por Helena Barbosa.
Há duas semanas que os transportes públicos de Fortaleza entraram em greve. Os motoristas reivindicam por um reajuste de salário e melhores condições de trabalho. Hoje, após 14 dias de paralisação de uma parte circunstancial da rota, os motoristas resolveram realizar uma pausa total.
Dentro deste cenário de caos no transporte coletivo, pretendo enfatizar neste texto como esta conduta de luta pelos rendimentos de uma classe trabalhista acabou abrangendo uma população inteira, evidenciando assim, as diversas relações que sustentam a sociedade.
Em uma das minhas rotas, me vejo “obrigado” a desenvolver uma observação participante dentro de um espaço que outrora capacitava um limite de lotação de 80 pessoas e hoje leva 160 passageiros. Converso com as pessoas, escuto histórias e reclamações. Em alguns momentos presencio fatos oriundos das revoltas dos usuários da condução coletiva.
A ação do sindicato de motoristas em paralisar grande parte dos ônibus proporcionou mudanças na vida de todos que são dependentes desta condução e, indiretamente, daqueles que dependem dos sujeitos aos transportes coletivos.
Transcrevo algumas falas que presenciei durante esta ação empírica:
“Rapaz, é a segunda entrevista de emprego que perco por conta deste atraso de ônibus”. Desempregado.
“Eu tô nem vendo, amanhã não vou trabalhar.” Empregado.
“Droga! Perdi a aula do primeiro tempo”. Universitário.
“O bom é que não vou pra escola”. Aluno do ensino médio.
“Porcaria de Prefeita sem moral, vamos começar a quebrar esse ônibus, no instante aparece alguém para nos ouvir”. Passageiro.
“Cheguei atrasada e não consegui fazer a prova da Casa de Cultura”. Estudante.
“Pra gente não está tão ruim, lotamos as topics”. Topiqueiro.
“Eu tô rodando dia e noite”. Mototaxista.
“O trânsito está mais vazio”. Indivíduo em seu carro particular.
“Para essa pôrra”. Passageiro revoltado com ônibus que passa direto da parada de ônibus.
Os escritos supracitados evidenciam a interdependência existente entre os indivíduos dentro de uma coletividade. Essas relações são percebidas quando efetivamos uma análise crítica do cotidiano e percebemos os sustentáculos que asseguram os acontecimentos.
No livro “A Sociedade dos Indivíduos” do teórico alemão Nobert Elias é enfatizada a formação da sociedade através das redes de funções/relações desempenhada pelos sujeitos, e são esses deslocamento das relações humanas ocorrentes dentro dessa rede que permite que a sociedade se autorregule e molde o individuo/sociedade no tempo e espaço.
Ao fazermos uma análise histórica através do método elisiano de teoria social, notaremos que a dicotomia indivíduo e sociedade são condicionadas para a canalização do cenário social. E por mais que a política de individualismo e privatização tenha se intensificado na contemporaneidade, dando margem a formação de um indivíduo egocentrista, é possível notar que as interdependências entre os sujeitos são vitais na formação e andamento da sociedade. Por vezes, não notamos as teias que formam essa sociedade, por ter os olhos vendados para as ideias que estão além do natural ou até mesmo por receio de questionar uma “verdade” tão em voga.
O fato é que é preciso perceber a integração resguardada entre o “eu” o “nós” na construção do todo.
Se desmontarmos as distintas relações que permeia o conflito da greve de ônibus de Fortaleza, será notado este conceito de interdependência de sujeitos exposto por Elias. As relações se dividem em: passageiro/motoristas, motoristas/empresários, empresários/prefeitura do município, prefeitura do município/passageiros.
Essas relações formam uma rede que explica as tensões deste conflito.
Em suma, a lista de “quereres” fica assim:
O passageiro QUER ônibus.
O motorista QUER reajuste.
O empresário QUER lucro.
A Prefeitura QUER voto do passageiro
E o passageiro QUER ônibus...
Notamos que uma ação do indivíduo é capaz de atingir uma totalidade. È só listarmos as pessoas/empresas/instituições atingidos por esta iniciativa de protesto dos motoristas para percebermos a influência de nossas ações no outro.
Começamos com os passageiros que têm suas vidas sociais limitadas e prejudicadas, chegando atrasados em empresas, escolas e universidades.
