domingo, 4 de dezembro de 2011

90 anos de Gabito coincide com seus libelos.


                                        90 anos de Gabito coincide com seus libelos.
                                                                               Ubiracy de Souza Braga*

      “Não posso dizer o nome, mas vamos dizer que seja Memórias de minhascompanheirastristes”.


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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Gabriel García Márquez, também conhecido por Gabito, nasceu em 6 de março de 1927, na cidade de Aracataca, Colômbia, filho de Gabriel Eligio García e de Luisa Santiaga Márquez e tiveram ao todo onze filhos. Logo depois que García Márquez nasceu seu pai se tornou um farmacêutico. Em janeiro de 1929, seus pais se mudaram para Barranquilla, enquanto García Marquez permaneceu em Aracataca. Foi criado por seus avós maternos, Doña Tranquilina Iguarán e o coronel Nicolás Ricardo Márquez Mejía. Quando ele tinha oito anos, seu avô morreu, e ele se mudou para a casa de seus pais em Barranquilla, onde seu pai era proprietário de uma farmácia. Seu avô materno Nicolás Márquez, que era um veterano da Guerra dos Mil Dias, cujas histórias encantavam o menino, e sua avó materna Tranquilina Iguarán, exerceram forte influência nas histórias e ipso facto na narrativa do autor. Um exemplo são os personagens de Cien Años de Soledad. Como é sabido,

la Guerra de los Mil Días fue la guerra civil que azotó a la República de Colombia y a Panamá (que en ese entonces era un Departamento de Colombia), entre 1899 y 1902. Tuvo como resultado la victoria del gobierno oficialista y la posterior separación de Panamá en 1903. El conflicto enfrentó a miembros del Partido Liberal Colombiano contra el gobierno detentado por una fracción del Partido Conservador Colombiano, llamada Nacional, y brevemente en cabeza del presidente Manuel Antonio Sanclemente. El brusco cambio provocado por la derogación de la Constitución de Rionegro de 1863 (que estabeleció un sistema federal) por la centralista Constitución de Colombia de 1886 (establecida bajo el mandato de Rafael Núñez) además de los violentos intentos de cooptación de los conservadores, como los intereses liberales de retomar el poder, provocó la violenta respuesta del bando liberal”.

Gabito estudou em Barranquilla e no Liceu Nacional de Zipaquirá. Passou a juventude ouvindo contos Las Mil y Una Noches (1985). Sua adolescência fora marcada pela leitura do livro A Metamorfose, de Franz Kafka (cf. Braga, 2011a). Ao ler a primeira frase do livro: “Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”, pensou “então eu posso fazer isso com as personagens? Criar situações impossíveis?”. Em 1947 muda-se para Bogotá para estudar Direito e Ciência Política na universidade nacional da Colômbia, mas a abandonou antes de concluir o curso de graduação. Em 1948 viaja para Cartagena das Índias, Colômbia, e começa seu trabalho como jornalista.
                                           
            Neste livro Gabo tem como escopo a vida de Miguel Ernesto Littín Cucumides (Palmilla, 9 de agosto de 1942) o mais importante cineasta chileno da atualidade. Ficou mundialmente conhecido quando, durante a ditadura de Augusto Pinochet, filmou clandestinamente no Chile o documentário Ata Geral do Chile, com denúncias contra o regime militar. Sua carreira como Diretor de cinema começou aos 23 anos de idade, mas foi com O chacal de Nahueltoro, de 1969, que causou grande impacto na sociedade chilena por denunciar a situação de marginalidade dos homens do campo. A partir daí, todos os seus trabalhos deixam clara sua postura política que, segundo suas próprias palavras, “brota naturalmente, a partir da construção de uma consciência humanista e libertária”.
