domingo, 24 de fevereiro de 2013

Maturidade e competência

Maturidade e competência

Isabel Lustosa


Via: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1235467&coluna=1#diariovirtual 

Sempre que me encontro com jovens em começo de carreira não resisto a lhes dar conselhos. Ainda mais se esses jovens seguem carreira próxima da minha. O conselho mais insistente é de que façam o mestrado imediatamente após se formarem. Não deixem passar o tempo para ver qual é a sua. Como dizia o Cazuza, "o tempo não para" e se você demora muito para entrar na carreira que seguirá por toda a vida pode ter dificuldade para achar um lugar. Feliz ou infelizmente a época do romantismo profissional na área de humanas acabou. O longo período para maturar um tema e fazer dele algo de inédito e inovador deixou de ser o objetivo do doutorado para ser o da própria carreira. Só depois de ter aprendido os métodos e técnicas de pesquisa fazendo a monografia, depois a dissertação e, em seguida a tese, em tempos definidos matematicamente pelas agencias financiadoras, que você vai, de fato, entrar na carreira.

Há inconvenientes nessa pressão? Sem dúvida. O ritmo de trabalho especialmente em uma atividade subjetiva como as Ciências Humanas, depende de cada um. Há os que escrevem com facilidade e conseguem trabalhar concentrados no mesmo tema durante todo o tempo. Mas há também os que, apesar do interesse pela matéria, do gosto pelos estudos, mergulham às vezes por razões emocionais em longos períodos de dispersão e não conseguem trabalhar de jeito nenhum. Fazer o que? As regras têm que ser iguais para todos. A vantagem do segundo caso é que quem realmente tem talento e vocação pode, mesmo que com atrasos, vir a destacar-se na profissão. Como essas qualidades não estão inscritas na testa do estudante, o jeito é a instituição aplicar o critério geral.

Conversando com três jovens amigas esta semana ouvi o que seus orientadores haviam indicado como caminho a seguir para realizar suas dissertações. Uma tinha recebido vasta bibliografia a ser enfrentada antes de começar a pesquisa. Não quis me meter, mesmo que ainda informalmente, no processo de trabalho de minha amiga, mas lhe disse que eu jamais consegui trabalhar assim. Todas as vezes que tentei começar o trabalho procurando conhecer antes as questões teórico-metodológicas, o desânimo me impediu de avançar.

Um tema que me é caro, a caricatura brasileira, foi primeiro descoberto quando pesquisava para meu livro "História de presidentes". Para ilustrá-lo, tanto do ponto de vista plástico quanto textual, passei vasculhei a imprensa ilustrada brasileira desde o tempo da Proclamação da República até o governo Juscelino Kubitschek. A qualidade e a quantidade do material que encontrei me impressionou. Daí em diante quis saber mais sobre aqueles artistas, sobre suas publicações, suas trajetórias e qual o papel político que, de fato, a caricatura tivera naqueles contextos. Só depois é que a caricatura em si começou a ser problematizada e aí foi preciso recorrer a uma bibliografia que desse conta das questões que apareceram.

Assim, a meu ver, é preciso começar o trabalho pela parte mais prazerosa e também mais automática. Levantar e colecionar o material, dividi-lo em assuntos e/ou cronologicamente, ler e olhar tudo, ganhando familiaridade com ele para só depois começar a pensar sobre ele. Ou seja começar como colecionador - com os prazeres, as obsessões e os desafios que isto implica - e terminar como analista, como o crítico de tudo o que reuniu. Naturalmente que isto é uma perspectiva pessoal e que, para mim, vem funcionando bem ao longo desses 30 anos de trabalho em pesquisa. Não sei se serve para outros, mas fica como sugestão.

A vida do jovem pesquisador é hoje muito diferente do que era quando comecei. Então era a falta de prazo para concluir que funcionava como desestimulo ao trabalho. Hoje, quem terminar dentro do prazo sob o risco de perder os créditos. Por isso, muitas teses padecem com a falta de maturidade de seu autor. Da falta de experiência com pesquisa; da falta de convivência com a bibliografia e mesmo da falta até de uma inteligência emocional que só o tempo vivido nos dá. São estudos que, por isso, precisam ser analisados mais pelo observância pelo autor dos métodos e teorias que orientam o trabalho acadêmico do que pelo que representavam efetivamente de contribuição para o avanço daquele ramo das Ciências Sociais.

Por isso, também venho acompanhando com interesse o debate sobre as novas regras para o ingresso na carreira de professor universitário. Ao que parece, os concursos agora só vão contemplar candidatos que ingressem na carreira em seu nível inicial e que para concorrer nesse nível o candidato precisa ter apenas a graduação. No meu tempo vi com espanto alguns colegas se formarem e, no ano seguinte, já passarem a frequentar a universidade como docentes. Não sei o que os que foram alunos daqueles professores teriam a dizer sobre sua competência.

Naturalmente que o fato de que o candidato precisa ter apenas a graduação não impede que os que têm pós-graduação se candidatem. Mas sendo os salário inicialmente muito baixos, é bem provável que esses pós-graduados que venham a se candidatar não formem exatamente no time dos mais qualificados. Há muita gente que ficou na carreira sem produzir muito ou sem frequentar o meio acadêmico mas que tem título suficiente para barrar um candidato mais jovem. O problema mesmo, a meu ver, desse sistema é a má qualidade do serviço que será oferecido. Não sei como o movimento estudantil se comportou com relação a essa questão que emergiu na última greve das universidades públicas, mas deixo aqui uma questão: você, estudante universitário, prefere ter como professor alguém que acabou de se formar, ou que fez uma carreira mais ou menos ou alguém que se qualificou ao longo dos anos e que, por isso mesmo, só ingressará no magistério se receber salário correspondente à maturidade de seu trabalho e de sua competência?

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