As empresas perdem lucros com os atrasos e ausência de funcionário. O comércio fica sem o montante ideal de clientes. Até mesmo o HEMOCE teve uma baixa nos números de doadores por conta da greve. O meio político também se desenrolou em meio a estes conflitos. Na oportunidade, os partidos se manifestaram e julgaram a atual prefeita pelo caos do transporte coletivo, abrindo inclusive espaço para discutir sobre as próximas eleições.
Algumas das autoridades usaram a questionar a autoridade da prefeita. “A prefeita Luizianne Lins ainda mora em Fortaleza?” A pergunta, em tom de acusação, foi lançada ontem, da tribuna da Assembleia Legislativa, pelo deputado Osmar Baquit (PSDB). Em resposta a Baquit, o deputado petista Artur Bruno afirmou que as críticas a seu partido e a Luizianne têm motivação eleitoral.
“Nos últimos dias, deputados do PSDB resolveram fazer do centro do seu discurso político o ataque a Lula, ao PT e à prefeita Luizianne Lins, com um objetivo político eleitoral muito definido: tentar diminuir o Partido do Trabalhadores”. (OESTADOCE. 2010)
Essas ações só vêm á confirmar a metáfora da rede formulada por Elias para explicar sua concepção relacional da sociedade.
"Para ter uma visão mais detalhada desse tipo de inter-relação, podemos pensar no objeto de que deriva o conceito de rede: a rede de tecido. Nessa rede, muitos fios enrolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem a totalidade da rede nem a forma assumida de cada um de seus fios podem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles, isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam, de sua relação recíproca." (ELIAS, 1994, p35).
Fica demonstrado então que as relações que os sujeitos constroem entre si, são tão relevantes quanto seus atos isolados. E que a teoria sociológica das redes sociais exposta por Nobert Elias é um dispositivo importante para a compreensão das manifestações dos indivíduos entres eles, e consequentemente, na sociedade.
Quantos aos nossos ônibus? É melhor correr, antes que percamos novamente nossas aulas.
adorei a ligação com teoria sociologica,enriqueceu o texto :D
ResponderExcluirHelena!
ResponderExcluirO texto está muito bom, bem explicado, mas sem um estilo definido (não que isso seja ruim), dificultando o entendimento de algumas coisas, alternando entre coloquialismo e o preciosismo acadêmico. Não conhecia a teoria das redes sociais do Elias, interessante, interessante!
Gostei da iniciativa e da coragem de divulgar o texto!
Ótimo começo, ótimo texto!
È Bruno.
ResponderExcluirNa verdade eu não tinha intensão de criar nada acadêmico.
Procurei envolver uma teoria sociológica em algo cotidiano, porém expondo os argumentos com uma linguagem mais atrativa.
Mas você tem razão sim, não houve um estilo definido.
Obrigada por ler,e obrigada, principalmente, por se colocar.È muito importante pra mim ouvir vocês.
Grande abraço querido.
òtica interessante para analisar a greve. parabéns
ResponderExcluirParabéns,minha pequena.
ResponderExcluirAdmiro a sua determinação em publicar um assunto tão polêmico.
Sua garra é 1000.
gostei. texto de fácil compreensão.e sem delongas...gostei daquele antagonismo do empregado e do desempregado...do estudante do ensino médio, e do universitário...isso só vem a constatar que em uma crise(situação caótica) sempre há beneficiados e prejudicados.ou seja, nem é tão ruim assim
ResponderExcluirBom, texto fez uma otima relação entre as teoria e a "prática", mas o que me deixou feliz em ver o texto foi o uso de Elias para analisar um evento atual e as muitas vezes corrigueiro. Fazendo uma sociologia do cotidiano. Parabéns!!!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOi Daniel,
ResponderExcluiré bom ver que o texto alcançou o intuito de tentar (ousadamente)analisar o cotidiano através dos métodos de Elias.
Muito obrigada pelo comentário.
Ah, obrigada também pela colaboração dos senhores anônimos! :)
ResponderExcluirAdorei o texto, muito bom! Eu particularmente não tive nenhum contato aprofundado com as teorias do Nobertinho, mas percebi também que a linguagem do texto facilitou a compreensão para o público leigo. Eu considero um estilo! Aproximar o trabalho do cientista social ao "povo" é um grande avanço e um desafio para os futuros graduados do nosso curso! =)
ResponderExcluirParabéns!