Com a notoriedade conquistada com este filme, o presidente Salvador Allende (1908-1973), médico e político marxista chileno e fundador do Partido Socialista,  governou seu país de 1970 a 1973, quando foi deposto por um golpe de estado liderado por seu chefe das Forças Armadas, Augusto Pinochet, então nomeou-o diretor da estatal Chile Films em 1971 (cf. Linares, 1976, pp. 153 e ss.). Com a derrubada de Allende, radicou-se no México, onde concluiu o longa-metragem A Terra Prometida, iniciado no Chile, e dirigiu Atas de Marusia, estrelado por Gian Maria Volonté e com música de Mikis Theodorakis e Ángel Parra. No México, realizou mais quatro filmes de sucesso e iniciou, junto com Luis Buñuel e outros cineastas, “um movimento para afirmação de uma identidade para o cinema latino-americano, de que resultou o Festival do Cinema Ibero-americano de Huelva”. Em 1985, regressou “clandestinamente ao Chile para realizar um filme de denúncia contra os abusos da ditadura de Augusto Pinochet”. A história dessa aventura foi narrada em livro por Gabriel García Márquez, o que tornou o nome (cf. Ginzburg, 1979) de Littin conhecido e respeitado no mundo inteiro.
Contudo, de acordo com Linares,
el movimento de cine político chileno es anterior al ascenso al gobierno de la Unidad Popular, presidida por Salvador Allende, y, en la medida de sus fuerzas, contribuyó a propiciarlo, adquierendo un gran auge durante la eufórica etapa compreendida entre 1970 y 1973. Su porvenir trás el cruento golpe de estado fascista de la derecha y el ejército chilenos es tan duro y difícil como el de los partidos de izquierda y las masas populares en general” (Linares, 1976: 153).
Gabito trabalhou como jornalista para o jornal El Universal. Em 1949 segue para Barranquilha e trabalha como repórter igualmente para o jornal El Heraldo. Neste mesmo período participa de um escol de escritores para estimular a literatura. Em 1954 passa a trabalhar no jornal El Espectador como repórter e crítico literário.  Em 1958 trabalha como correspondente internacional na Europa retorna a Barranquilha, casa-se com Mercedes Barcha com quem tem dois filhos, Rodrigo e Gonzalo. Em 1961 segue para Nova Iorque como correspondente internacional, mas suas críticas a exilados cubanos e suas ligações com o líder revolucionário Fidel Castro (cf. Braga, 2011c) o fizera ser perseguido pela CIA (cf. Beltran & Cardona, 1980) e com isso muda-se para o México. Em 1994 cria juntamente com seu irmão, Jaime Abello, a Fundação Neo Jornalismo Iberoamericano.
            Teve seu primeiro romance “La Hojarasca” publicado em 1955. Em 1961 publica “Ninguém escreve ao coronel”. A obra relato de um náufrago, muitas vezes apontada como seu primeiro romance, conta a história verídica do naufrágio de Luis Alejandro Velasco e foi publicado primeiramente no “El Espectador”, somente sendo publicada em formato de livro anos depois, “sem que o autor tivesse conhecimento da edição”. O escritor colombiano possui obras de ficção e não ficção, tais como Crônica de uma morte anunciada e El amor en los tiempos del cólera. Em 1967 publica Cien Años de la Soledad, livro que narra a história da família Buendía na cidade fictícia de Macondo, desde sua fundação até a sétima geração. Este livro foi considerado um marco da literatura latino-americana e exemplo único do estilo a partir de então denominado “realismo fantástico”, como veremos a seguir. Suas novelas e histórias curtas - fusões entre a realidade e a fantasia - o levaram ao Nobel de Literatura em 1982.
            Salvo engano, talvez por sua permanência na Europa Gabito tenha intuído sobre uma teoria do caráter (cf. Adorno, 1983), como vemos a seguir:
Florentino Ariza se lembrou de uma frase que ouvira menino do médico da família, seu padrinho, a propósito da sua prisão de ventre crônica: ´O mundo está dividido entre os que cagam e os que cagam mal`. Sobre esse dogma o médico elaborara toda uma teoria  do caráter, que considerava mais certeira do que a astrologia. Mas com as lições dos anos, Florentino Ariza a formulou de outro modo: ´o mundo está dividido entre os que trepam e os que não trepam`. Desconfiava dos últimos: quando saíam dos trilhos, era para eles tão insólito que alardeavam o amor como se tivessem acabado de inventá-lo. Os que o faziam amiúde, em compensação, viviam só para isso. Sentiam-se tão bem que se comportavam como sepulcros lacrados, por saberem que da discrição dependia sua vida. Nunca falavam de suas proezas, não confiavam em ninguém, bancavam os distraídos até o ponto de ganharem fama de impotentes, de frígidos, e sobretudo de maricas tímidos, como era o caso de Florentino Ariza” (Márquez, 2000: 227).
