terça-feira, 4 de outubro de 2011

Vera Fischer e a complexidade real de uma deusa


                                    Vera Fischer e a complexidade real de uma deusa.
                                                                                   Ubiracy de Souza Braga*
                                                             Para Marina Mendonça, com admiração e carinho.

Para eu voltar às novelas quero um personagem de verdade. Sou uma atriz” (Vera Fischer).

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Vera Lúcia Fischer nasceu em uma família de origem alemã, em 1951, na cidade de Blumenau, no Vale do Itajaí, Santa Catarina. Em recente autobiografia (cf. Serena, 2011) declarou “que seu pai era nazista”. Vera Fischer, contrariando Freud (1972), nunca teve uma boa relação com o pai. Iniciou a carreira como atriz fazendo pornochanchadas, um gênero de filmes brasileiros que fez parte do popularesco nas décadas de 1970 e início da década de 1980, mas em sua démarche passou a fazer telenovelas, cinema e teatro. No cinema, interpretou personagens antinômicos de Rubem Fonseca, Plínio Marcos e Nelson Rodrigues. A beleza física da atriz é um dos seus pontos altos, para lembramos de Vinícius de Moraes, quando afirma: “que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental”, o que reitera as edições da revista Playboy de agosto de 1982 e de janeiro de 2000, sendo que nesse último ensaio fez fotos nuas em Paris aos 48 anos clicados pelo renomado fotógrafo Bob Wolfenson.
                                
                                   Coroada Miss Brasil no de 1969.
Já demonstrei noutro lugar (cf. Braga, 2010), que chamamos de “conceito” o que Platão parece “demonstrar” não como “culto” ao belo, posto que só tivesse validade se correspondesse a uma “essência no mundo das ideias”. Mas a busca platônica pelo belo, o bom e o justo ficam na história do Ocidente para buscar o “belo em si”. Com as grandes religiões, o belo situa-se sempre fora da experiência sensível. Seria o divino aquilo que o humano tem como referência e que tenta alcançar. Para sermos breves, Kant realiza uma virada, dizendo que é impossível ter uma regra universal acerca do belo, pois todo juízo a respeito do belo é singular, determinado pelo gosto; não há mais uma determinação “universalizante”. Ao mesmo tempo, se para Kant, apesar de o gosto ser singular, todo mundo tem faculdades semelhantes; portanto a decisão sobre o que é belo se rompe com a universalização, mas as condições são universalizáveis.
                                
