segunda-feira, 18 de junho de 2012

Entrevista com Sociólogo Luís de Gusmão: A veneração pelo desentendimento




Nada mais simples do que a linguagem acessível e democrática. Entretanto, para alimentar ilusões e produzir conceitos de importância ilusória, pesquisadores se atêm à valorização excessiva de elementos muitas vezes dispensáveis.
Para fazer uma análise mais profunda da temática, o sociólogo Luís de Gusmão fala em “fetichismo do conceito”, que consiste, em linhas gerais, “numa supervalorização dos poderes explicativos de um corpo de conceitos”. O fato ocorre quando, “numa investigação social, a pesquisa empírica é substituída por ilações dedutivas a partir de meros conteúdos conceituais”. É quando o conceito ganha mais espaço que o empírico.
Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, afirma que sociólogos e antropólogos alimentam ilusões acerca daquilo que é possível realizar “por meio, tão somente, de um simples quadro conceitual não acompanhado de leis gerais aceitas, sem maiores discussões filosóficas, pelo conjunto dos pesquisadores ativos”.
Luís de Gusmão é graduado em Sociologia, Ciência Política e Antropologia pela Universidade de Brasília - UnB e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente é professor adjunto da UnB, atuando nas áreas de Filosofia e Ciências Sociais. Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que você considera “fetichismo do conceito”?

Luís de Gusmão - O fetichismo do conceito consiste, em linhas gerais, numa supervalorização dos poderes explicativos de um corpo de conceitos. Isso ocorre quando, numa investigação social, a pesquisa empírica é substituída por ilações dedutivas a partir de meros conteúdos conceituais. Assim, por exemplo, em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda afirma a inexistência, no Brasil Colônia, de uma vida associativa durável. Temos aqui apenas uma dedução feita com base no conteúdo do conceito de povo aventureiro. Com efeito, evidências documentais apresentadas no próprio livro mostram a presença, entre os colonos, dessa vida associativa dedutivamente excluída: os colonos construíam, num trabalho comum e voluntário, catedrais, e participavam de mutirões agrícolas. Mas esse tipo de dedutivismo especulativo será, em considerável medida, abandonado por Sérgio Buarque em suas grandes obras históricas da maturidade.

IHU On-Line - Você acredita que a pesquisa brasileira e os pesquisadores agem cada vez mais pelos conteúdos conceituais (em vez de aproveitar as experiências empíricas)?
Luís de Gusmão - Em meu livro, O Fetichismo do Conceito (que será publicado pela Top Books), o único autor brasileiro exaustivamente analisado é Sérgio Buarque de Holanda. Os outros não são brasileiros. Mas eu diria que os nossos sociólogos e antropólogos alimentam, sim, ilusões acerca daquilo que é efetivamente possível realizar por meio, tão somente, de um simples quadro conceitual não acompanhado de leis gerais aceitas, sem maiores discussões filosóficas, pelo conjunto dos pesquisadores ativos. O interpretativismo teoricista que leva ao fetichismo do conceito não é privilégio de nenhuma comunidade nacional de investigadores sociais...

IHU On-Line - Você critica a historiografia e a sociologia apoiadas na teoria da história formulada por Karl Marx. Em sua opinião, qual seria a alternativa para que os conceitos pudessem ser utilizados de forma ideal? 
Luís de Gusmão - Eu não critico apenas os historiadores e sociólogos de inspiração teórica marxista. Como Rafael Carriello  bem notou em sua apresentação do meu livro, a crítica do fetichismo do conceito na investigação social não se restringe aos marxistas. Na realidade, ela inclui o conjunto das investigações sociológicas que chamo de teoricamente orientadas. O Sérgio Buarque weberiano, por exemplo, também incorre nesse fetichismo. A única alternativa a esse dedutivismo consiste na pesquisa empírica séria que não se ilude quanto ao alcance explicativo dos conceitos formulados por teóricos sociais particulares.

IHU On-Line - Os pesquisadores costumam usar jargões e generalizações para explicar conceitos. Como o público pode analisar esta linguagem e compreendê-la de outra forma?
Luís de Gusmão - Em relação a esse ponto eu gostaria de citar uma passagem do meu livro relativa a uma das principais mazelas encontradas entre investigadores imbuídos da crença de que toda pesquisa social mais aprofundada requer uma base teórica irredutível às melhores generalizações do saber de senso comum.
A mazela consiste em “fornecer definições e esclarecimentos conceituais completamente inúteis para qualquer pessoa fluente na linguagem natural empregada nas rotinas da vida cotidiana, matriz de todo jargão sociológico aproveitável, dotado de algum conteúdo empírico, numa tola e despropositada afetação de rigor e exatidão científicos. Essa verdadeira compulsão por definições supérfluas não raro acaba funcionando como um autêntico álibi para substituir as interpretações empíricas inteligentes da vida social, algo difícil de realizar, mas sempre valioso, por exegeses de textos de teóricos, algo bem mais fácil e, quase sempre, de utilidade duvidosa”.