            Existem livros que conseguem reunir impressões raras sobre os homens com um humanismo radical e o propósito de colocar a verdade e a felicidade humana, a índole iluminista que induz ao combate e toda forma de obscurantismo e crendice, o projeto salvacionista alicerçado na ciência, a defesa do prazer com fundamento materialista que fizeram do epicurismo, para sermos breves, um modelo de pensamento capaz de sobreviver e ressurgir no decorrer dos séculos. Assim é Doce Cuentos Peregrinos de García Márquez. Traduzida no Brasil por Eric Nepomuceno através da editora Record, a obra revela os melhores contos escritos durante 18 anos entre a década 1970 e 1980. Como o prefácio anuncia:
 “Foi uma rara experiência criativa que merece ser explicada... a primeira ideia me ocorreu no começo da década de setenta, a propósito de um sonho esclarecedor... sonhei que assistia ao meu próprio enterro... Não sei por que, interpretei aquele sonho exemplar como uma tomada de consciência da minha identidade, e pensei que era um bom ponto de partida para escrever sobre as coisas estranhas que acontecem aos latino-americanos na Europa...”.
A linha tênue que costura os contos é a solidão dos que peregrinam pelo mundo - muitas vezes sem perspectivas de sonhos - tendo Genebra, Roma, Paris e Barcelona como background. Nesse contexto, os personagens vivem a trágica monotonia da vida de uma maneira “García Márquez de ser”, carregando a suavidade e o peso do estilo de obras como “Cem Anos de Solidão” ou “Memórias de Minhas Putas Tristes”. Um dos personagens interessantes do livro é Maria de Cervantes no conto “Só Vim Telefonar”, o quinto dos doze contos. Nele, narra a história de uma atriz mexicana aluga um carro para viajar até Barcelona. No deserto de Monegros o carro quebra e ela pede ajuda e um ônibus muda o seu destino. Confundida como loucas - semelhantes as que estavam no ônibus - Maria passa a viver um confinamento em um hospício e perde todo seu passado em algumas semanas. A forma como Márquez constrói o conto é primorosa. O leitor “consegue viver toda a dor, solidão e angústia de Maria de Cervantes e as 23 páginas parecem durar toda uma vida”.
Em 2002 publicou sua autobiografia Viver para contar, logo após ter sido diagnosticado um câncer linfático. Gabito apontou como o seu mestre o escritor norte-americano William Faulkner. Tem interesse por cinema e trabalha principalmente como diretor. Em 1950 estudou no Centro experimental de cinema em Roma. Participou diretamente de alguns filmes tais como Juego peligroso, Presságio, Erendira, entre outros. Em 1986 funda a Escola Internacional de Cinema e Televisão em Cuba, para apoiar a carreira de jovens da América Latina, Caribe, Ásia e África. Em 1990 conhece Woody Allen e Akira Kurosawa, diretores pelos quais tem admiração.
                                            
Viva e depois conte-as. Sobre o que estou falando? Memórias, falo de memórias. Viver para contar é o livro de memórias de Gabriel Garcia Márquez. Depois de muitos livros escritos, ele resolveu somente agora publicar suas memórias, logo agora que ele nos diz que está perdendo as lembranças, e que estas se misturam com a realidade e os sonhos, acabando por não poder distinguir sobre realmente o que viveu. Um de seus irmãos mais novos disse a ele uma frase na qual ele concordou, e tive que concordar também, ele disse que memórias deveriam ser escritas antes de todos os outros livros, enquanto ainda têm-se suas memórias guardadas.