                                             Casada com o ator Felipe Camargo
Podemos afirmar sem temor a erro que a década de 1960, não foi uma, foram duas décadas. A primeira, de 1960 a 1965, marcada por um sabor de inocência e até de lirismo nas manifestações socioculturais, e no âmbito da política é evidente o idealismo e o entusiasmo no espírito de luta do povo. A segunda, de 1966 a 1968 (porque 1969 já apresenta o estado de espírito que definiria os anos 70), em um tom mais ácido, revela as experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual e os protestos juvenis contra a ameaça de endurecimento dos governos. É ilustrativo que os Beatles, banda que existiu durante toda a década de 1960, tenha trocado as doces melodias de seus primeiros discos pela excentricidade psicodélica, incluindo orquestras, letras surreais e guitarras distorcidas. “I want to hold your hand” representa culturalmente o espírito da primeira metade dos anos 1960 e “A day in the life”, o espírito da segunda metade, a título de ilustração.
Vera Fischer foi a Miss Brasil “que mais fez sucesso em todos os tempos”, o que poderíamos assinalar por extensão “hors concours”, quando é o máximo, sem comparação. Ela foi coroada Miss no ano de 1969, e por pouco não “abocanha”, na falta de melhor expressão, também o prêmio de Miss Universo, chegando a ser semifinalista. Nos anos seguintes, ela seguiu carreira como atriz, conseguindo grande destaque em filmes e novelas até os dias de hoje - e também muita polêmica graças à sua atribulada vida pessoal. Um dos principais papéis de Vera nas novelas foi em “Mandala”, de 1987. Escrita por Dias Gomes, era uma adaptação do clássico “Sófocles Édipo Rei”, onde Vera interpretava o personagem Jocasta. “Mandala” foi extremamente polêmica, lidando com assuntos como incesto, bissexualismo, drogas, etc. e é também lembrada por ser a novela cuja música tema era o “hino trasher” da cantora Rosana, “O Amor e O Poder”, como vemos abaixo:
A música na sombra/O ritmo no ar/Um animal que ronda/No véu do luar/Eu saio dos seus olhos/Eu rolo pelo chão/Feito um amor que queima/ Magia negra, sedução/Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além/Aqui nesse lugar/Não há rainha ou rei/Há uma mulher e um homem/Trocando sonhos fora da lei/Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além/Tão perto das lendas/Tão longe do fim/Afim de dividir/No fundo do prazer/O amor e poder/A música na sombra/O ritmo no ar/Um animal que ronda/No véu do luar/Tão perto das lendas/Tão longe do fim/Afim de dividir/No fundo do prazer/O amor e poder/Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além/Tão perto das lendas/Tão longe do fim/Afim de dividir/No fundo do prazer/O amor e poder/Como uma deusa/Você me mantém/E as coisas que você me diz/Me levam além”.
Foi lá também que Vera Fischer e seu companheiro de cena Felipe Camargo viveram um romance dentro e fora da trama e se casaram - vivendo um dos mais polêmicos relacionamentos da cultura pop nacional. Ao longo de sua brilhante carreira, tornou-se uma personalidade polêmica, tal como a do cineasta Roman Polansky (cf. Braga, 2011), guardadas as proporções, devido principalmente ao seu conturbado relacionamento amoroso com o ator Felipe Camargo, que foi iniciado nos bastidores da novela Mandala, em 1987, quando ainda era casada com o diretor Perry Salles, o que levou a separação do casal e ela se casou com Felipe. Também é conhecida devida às “notórias e violentas brigas com Felipe após o casamento”, além de “seu envolvimento com drogas por mais de 20 anos”, o que a fez, inclusive, perder a guarda dos filhos diversas vezes, mas ela os recuperou e os têm criado. É mãe de dois filhos: a atriz Rafaela Fischer, nascida em 1979, que teve com Perry Salles, e Gabriel, nascido em 1993, filho de Felipe Camargo.