IHU On-Line – Em sua opinião, por que as pessoas tendem a acreditar que linguagens difíceis e fórmulas produzidas em série são válidas para o entendimento de determinado assunto?
Luís de Gusmão - O respeito reverente em face de uma terminologia técnica esotérica resulta, em ampla medida, da presença dessas terminologias na linguagem da ciência empírica moderna, um saber concebido em nosso tempo como a expressão mais acabada, mais completa, do conhecimento humano confiável.
No caso das ciências naturais, esse esoterismo parece inescapável e perfeitamente justificável. Contudo, o mesmo não pode ser dito das chamadas ciências sociais. Nesse caso, o jargão soa dispensável, pois os conceitos sociais de senso comum, expressos na linguagem corrente, são suficientes para as descrições e explicações mais bem feitas da vida social. Em meu livro isso é exaustivamente demonstrado com inúmeros exemplos. Além disso, como muitos pensadores já observaram, as pessoas tendem a venerar aquilo que não entendem direito.



IHU On-Line - Como o uso de generalizações pode influenciar nas explicações sobre fatos históricos e políticos?
Luís de Gusmão - Na investigação da vida coletiva, em toda a sua concretude e complexidade, o emprego de teorias gerais e abstratas possui um papel realmente limitado. Mas reconhecer tal fato não implica um empirismo radical. Este, sabemos hoje, simplesmente se revela impossível, impraticável. Como sensatamente já observaram celebrados filósofos da ciência, todos os enunciados empíricos, mesmo os mais descritivos, envolvem, em alguma medida, o uso de termos universais irredutíveis à experiência imediata.
Os filósofos chamam isso de “contaminação teórica” da observação. Nesse sentido, a descrição e explicação dos fatos históricos e políticos não podem dispensar o recurso a generalizações. Estas são, de fato, inevitáveis, obrigatórias. Mas isso não significa dizer que tais generalizações sejam encontradas apenas entre os teóricos sociais profissionais. Na realidade, podemos encontrar luminosas generalizações nas obras dos grandes observadores da condição humana de todas as épocas. Em meu livro, cito algumas formuladas por romancistas de gênio, como Tchekhov  e Stendhal . Em suma, em assuntos humanos o conhecimento do geral mais sofisticado não consiste num privilégio epistemológico profissional. É disso que se trata.

Um comentário:

  1. Acho que já não procuramos mais as leis gerais desde o estrutural-funcionalismo.A escola pós estruturalista francesa tá ai fazendo discussões muito mais filosóficas do que antropológicas. Crer num corpus de conceito mais sólido do que a empiria no que chamamos de realidade social é mais afeito aos sociólogos e cientistas políticos que acreditam canonicamente no poder dos instrumentos de pesquisa.O trabalho antropológico sério é pautado na observação e as "ilações dedutivas e meros conteúdos conceituais" fazem parte dele, a gente lê vai para campo ver escuta e depois volta ao gabinete e lê mais e escreve. Ele cita/critica Sérgio Buarque de Holanda que é historiador e jornalista que NUNCA ASSUMIU nem discorreu sobre a importância do trabalho de campo nos escritos dele e é mais um ensaísta do que teórico e sua influência weberiana não explica a falta de "evidências" sociológicas. Isso é muito complicado de discorrer pois se formos falar de evidências e pedir uma concretude de nossos conceitos como podemos palpa-los senão pela abstração após o trabalho de campo? O que este Sr. está dizendo é que nós praticamos Ciências Sociais sem evidência pois não somos empíricos e nos deixamos levar pelas teorias quando fazemos nosso trabalho gerando um ciclo vicioso de adesão á outras teorias. Discordo completamente. Ele quer que os fenômenos sociais andem por aí? que as pessoas estejam com tarjas na testa descrevendo o comportamento e o paradigma que norteia as relações deles com outros? Ele quer que paremos de usar um jargão, que muitas vezes só serve para nos legitimar e que não importa nada para a sociedade mais abrangente? Ele fala de "utilidade duvidosa". Rapaz então vamos todos alí pro SENAC fazer um curso de bombeiro hdraulico, pois o mundo está cheio de pias e sanitários entupidos, vamos ser úteis!!! Ora é claro que fazemos isso é nossa especialização. Pra continuar nas metáforas funcionalistas dele, um advogado, historiador, psicologo etc. fazem a mesma coisa: rebuscam um fato até a compreensão geral ficar nula e enchem ele de tautologias que saem pela tangente do senso comum. Assim se justifica a profissão, cria-se um mercado e o protege de outras profissões. Se ele quer acabar com ele devia para de publicar o livro e disponibilizar o livro dele na internet de maneira livre, dar aula de graça, não cobrar por palestras ou afins, pronto aí seria "útil". Rapaz pense num utilitarista fordista "os conceitos sociais da vida comum já são suficientes"... Ele tá propondo então que acabe-se a ciência social é isso? É o Fukuyama da Sociologia? Ele disse que as generalizações teóricas servem pra explicar uma fadiga do empiricismo, pois o empiricismo radical é impraticável. Então somos uma balela e romancistas podem nos substituir,pois eles ao menos são honestos em admitir que o que fazem é ficção? Será que ele já fez algum trabalho de campo e percebeu que a categoria nativo ou o mito serve pro nativo dá sentido a vida dele e do grupo pela relação com o grupo que o circunda? Entendi o que ele quer dizer, é um misto de pessimismo sem fundamento e descontamento pra chmar atenção. Faz tempo que eu não via um utilitarista de cabeça fechada e discurso tão esdruxulo como esse e olha que é da UNB né.

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