O livro começa quando sua mãe reaparece pedindo a ele que a acompanhe para venderem sua antiga casa. No momento em que Gabito a vê, quase não a reconhece. A partir daí Gabo começa a relembrar sua infância, onde estudou os amigos que teve dos professores que muito lhe ajudavam, não por tirar boas notas, “mas por ter um aspecto diferente de todos para com os livros”. Como não poderia ser diferente, o livro é cheio de idas e vindas. Em determinado momento ele está falando de sua vida, no outro como começou na sexualidade, no outro como entrou para o jornalismo, e o leitor que não estiver atento irá aparentemente se perder com certeza em suas lembranças, que por sinal são muito interessantes. Ele nos faz vermos que existem fatos de sua vida que se misturam com seus personagens dos livros. Como em Cem anos de solidão, em que um dos Buendía fabricava peixinhos de ouro e no livro de memórias ele relata que seu avô também fabricava, são nesses momentos de “coincidência” que Gabriel já não sabe o que é realidade e fantasia. O livro é de um aspecto intrigante, possui um conteúdo jornalístico, possui sua eterna ficção fantasiosa, mas mesmo assim o livro tido como de memórias, também não deixa de ser um romance. Realmente Gabriel García Márquez é com certeza um dos melhores no que faz.
No ano em que completa os seus noventa anos, o autor-narrador destas memórias decide se “presentear com uma noite de amor com uma adolescente virgem”. E é assim, sem rodeios, que Gabriel García Márquez apresenta a história do velho jornalista que escolhe a luxúria para provar a si mesmo, e ao mundo, que ainda está vivo. “Memória de Minhas Putas Tristes” desfia as lembranças de vida desse solitário personagem. Apresenta ao leitor às aventuras sexuais deste senhor, que vai viver cerca de “cien  años de soledad” embotado e embrutecido, escrevendo crônicas e resenhas maçantes para um jornal provinciano, “dando aulas de gramática para alunos tão sem horizontes quanto ele, e, acima de tudo, perambulando de bordel em bordel, dormindo com mulheres descartáveis”.
                                  
                               O escritor colombiano Gabriel García Márquez. Cf. Globo.com - 19/09/2009.
A origem e o significado das FARC - Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia – ejército del Pueblo, remontam as disputas entre liberais e conservadores na Colômbia, bem retratadas pela obra de Gabriel García Marques “Cien Años de Soledad” (1967). Em 1948, os liberais, com apoio dos comunistas, iniciam uma guerra civil contra o governo conservador. Após 16 anos de luta guerrilheira e a conquista de algumas reivindicações políticas, os liberais passaram a temer que a experiência cubana de 1959. se repetisse na Colômbia. Rompem com a esquerda e passam para o lado conservador. Em 27 de maio de 1964, o governo de conservadores aliados aos liberais utiliza o exército no embate contra os camponeses rebelados, acontece o massacre de Marquetália: “48 camponeses sobreviventes fogem para as selvas e montanhas e fundam as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC” (cf. Braga, 2011c).
Queremos dizer com isto que o mágico está presente na literatura e na realidade latino-americana. A fantasia do escritor, trabalhada por sua linguagem, produz a magia da escritura. O que há de novo, talvez, é que sempre ressoa a realidade na ficção, da mesma forma que esta naquela. Uma povoa a outra. Há acontecimentos, situações, figuras, sombras, ecos, labirintos que aparecem do nada, pela áura da escritura. Há expressões, imagens, metáforas, alegorias no romance que revelam a fantasia do real. Assim como pode ser um traço fundamental de uma época da história da literatura latino-americana. Um estilo literário que revela o espírito da cultura dessa época. E esta altura, por sua vez, ressoa os trabalhos e os dias, os impasses e as lutas, as derrotas e as façanhas da vida das pessoas, famílias, grupos, classes, movimentos sociais e outros setores ou “manifestações de vida” no sentido simmeliano do termo (cf. 1892; 1898), nas sociedades nacionais, do continente e das ilhas.