Em 1º de setembro de 1993, aos 41 anos, foi capa da Revista Veja - com a chamada: “O Furacão Loiro aos 40” - sobre o grande momento que vivia em sua carreira profissional na minissérie Agosto, na peça Desejo, de Eugene O` Neill e em Forever, filme “sexo-cabeça” de Walter Hugo Khouri. Em 2000, ganhou o prêmio “Melhores do Ano - Domingão do Faustão”, na categoria Melhor Atriz, por sua atuação como a protagonista Helena, na novela Laços de Família, de Manoel Carlos. Tem feito inúmeros personagens importantes na Rede Globo de televisão, sem ser a sua “queridinha”, como nas novelas Coração Alado, Brilhante, Mandala, Perigosas Peruas, Laços de Família, O Clone e Caminho das Índias e nas minisséries: Riacho Doce, Desejo, Agosto e Amazônia, de Galvez a Chico Mendes, conquanto a atriz tenha criticado recentemente, na mídia, a falta de bons convites e papéis para a TV: “Para eu voltar às novelas quero um personagem de verdade. Sou uma atriz”, definiu.
            Vera Fischer estreia no cinema em 1972, no filme “Sinal Vermelho - As Fêmeas”, de Fauzi Mansur. Sucesso nacional, a atriz torna-se musa das pornochanchadas - onde brilha em seis filmes, entre eles “Anjo Loiro” e “A Super Fêmea” - símbolo sexual e uma das mulheres mais desejadas do Brasil. Em 1977, chega às novelas, em “Espelho Mágico”, na TV Globo, “emissora em que se mantém até hoje como uma de suas principais estrelas”. Ipso facto, os anos 1980 serão fundamentais para a carreira de Vera Fischer, período em que investe na sua formação de atriz, atua no teatro e participa de filmes “que não explorem apenas seus atributos físicos”. Depois de “Perdoa-me por me Traíres”, de Braz Chediak, explode outra vez nas telas em 1981, em “Eu te Amo”, de Arnaldo Jabor, filme que reúne duas deusas no elenco: Vera e Sônia Braga. No ano seguinte, Vera Fischer integra a galeria de Walter Hugo Khouri, em “Amor Estranho Amor”, e se torna uma de suas musas atuando também em “Amor Voraz” e, como vimos, “Forever”. Em 1997, se empenha para interpretar Neusa Suely, a personagem de Plínio Marcos de “Navalha na Carne”, em nova adaptação cinematográfica, dessa vez dirigida por Neville d’Almeida.
Fora indicada quatro vezes ao Troféu Imprensa, na categoria Melhor Atriz como: Luiza Sampaio, em Brilhante em 1981, Jocasta Silveira, em Mandala em 1987, Helena, em Laços de Família em 2000 e Ivete, em O Clone em 2001. Apesar de ter feito inúmeros personagens importantes na Rede Globo como nas novelas Coração Alado, Brilhante, Mandala, Perigosas Peruas, Laços de Família, O Clone e Caminho das Índias e nas minisséries Riacho Doce, Desejo, Agosto e Amazônia, de Galvez a Chico Mendes, a atriz, dura como “a beleza de um diamante” (cf. Braga, 2011), teceu críticas recentemente na mídia, sobre seu lugar-comum com a falta de bons convites e papéis representativos para a TV, o que nos remete à epígrafe do artigo: “Para eu voltar às novelas quero um personagem de verdade. Sou uma atriz”. Do ponto de vista da atividade intelectual criadora e artística, entre 1977 e 2011 Vera Fischer teve 34 participações em novelas, minisséries e Participações Especiais; no cinema, entre 1972 e 2002, fez 21 filmes e no teatro, entre 1992 e 2006, 6 peças e dirigiu uma em 2007, recebendo o troféu Imprensa em 1981, 1987, 2000, 2001, além disso, “Confidências”, uma espécie de “Förändriguen”, para lembramos de Liv Ullmannn (1978). 

