Coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Violência (NEV-USP) e presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-graduação (ANDHEP), o sociólogo e professor Sérgio Adorno tem como temas centrais de seus estudos a violência urbana e a justiça criminal. Ele conclui que tal violência é uma constante na sociedade brasileira, cuja democracia, afirma o pesquisador, ainda não está consolidada.
Embora não seja um criminologista e tenha tido como ponto de partida de suas pesquisas a questão dos direitos humanos, as preocupações do sociólogo Sérgio Adorno acabaram por evoluir para o problema tão atual da violência urbana. À medida que o crime foi se tornando tema cada vez mais presente no cotidiano do cidadão e na mídia, o Estado foi sendo cada vez mais obrigado a se transformar num agente importante de combate ao crime, o que muitas vezes implicou e implica grave violação dos direitos humanos. Juntaram-se, assim, para o pesquisador, os dois grandes temas em um só e indissociável bloco.
Como afirma Sérgio Adorno, o Estado democrático tem, sim, o direito de usar contra o crime a chamada violência física legítima, mas, toda vez que precisar utilizar esse recurso, especialmente o recurso último – a violência fatal –, terá de prestar contas à sociedade. “Hoje”, diz Sérgio Adorno, “nós temos claro que não há política de direitos humanos que não enfrente os problemas da lei e da ordem. Em outras palavras, falar em direitos humanos hoje é falar também no enfrentamento do crime.” E vice-versa: uma política de segurança pública adequada deve estar conectada com sólidas políticas de direitos humanos.
Assim, ainda segundo o sociólogo, se, por um lado, para conter a violência há abuso de autoridade, o resultado será sempre violência sobre violência, numa espiral crescente e de difícil solução. Mas, se nesse mesmo combate não forem aplicadas com toda a precisão a lei e as regras da sociedade e não for punido convenientemente o criminoso, teremos um vácuo de autoridade e o crescimento geométrico da impunidade. “É parte do nosso projeto de pesquisa”, informa ele, “entender por que se pune de maneira tão insatisfatória neste país. Entender como a democracia brasileira ainda convive com os desafios colocados pelo controle da violência e do crime.” Para isso, Sérgio Adorno tem seguido algumas linhas de estudo.
Uma delas é compreender a violência na sociedade, a violência de civis contra civis, e como isso se vincula à carência de direitos econômico-sociais, de instituições, de um processo civilizacional completo. “Nós vivemos numa sociedade”, prossegue o pesquisador, “onde há bastante desrespeito ao direito do outro. Uma sociedade muito pouco tolerante com a diversidade.” Além disso, o pesquisador constata, com preocupação, certa indiferença com relação ao que se passa nas periferias. Falta de respeito à diferença e indiferença são as duas faces de uma mesma moeda. Mas, como diz o sociólogo, se queremos uma sociedade pacificada, é preciso entender o que está se passando do outro lado da cidade, onde se carece de instituições e de uma rede de solidariedade que permitam às pessoas viver no mundo da legalidade.
“Uma colega minha”, cita Sérgio Adorno, “a doutora Vera Perez, está fazendo uma enorme pesquisa também nas periferias urbanas, e o que ela está descobrindo é que uma parte substantiva da população brasileira vive no mundo da ilegalidade.” Ilegalidade de vários tipos: a dos terrenos que as pessoas ocupam, a do mundo do trabalho informal, a do mercado ilegal de remédios e assim por diante. E essa ampla inclusão na ilegalidade, segundo o estudioso, supõe uma exclusão do contrato social, o que sem dúvida acrescenta forte ingrediente ao caldo da violência atual. Naturalmente, a grande maioria das pessoas que vivem excluídas nas imensas periferias brasileiras desejaria sair dessa situação; mas o próprio fato de estarem nela freqüentemente as torna reféns do crime organizado.
Sim, porque, embora seja verdade que só cerca de 1% da população pobre está de alguma maneira ligado ao tráfico de drogas e outras atividades criminosas, a maioria dela assiste silenciosa à violência, sofrendo, também silenciosamente, suas duras conseqüências. “A miséria fragiliza essa parcela substantiva da população. Por isso, enquanto nos bairros de classe média e média alta as taxas de crimes contra o patrimônio são mais altas e as de crime contra a vida, muito mais baixas, nos bairros da periferia a situação é exatamente inversa”, constata o sociólogo. Daí a hipótese defendida pelo pesquisador: a miséria não explica diretamente o crime, mas explica a vitimização das populações que a padecem.
Os estudos de Sérgio Adorno indicam que a soma de fatores como a ausência de instituições de proteção social, um contingente muito grande de população jovem, um congestionamento habitacional e um espaço social público degradado abre caminho para a chegada do crime organizado, para o tráfico de drogas, e para a violência tanto de grupos da sociedade civil como da própria polícia. A solução para tudo isso, como diz o pesquisador, “é fazer com que as pessoas tenham uma relação de reciprocidade caracterizada pela justiça e pelo mínimo de igualdade, além de criar políticas de segurança eficientes, muito diferentes das que temos hoje”.
Independentemente, porém, do resultado dos estudos sobre a influência mais ou menos direta da miséria na exacerbação da violência, “eu quero viver”, afirma Sérgio Adorno, “numa sociedade onde não encontre pedintes nas ruas, crianças nas ruas. Onde pelo menos os direitos humanos de habitação, alimentação, educação e saúde estejam minimamente garantidos”. E é este querer, se for o querer de toda a sociedade, o que pode acabar com a escalada galopante de uma violência “de que todos certamente somos e seremos vítimas”, conclui o sociólogo.
Produção Bibliográfica:
ADORNO, S. Os Aprendizes do Poder (O Bacharelismo Liberal Na Politica Brasileira). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
ADORNO, S. O Que Todo Cidadao Precisa Saber Sobre Constituicão. São Paulo: Global, 1985.
Fonte: http://globouniversidade.globo.com/GloboUniversidade/0,,AA1641468-8744,00.html
Programa Guerrilha da TV do Itaú Cultural que discute ação, cultura e cidadania, apresentado por Anelis Assumpção. Participação de Sérgio Adorno, Barracões Culturais de Itapecerica da Serra e Gabrriel Muzak.
Vídeo nº1
Vídeo nº2
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