia, e é conhecida atualmente por seus romances metafísicos, incluindo Ela Veio Para Ficar e Os Mandarins, e por sua obra-prima O Segundo Sexo, de 1949, uma análise detalhada da opressão sofrida pela mulher e um tratado com as fundações do feminismo contemporâneo. O livro estabelece um existencialismo feminista, que determina uma revolução moral. Como existencialista, aceitou o preceito de Jean-Paul Sartre de que “a existência precede a essência” e, portanto, “não se nasce uma mulher, torna-se uma”. Sua análise se concentra na construção social da Mulher como “o Outro”, que ela identifica como sendo fundamental à opressão da mulher. Um de seus argumentos é o de que as mulheres teriam sido consideradas, ao longo da história, como anormais e transviadas, e sustenta que até mesmo Mary Wollstonecraft considerava os homens como o ideal ao qual as mulheres deviam aspirar; para o feminismo seguir adiante, segundo ela, esta atitude deveria ser abandonada.
Na década de 1970 as feministas francesas abordaram o feminismo com o conceito de “écriture féminine”. Segundo Helene Cixous a escrita e a filosofia seriam “falocêntricas”, e, juntamente com outras feministas francesas como Luce Irigaray, enfatizou a “escrita do corpo” como um exercício subversivo. O trabalho da filósofa e psicanalista feminista Julia Kristeva influenciou a teoria feminista em geral, em especial a crítica literária feminista, e, a partir da década de 1980, o trabalho da artista e psicanalista Bracha Ettinger influenciou a crítica literária, história da arte e a teoria cinemática. No entanto, como a acadêmica Elizabeth Wright apontou, “nenhuma destas feministas francesas se alinha com o movimento feminista tal como ele aparecia no mundo anglófilo”.
Para sermos breves, “O Segundo Sexo” é uma obra seminal que estabeleceu de imediato uma plataforma de discussão acesa sobre a condição feminina e a diversidade ou pluralidade sobre a noção “feminismo”(s). Apesar das várias polêmicas que sempre suscitou, tem servido de referência para a maior parte dos ensaios, debates e discussões posteriores. Camille Paglia afirmou que ao lê-la, aos dezesseis anos, mudou toda a sua vida: “Teve um grande impacto sobre mim; a minha independência intelectual data desse momento. O ´Segundo Sexo` continua a ser a obra suprema do feminismo moderno”. Quanto a Katte Millett baseou “Sexual Politics” na obra de Simone e a australiana Germaine Greer foi nela que se inspirou, principalmente no tratamento do tema do “envelhecimento feminino e suas consequências”, talvez como... É fácil encontrar notas sobre de Beauvoir em quase todos os estudos femininos. Camille visitou quatro vezes o Brasil. Em 1996, promovendo o lançamento de seu livro Vampes e vadias, foi ao Rio de Janeiro e a São Paulo, em companhia de sua então companheira Alison Maddex. Em 2007, conferenciou em Porto Alegre e, em 2008, em Salvador. Retornou a Salvador em fevereiro de 2009 para curtir o carnaval baiano. Declara-se apaixonada pelo Brasil.
Ipso facto quando surgiu, em 1949, “O Segundo Sexo” causou tanta admiração, quanto estranheza. Era uma obra vasta, dividida em dois volumes, bem documentada e alicerçada na lógica e no conhecimento e muito pouca feminina. Às mulheres então estavam reservadas aos gêneros literários como o romance ou a novela. Tendo como missão, sem ser messiânica, pôs a nu a condição feminina, explorou áreas ligadas à situação da mulher no mundo, englobando história, filosofia, economia, biologia, etc., bem como alguns “case studies” e algumas experiências particulares. Simone queria demonstrar que a própria noção de feminilidade era uma ficção inventada pelos homens na qual as mulheres consentiam, fosse por estarem pouco treinadas nos rigores do pensamento lógico ou porque calculavam ganhar algo com a sua passividade, perante as fantasias masculinas.