Talvez tenham sido os desafios característicos de uma época da história que transformaram a cultura da América Latina em um vasto arsenal de fatos surpreendentes, insólitos, brutais, incríveis, encantados; isto é, “uma profusão de fantasias, maravilhas e barroquismos”. Os impasses e as façanhas de uma época permitem reler o passado e o presente. É como se um novo horizonte iluminasse de repente todo o vasto mural da história, revelando fatos e feitos que adquire outro movimento, som, cor. O romancista pode ser um cronista “fora do tempo”, narrando o imaginado e o acontecido segundo a luz que o ilumina. Nesse sentido ele pode representar “um estilo de olhar” na medida em que o realismo mágico parece uma “superação do realismo social, crítico”. Tem sido visto como um estilo diferente, novo.
Emerge de uma época em que ele estaria esgotado, ou revelando limitações. A fabulação do artista, então, cria outros meios de expressão, abre horizontes novos à imaginação. Entre as soluções formais mais frequentes, podem-se citar: a desintegração da lógica linear de consecução e de consequência do relato, através de cortes na cronologia fabular, da multiplicação e simultaneidade dos espaços da ação; caracterização polissêmica dos personagens e atenuação da qualificação diferencial do herói; maior dinamismo nas relações entre o narrador e o narratário, o relato e o discurso, através da diversidade das localizações, da auto-referencialidade e do questionamento da instância produtora da ficção. Muitos reconhecem que a transição do realismo social ao mágico ocorre simultaneamente à redescoberta das culturas de índios e negros. São crenças, tradições, estórias, lendas e mitos que expressam outras formas de ser, outros sentidos da vida e trabalho, do tempo e espaço.
Mas ele aparece na literatura latino-americana em dada época, mais do que em outras. É no século XX, com as primeiras recepções de Jorge Luís Borges estreando em livro em 1923, com os poemas reunidos em Fervor de Buenos Aires, e já em 1925 mostrando sua contraface de ensaísta, com o depois renegado Inquisições, Borges, desde o início de sua carreira provocou reações desencontradas. Louvado nos anos 1920, entre outros, por Gómez de la Serna, Valéry Larbaud, P. H. Ureña, premiado em 1929, na maioria dos casos Borges antes provocou a irritação de críticos e resenhadores. Mas logo a reflexão por ele iniciada assumirá outra direção. Em 1933, Anderson Imbert acusava Borges de não ser “ni remotamente, un crítico ou un pensador nacional” e que pelos dois motivos, figuras como ele “están ausentes del país”. No mesmo ano, R. Doll ia além e informava que “sua prosa era anti-argentina!”. De acordo com Lima (1988) as razões merecem ser recordadas:
Primero, por su carência de tono afectivo, porque quien como él prefiere halarse las entrañas y la cabeza antes de correr el riesgo de dejar adivinhar sus emociones en  un lugar comum o una frase demasiado suelta, podrá tener de los buenos escritores europeios ilustres influencias, pero jamás dejará escrita una página argentina, con sus vícios, pero con sus encantos. Toda su expresión rígida, donde la emoción es espiada y luego anestesiada deliberadamente, es realmente una evasión obsesionada del lugar comun, pero a costa de los más genuínos y autênticos impulsos de si mismo.Es un sacrifício desgraciado a miserables preocupaciones literárias. Busquemos pues en Borges nuestra expresión, no encontraremos en su prosa sino un yermo intelectual sin jugos vitales y sin aliento” (apud Lima, 1988: 259).  
Mas em especial a partir dos anos 1940, quando se verifica a multiplicação de romances e contos nesse estilo. Vejamos alguns exemplos: Ficções, de Jorge Luís Borges, em 1944; O Senhor Presidente, de Miguel Angel Asturias, 1946; O Reino deste Mundo, de Alejo Carpentier, 1949; Pedro Páramo, de Juan Rulfo, 1955; Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa, 1956; Os Rios Profundos, de José Maria Arguedas, 1958; Cem anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, 1967; O Obsceno Pássaro da Noite, de José Donoso, 1970; Eu o supremo, de Augusto Roa Bastos, 1974, para ficarmos nestes exemplos.  
