SIM - Gosto de morar em Fortaleza porque posso passar o dia inteiro com uma camada fina de roupa e vai ser bom, não vou perder luvas nem cachecóis pela rua. Gosto de me sobressaltar e rir da violência com a qual o motorista de ônibus saúda um amigo que passa na calçada ou que dirige outro ônibus, esses gritos de macho aperreado e aperreando. Muito me agrada a luz daqui, assim como deixa encantados os pintores e fotógrafos e cineastas desde sei lá quando. Aqui a sombra fica mesmo debaixo de mim quando dá meio-dia e, embora o sol seja torrando, o vento existe. E é úmido. Aqui meus lábios só poderiam ressecar por falta de beijo.
Costumo dizer que só muito recentemente temos uma geração de fortalezenses com os quatro avós nascidos aqui. É raro, aqui em Fortaleza todo mundo tem algo que chamam de “meu interior” para onde voltar e sorriem enquanto dizem essas duas palavras. Ou então são pessoas que vieram de fora e estão passando. Mas parece que para algumas Fortaleza está virando o “meu interior” para onde todos voltarão, um dia. Há os que nem desejam partir, pois sentem a cidade como extensão de seus corpos, nela cresceram e vice-versa. Eu sou uma dessas pessoas.
Gosto da gambiarra que Fortaleza é porque aqui viver é muito perigoso, como disse o Rosa. Mas é o perigo de virar a esquina e ver a casa antiga onde entrei aos 15 anos enquanto gazeava aula ser demolida, por exemplo. É o perigo de reencontrar alguém que fez oficina de zines comigo cheirando cola no sinal de trânsito. Ou ainda de ter um pedaço da praia trocado por um aquário gigante. Mas é também o perigo de juntar em si a vontade de construir uma cidade dentro da outra e não conseguir – ou conseguir.
Então, uma cidade é feita de luz, terra, meridianos, caminhos, hábitos e, principalmente, de gente. Então acho que essa cidade que quero já existe, pois a ideia nem é nova e nem só minha. Só precisamos expandi-la em cada gesto mais largo, mais diário, mais compartilhado e explícito que diga: e se fizéssemos assim, como seria?
"Há os que nem desejam partir, pois sentem a cidade como extensão de seus corpos"
Fernanda Meireles
Mestranda em Comunicação Social pela UFC, escritora e zineira
NÃO - Fortaleza não é um bom lugar para se viver. Estou aqui desde 1950, apesar de tudo. As relações pessoais são agônicas, e prevalece o “salve-se quem puder”. O povo, grosseiro, não pede licença, muito menos desculpas, não diz obrigado, e nem dá bom dia. Perdemos o melhor da ética sertaneja. Levamos a desqualificação do outro às últimas consequências. O riso é de puro deboche. E ainda tem quem acredite que sejamos hospitaleiros.
Não me iludo com o “glamour” da propaganda governamental. A cidade é feia, cresceu sem planejamento: sistema de saúde falho, escolas sem qualidade, trânsito infernal. Os poderosos destruíram as dunas, aterraram lagoas, emparedaram a orla, ocuparam praças e aterraram mangues. Levantaram edifícios dentro do mar, do mangue, e nas áreas de proteção aos mananciais. Nossas praias ainda são (e serão sempre) poluídas. Tudo é destruído em nome da ganância e do lucro.
Temos vergonha do passado. Destruímos as marcas da memória. Não construímos um projeto de futuro. A cidade reflete a insensibilidade das elites, ávida pela acumulação desenfreada. Tentamos nos equilibrar entre populismos de “direita” e de “esquerda”; shoppings e comércio informal; “topics” e blindados; apartamentos de mil metros quadrados e favelas.
Voltando à cidade, é grande o número de viadutos sem alças. Nossas calçadas estão tomadas pelas barracas. O Centro está cada vez mais degradado.
Tentam nos vender a ilusão de que tudo se resolverá em 2014, por um passe de mágica ou por um toque de bola. Será péssimo quando nos dermos conta de que não é bem assim. Nos acenam com o supérfluo, eventos, quimeras. É difícil viver em qualquer lugar. Viver aqui parece ser pior. A semente plantada em torno do forte deu neste caos. A nave vai, à deriva.
"Temos vergonha do passado. (...)Não construímos um projeto de futuro"
"Temos vergonha do passado. (...)Não construímos um projeto de futuro"
Gimar de Carvalho Jornalista
Jornal O Povo
Visite também os blogs Mangue Sociológico e Café Sociológico
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