No entanto, ao fazê-lo cairiam na armadilha de se autolimitarem. Os homens chamaram a si os terrores e triunfos da transcendência, oferecendo às mulheres segurança e tentando-as com as teorias da aceitação e da dependência, mentindo-lhes ao dizer que tais são características inatas do seu caráter. Ao fugir a este determinismo biológico, Simone de Beauvoir abriu as portas a todas as mulheres no sentido de formarem o seu próprio ser e escolherem o seu próprio destino, libertando-se de todas as ideias pré-concebidas e dos mitos pré-estabelecidos que lhe dão pouca ou nenhuma hipótese de escolha. Assim, a mulher, qualquer mulher, deve criar a sua própria via, mesmo que seja a de cumprir um papel tradicional, se for esse o escolhido por ela e só por ela, admitem muitas mulheres que enveredaram por esses sinos luminosos até alcançarem suas escarpas abruptas que devemos desconstruir.
Enfim, mal comparando ainda Simone de Beauvoir, se me permitem a digressão, está longe de ser (e deveria?) uma Maria Quiteria de Jesus (1792-1853), militar brasileira, heroína da Guerra de Independência e menos ainda, a revolucionária Anita Garibaldi, Ana Maria de Jesus (1821-1849), a companheira do revolucionário Giuseppe Garibaldi, sendo conhecida como a “heroína de dois mundos”. Ou mesmo uma Olga Benario Prestes, companheira do líder comunista Luiz Carlos Prestes, de façanha ímpar no contato com o gentio mais diverso um movimento político-militar de origem tenentista, que entre 1925 e 1927 se deslocou pelo interior do país pregando reformas políticas e sociais e combatendo o governo do então presidente Arthur Bernardes e, posteriormente, de Washington Luís.
Ou, mutatis mutandis pelo talento político de Hilary Rodham (cf. Braga, 2010) como estadista, conquanto se fosse contrarrevolucionária, certamente poderia ser igualada a Marie Curie, em verdade Maria Sklodowiska (1867-1934), pioneira no estudo da radioatividade  que obteve o prêmio Nobel, ou, como Margaretha Geertruda Zelle (1876-1917) quando servindo-se de sua capacidade de sedução para trabalhar como “espiã dos franceses para o governo alemão”. Um tribunal francês ordenou que fosse fuzilada, por “alta traição”, ou ainda como no caso da escritora Virginia Woolf (1882-1941), pela moradia londrina de Bloomsbury onde passaram autores como J. M. Keynes e C. M. Foster, que se suicidou afogado por medo de distúrbios mentais - Michel Foucault chegara tarde para acudi-la com sua genealogia sobre o saber-poder.
Ou, ainda como aquela mulher que deve constar de nosso inconsciente, para fazermos referência à Freud, a brasileira, cantora e atriz que “fez fama em seu país”, chamada Maria do Carmo Miranda da Cunha (1909-1955), luso-brasileira  e precursora do tropicalismo, talvez, mal comparando nos dias de hoje a uma Britney; a missionária Gonxha Agnes (1910-1997), conhecida como Tereza de Calcutá; a cantora Edith Piaf (1915-1963), que “fora criada pela avó que dirigia uma casa de prostitutas”; a política Evita Perón, casada com o líder populista argentino Perón, pois como mulher lutou pelos direitos civis dos trabalhadores e da mulher, tal qual La Negra, Mercedes Sosa neste país, entoando “gracias a la vida que me ha dado tanto”; ou mormente a atriz estadunidense Grace Kelly (1929-1982), cuja sina foi ter abandonado a sua carreira de cinema como estrela para casar-se em 1956, com o príncipe Rainer de Mônaco, quando posteriormente morre num acidente de trânsito quando viajava com a sua filha Estephanie de Mônaco, como na homenagem entoada na voz de Paulo Ricardo em “Olhar 43”:
Seu corpo é fruto proibido /É a chave de todo pecado /E da libido, é prum garoto introvertido/Como eu é pura perdição/É um lago negro o seu olhar/É água turva de beber, se envenenar/Nas tuas curvas derrapar, sair da estrada,/E morrer no mar… no mar/É perigoso o seu sorriso, é um sorriso assim jocoso,/Impreciso, diria misterioso, indecifrável, riso de mulher/Não sei se é caça, ou caçadora, se é Diana ou Afrodite/Ou se é Brigitte,/Stephanie de Mônaco,/Aqui estou inteiro ao seu dispor…/Princesinha/Pobre de mim, invento rimas assim prá você/E um outro vem em cima, e você nem prá me escutar/Pois acabou, não vou rimar porra nenhuma/Agora vais sair como eu já nem quero nem saber/Se vai caber ou vão me censurar…/Será?/E prá você eu deixo apenas meu olhar 43/Aquele assim meio de lado, já saindo/Indo embora, louco por você/Que pena/Que desperdício!”...