De acordo com Ianni (1974; 1978; 1986; 1996; 1997a), é claro que esse realismo não é exclusivo dessa época. Houve produções artísticas nos tempos da colônia e no século XIX que apresentavam esse traço. Talvez se possa mesmo dizer que os relatos dos primeiros viajantes e cronistas já revelavam as surpresas do real e imaginário: índio, canibal, caliban; paraíso, eldorado; luxúria, preguiça. “Que coisa maravilhosa é o ouro! quem tem ouro é dono e senhor do quanto desejar. Com ouro, até se fazem entrar as almas no paraíso”. Desde o descobrimento, desatou-se o deslumbramento. “Em busca da fonte da eterna juventude, o mítico Alvar Nuñez Cabeza de Vaca explorou durante oito anos o Norte do México, em uma expedição alucinada cujos membros se comeram uns aos outros, e só sobreviveram cinco dos seiscentos que a empreenderam”.
A magia do chamado Novo Mundo vai longe: descobrimento, invenção da esfericidade da terra conquistada, a maravilha do ouro e da prata, escravização do índio e negro, mestiçagem, indigenismo, quilombismo, cimarronismo, nativismo, Zumbí, Tupac Amaru, vodu, santeria, candomblé, pajelança. Uma das principais expressões da cultura latino-americana é o barroco latino-americano. Mas “latino-americano” porque diferente daquele da tradição ibérica, modificado e enriquecido pelas contribuições culturais e artísticas do índio e do negro. Nesse sentido é que o realismo mágico latino-americano guarda uma inflexão barroca. Ao longo dos séculos da época colonial, sob condições extremamente adversas, às quais eram submetidos nas minas, plantações, engenhos e fazendas, o índio, o negro e o branco criam e recriam formas culturais e artísticas. Formas que entram pelos séculos XIX e XX.
Com a descrição histórica para o mundo europeu dos fins do século XVII destacam-se duas grandes potências, como é sabida, a Inglaterra industrializando-se e expandindo seus mercados e círculos de influência política; a França impregnada dos ideais liberais, tendo uma burguesia que queria aumentar o seu raio de ação. No início do século XIX Napoleão tem o propósito de conseguir para a França a hegemonia sócio-política do mundo. Tentando ser a primeira potência europeia tropeça no “leão britânico”. Do ponto de vista da análise teórica de corte antropológico, por ouro lado, uma luta titânica de imperialismos tem lugar na concepção de Marc Augé em Não-Lugares. Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade (1994); La Guerre des Rêves (1997); El Viajero Subterrâneo (1998); O Sentido dos Outros. Atualidade da Antropologia (1999) na Europa, para ficarmos nesses exemplos. O que a diplomacia não resolveu foi resolvido pelas armas.
Em 1806 Napoleão decretou o Bloqueio Continental. As consequências advindas dessa decisão são de transcendental importância para a crítica analítica das pesquisas sobre Independência da América Latina. Isto posto, embora a Inglaterra conseguisse furar o bloqueio na Europa, Aguiar (1960), Macedo (1962) ou Sodré (1965), demonstraram analiticamente que a indústria inglesa necessitava ampliar seus mercados. Desde meados do século XVIII dirigira suas atenções para o chamado Mundo Novo desfrutando das vantagens de vassalagem econômica portuguesa. Contrabandeava impunemente no Brasil e procurava dominar o comércio hispano-americano principalmente na bacia do rio Prata.