“Tenho muita criatividade! Sou contadora de histórias. Meu texto é ágil. Tem sexo, drogas, mistério e romance...'”.                     
Vera Fisher foi internada por decisão própria, em julho de 2011, numa clínica de reabilitação para o termo genérico: “dependentes químicos”, na Barra da Tijuca (RJ), “pois ainda não se livrou do vício em drogas”. Essa é a terceira vez que está sendo internada, o que não é estapafúrdio, se comparado aos atores/atrizes dos cenários hollywoodianos. O cinema americano é, na atualidade, “o mais famoso e bem pago do mundo”. Ninguém pode questionar que é também uma das mais bem sucedidas indústrias de entretenimento do mundo, onde Hollywood tornou-se sinônimo desta indústria cultural americana. Sua influência no resto do mundo é avassaladora e permanece, geralmente, como uma referência para o público que, em termos gerais, prefere esta cinematografia aos filmes do seu país. Aqui a lista dos 10 melhores atores de Hollywood do século XXI. Mas de acordo com Anita Loos, ou seja,
A lo largo de toda su extraordinaria vida, la inefable Anita Loos se dedicó a registrar en su agenda las citas y los compromisos de cada día. Estas anotaciones iban a ser el germen de Adiós a Hollywood con un beso, segunda parte de las memorias de esa mujer morena, de apenas un metro cuarenta y cinco, que, a decir de un crítico norteamericano, ´puso su sello a toda una época`. Y es que Anita Loos pasó más de dieciocho años en los estudios de la metro Goldwyn Mayer escribiendo guiones, mientras se divertía en ´el gran mundo fuera de las películas` con gente como Greta Garbo, Aldous Huxley, Marion David o William Randolph Hearst. Al mismo tiempo, y con el sentido del humor y la ironía que siempre caracterizaron a la autora de los caballeros las prefieren  rubias, relatará toda una serie de anécdotas de primera mano sobre la virilidad de Clark Gable, las borracheras de Scott Fitgerald, los matrimonios de Jean Harlow o las angustias de Raquel Meller que, además de divertir, ayudarán a comprender mejor la historia del cine norteamericano” (Loos, 1988).
Além disso, Hollywood, em favor da direita, no sentido político do termo (cf. Bobbio, 1960; 1980; 1983), isto é, parece haver um consenso tanto na mídia quanto na opinião pública, se de fato ela existe, de que “direita” versus “esquerda” teriam perdido a validade como termos para definição de facções ou tipos de pensamento político, devido à queda do Muro de Berlim e o consequente colapso do regime comunista soviético. Ele pede licença para discordar, arrolando uma série de motivos e “conteúdos de sentido” (cf. Weber, 1992) pelos quais: “esquerda” versus “direita”, conceitos utilizados pela primeira vez na política durante a revolução clássica francesa, ainda são mais do que significativos nos dias de hoje, partindo desde o mais óbvio, como por exemplo, o fato de que as pessoas ainda definem facções no espectro político segundo o critério de divisão entre esquerda e direita, até uma análise escorreita e mais cuidadosa segundo a qual esquerda e direita subsistem devido às maneiras bem diferentes de encarar questões como liberdade e igualdade entre os homens. Para insistirmos neste aspecto, lembramos que no texto “Berlusconi & Cia.”, Saramago escreveu: “Na terra da máfia e da camorra, que importância poderá ter o facto provado de que o primeiro-ministro seja um delinquente?”.
Após deixar a clínica de reabilitação, Vera Fischer resolveu cuidar do visual e foi ao salão de beleza do Hotel Marina Palace, nestes dias. Sorridente, ela deixou o local com os cabelos lisos. Vera foi internada dia 26 de julho no Núcleo Integrado de Psiquiatria, na Barra da Tijuca, para “tratamento contra a dependência química”. Aos 59 anos, essa não é a primeira vez que a atriz tem envolvimento com drogas. Em 1997, Vera se internou na Clínica Solar do Rio, no glamoroso bairro Santa Teresa, para um tratamento que durou dois meses. Poderia agora, repetindo a Simone de Beauvoir, escrever um livro: “Hesitei muito tempo em escrever um livro sobre a mulher. O tema é irritante, principalmente para as mulheres. E não é novo” (cf. Beauvoir, 2009).
Bibliografia geral consultada
BRAGA, Ubiracy de Souza, “Hillary Rodham: Dama de Ferro & Cia. No Mundo Globalizado”. Disponível em: http://secundowordpress.com/2010/07/23;
Idem, “Simplesmente: Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir”. Disponível em: http://www.cienciasocialceara/21/09/2010;
Idem, “Lugar de mulher é nas histórias de ação no cinema”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/07/15;
Idem, “Gerárd Depardieu: bruto, como um diamante”. Disponível em: http://www.secundopress.com/2011/07/10;
Idem, Jacques Derrida: Notas sobre a ´metafísica da presença`”. Disponível em: www.http://cienciasocialceara/2011/07;
Idem, “O maravilhoso (e misterioso) em Krzystof Kieslowski e Cia”. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/06/07;
Idem, “Fiódor Dostoiévski e a psicologia de seus personagens”. Disponível em: http://www.cienciasocialceara.blogspot.com/2011/08;
Idem, “Roman Polansky: sabor de vida e de tragédia?”. Disponível em: http://www.cienciasocialceara.blospot.com/2011/09;
Idem, “Contrariando o nu na festa “pop” do Rock in Rio. O sonho acabou!”. Disponível em: http://www.cienciasocialceara.blogspot.com/2011/09/01;
Revista Veja – “A sedução madura da loira - Aos 41 anos, Vera Fischer vive um grande momento de sua carreira na minissérie Agosto, no palco e nas telas”;
Idem, “Após reabilitação, Vera Fischer vai ao salão de beleza”. Cf. revista Veja, 30/07/2011; http://www.vagalume.com.br/rosana/o-amor-e-o-poder.html;
BOBBIO, Norberto, “Gramsci e la concezione della societá civile”. In: Gramsci e la cultura contemporânea. Editori Riuniti, 1960, vol. I;
Idem, A teoria das formas de governo. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980;
Idem, Dicionário de Política. 2ª edição. Brasília: Editora da UnB, 1983;
LOOS, Anita, Adiós a Hollywood con un beso. Barcelona: Tusquets, 1988; ULLMANN, Liv, Mutações (“Förändriguen”). São Paulo: Círculo do Livro, 1978;
ALLEN, Woody, Cuca Fundida/Allen Stewart Konigsberg. 2ª edição. Porto Alegre: L&PM Editores, 2008 (1ª edição1966);
FREUD, Sigmund, Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca Neuva, 1972, 3 Volumes.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix, El Antiedipo, capitalismo y esquizofrenia. Barcelona, 1973;
WEBER, Max, Economia y Sociedad. Esbozo de sociología comprensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1992;
LIPOVETSKY, Gilles, A Era do Vazio. Lisboa: Relógio d`Água, 1989;
BEAUVOIR, Simone de, O segundo sexo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009

entre outros.  



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