Ou ainda, para insistirmos nesta direção, para louvar a Deusa, como se referem os gregos “se conhece pelo andar”, Leila Roque Diniz (1945-1972), conhecida como “a mulher de Ipanema”, defensora do “amor livre e do prazer sexual”, tal como fora Simone de Beauvoir, é sempre lembrada como símbolo da revolução sexual feminina, que rompeu os conceitos e tabus em moda, esclarecidos in partibus infidelium pelos estudos do antropólogo francês Claude Lévi-Straus, “que não gostou da baía de Guanabara, pois achou que ela tinha uma boca banguela”… mas neste caso, por meios das ideias e atitudes de uma mulher; como também ocorrera, mal comparando, no plano obscuro da política para a mulher islâmica, Benazir Bhutto, líder do partido popular do Paquistão (1953-2007), primeira mulher que ocupou o cargo de premiê de um país muçulmano, ipso facto assassinada em plena campanha política. Mas a perda também se dá como ocorrera com a Realeza inglesa quando a jovem e bela Diana de Gales, conhecida como a “Princesa do povo” (1961-1997), morre ao lado do namorado em um controvertido puzzle, ainda inexplorado jornalisticamente falando acidente de trânsito “à la James Bond”, quando fugia supostamente da perseguição vampiresca dos chamados “paparazzi”, uma nova farsa da “notícia avant première”, enquanto indiscretos fotógrafos de celebridades.

Bibliografia geral consultada.
BRAGA, Ubiracy de Souza, “Hillary Rodham: Dama de Ferro & Cia. no Mundo Globalizado”. Disponível em: http://secundo.wordpress.com/2010/07/23
Idem, “Lugar de mulher é nas histórias de ação no cinema”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/07/15
BEAUVOIR, Simone de, O segundo sexo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009, 935 páginas
SARTE, Jean-Paul, Critique de la raison dialectique. Paris: Gallimard, 1960
Idem, “O Existencialismo é um Humanismo”; “A imaginação”; “Questão de Método”. São Paulo: Abril Cultural, 1978
Idem, Crítica da razão dialética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002
Dicionário Mulheres do Brasil – de 1500 até a atualidade (org. por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000 particularmente, “Feminismo pós-1975”, pp. 229 e ss.
BECKER, Howard S, Falando da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009
LAFARGUE, Paul, O Direito à Preguiça. 3ª edição. São Paulo: Kairós, 1983
SIMMEL, Georg, “Anonyme: Einiges über die Prostitution Gegenwart und Zukunft”. In: Die Neue Zeit, janeiro de 1892
Idem, “Zur Soziologie der Familie”. In: Vossische Zeitung, 21-28 de outubro 1892
Idem, “Die Rolle des Geldes in den Beziehungen der Geschlechter. Fragment aus einer Phisophie des Geldes”. In: Die Zeit, 15.22-29  de janeiro de 1898
Idem, “O papel do dinheiro nas relações entre os sexos - fragmento de uma filosofia do dinheiro”. In: Filosofia do Amor. São Paulo: Martins Fontes, 1993
Idem, Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006
SCHORSKE, Carl E., Viena fin-de-siècle - Política e cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 1988
SOBOL, Donald J., The Amazons of Greek Mythology. Nova Yorque, 1972
MEZAN, Renato, Freud, Pensador da Cultura. 5ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990
Idem, A Sombra de Dom Juan. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993

entre outros.  

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