Portugal era o ponto estratégico na geopolítica de consolidação da “manobra napoleônica”. D. João depois de muitos arremedos optou pelo apoio à Inglaterra e, por sugestão desta, retirou-se para o Brasil em fins de 1807, tendo Junot quase obstado a sua retirada. Transferia-se para o Brasil toda a família real para uma estada mais duradoura do que poderia supor. A dinastia bragantina fincaria alicerces no Brasil. Na Espanha, depois do apoio do ministro Godói ao plano de Napoleão, Carlos IV abdicou ao trono em favor de seu filho Fernando VII. Porém na degradante entrevista de Bayonne entre Carlos IV, Fernando VII e Napoleão concluiu-se pela permanência do primeiro trono e logo depois Carlos IV novamente abdicou desta feita em favor de José Bonaparte, irmão do Imperador francês. Em Portugal os exércitos dos comandantes ingleses e soldados portugueses repeliram a invasão de d Junot e depois as de Soult e Massena. Mesmo depois da expulsão dos franceses do território português as forças militares ficaram sob o comando de Beresford cujo procedimento foi, como é sabido, “uma das fortes motivações políticas da Revolução do Porto de 1820”.
Na Espanha os espanhóis não aceitaram o governo de José I. Manifestaram solidariedade a Fernando VII e instalaram uma junta governativa central de caráter tido como revolucionário. A restauração do monarca deu-se em 1814. Houve depois uma revolução liberal em 1820, anterior à de Portugal. Veio posteriormente a reação absolutista em 1823. Com a morte de Fernando VII em 1833, cessou a ameaça de reconquista das antigas colônias. Pari passu como as metrópoles estavam sob o domínio napoleônico iniciou-se, efetivamente, nas colônias ibéricas, o processo de sua emancipação política. O fato era que, cada província hispano-americana devia escolher entre José I ou sublevar-se em nome de Fernando VII, legítimo ocupante do trono espanhol.
Ao mesmo tempo em que se desenvolve e constitui como um fato notável da produção literária latino-americana, o realismo mágico estabelece um modo de olhar a cultura, a sociedade, a vida. Pode-se dizer que esse estilo literário, simultaneamente cultural e de pensamento social e político, institui uma forma de interrogar a vida e a história. Permite interrogar o europeu que descobriu o paraíso e o eldorado; o índio e o negro envolvidos pela civilização europeia, burguesa; o norte-americano defendendo a civilização ocidental e cristã, isto é, capitalista; o sandinista que diz em seu hino revolucionário que esse ianque é inimigo da humanidade.
O deslumbramento provocado pela descoberta das crenças dos índios, negros e brancos, isto é, camponeses, mineiros e operários, permite a redescoberta do presente e do passado. Toda a história se refaz, novamente, nas perspectivas desse estilo de olhar. De repente, tudo se mostra transparente: a demora do curso do tempo, a lonjura do espaço, o despropósito do gesto, a minúcia da brutalidade, o monumental da quimera. Aos poucos, emerge uma inesperada e fina crítica do real, por dentro da sátira desmesurada da magia. Mais do que isso, o fato de que o mágico está presente na literatura e na realidade, na arte, na história e no cinema, como vimos, sugere a possibilidade de que corresponda a um modo e olhar, a um estilo de pensamento, e não somente a um estilo de criação artística, ainda que importante. Portanto, não se trata de indagar apenas sobre os nexos entre literatura e realidade, a propósito da aura mágica que emana da escritura e da cultura. Cabe indagar se essa aura não só emana como também constitui o todo da cultura. É como se um fato insólito de repente desvendasse dimensões recônditas e significados incríveis da cultura, da vida social, biografia, história.
Ao soltar a imaginação, o artista se abre também à inventiva do povo. Povo esse no qual se encontram distintas polarizações sociais e culturais nas quais se destacam diferentes grupos de índios, negros e brancos, distribuídos principalmente como camponeses, mineiros e operários. Aí também se solta a imaginação do escritor, poeta, músico e outros artistas. Dessa forma, quando descobre o seu lugar, sítio, povoado, cidade, país, ilha, continente, o artista se maravilha.
Compreende, de acordo com Alejo Carpentier (1966; 1968) que o maravilhoso começa a sê-lo, de maneira inequívoca, quando surge de uma inesperada alteração da realidade: a) o milagre, por exemplo, b) de uma revelação privilegiada da realidade, de um destaque incomum ou singularmente favorecedor das investidas riquezas da realidade, ou, c) de uma ampliação das escalas e categorias da realidade, percebidas com particular intensidade, em virtude de uma exaltação do espírito, que o conduz até a um tipo de “estado limite”. Nessa perspectiva, o vodu, a santeria, candomblé, pajelança, polarizam muito das formas sociais e culturais de índios, negros e brancos.
É evidente, pela virgindade da paisagem, pela sua formação, pela ontologia, pela afortunada presença do índio e do negro, pela revelação que constitui seu recente descobrimento, pelas fecundas mestiçagens que propiciou que a América, segundo Carpentier, “ainda está muito longe de ter esgotado seu caudal de mitologias”. Ao debruçar-se sobre a própria escritura, as criaturas da sua imaginação, o escritor reconhece que uma parte importante da sua matéria de criação é proveniente da realidade social e cultural que lhe coloca desafios, interrogações, mitos, linguagens. O escritor reconhece assim, que a realidade social e cultural lhe abre horizontes inesgotáveis, inclusive quanto às formas narrativas.
Quando refletia para escrever Cien Años de Soledad, Gabriel García Márquez não encontrava o tom que lhe parecesse crível. Um dia, “tive a revelação: devia contar a história como a minha avó me contava as suas, partindo daquela tarde em que o menino é levado por seu pai para conhecer o gelo”(sic). É possível afirmar que o amadurecimento da literatura ibero-americana, sua consagração e o reconhecimento internacional têm a ver com a capacidade de seus escritores em recuperarem um passado cíclico e mítico e, por assim dizer, em “maravilharem-se” (do v. t. maravillar) que em filosofia tem origem na thaumadzein, o maravilhar-se e “ser tomado de espanto, o padecer”, que é mister do filósofo: mala gar philosophou touto to pathos to thaumadzein; ou gar allẽ archẽ philosophias hẽ hautẽ, ante as trajetórias de caudilhos passados, cuja malevolência e histrionismo escarneciam da hipocrisia dos códigos estrangeiros.
Daí que o “realismo mágico” converteu-se num veio capaz de afirmar a realidade latino-americana entre os dentes das “Cassandras científicas”. Gabriel Garcia Márquez inspirou-se inicialmente em Faulkner. Mas basta comparar o coronel Thomas Sutphen com o coronel Aureliano Buendia, ou o condado de Yoknapatawpha com Macondo, para reconhecer um “desencantamento do mundo”, no sentido pós-weberiano, e outro ainda encantado. Uma cisão entre as sensibilidades estética e científica, artística e literária, deslocou para os romancistas, poetas e artistas latino-americanos “o peso da responsabilidade de expressar seu mundo como centro e não como periferia”.
Bibliografia geral consultada:
SIMMEL, Georg, “Anonyme: Einiges über die Prostitution Gegenwart und Zukunft”. In: Die Neue Zeit, janeiro de 1892; Idem, “Zur Soziologie der Familie”. In: Vossische Zeitung, 21-28 de outubro 1892; GINZBURG, Carlo e PONI, Carlo, “Il nome e il come: scambi ineguale e mercato storiografico”. In: Quaderni Storici, n˚ 40, 1979; BELTRÁN, Luis Ramiro & CARDONA, Elizabeth Fox de, Estados Unidos en los Medios de America Latina. México: Editorial Nueva Imagen, 1980; BISKY, Lothar, Crítica de la Teoria Burguesa de la Comunicación de Masas. Madrid: Ediciones de la Torre, 1982; ADORNO, Theodor, “O fetichismo na música e a regressão da audição”. In: Textos escolhidos: Benjamin; Habermas; Horkheimer; Adorno. 2ª edição. São Paulo: Abril Cultural, 1983, pp.165-191; BRACCO, Diego, Maria de Sanabria: A Lendária Expedição das Mulheres que atravessaram o Atlântico no século XVI. São Paulo: Record, 2008; CARO, Efrain Ruiz, La Tercera Colonización. El Poder de la Mídia en la Era Tecnológica. Lima: Ediciones la Voz, 1990; CARPENTIER, Alejo, O Reino deste Mundo. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966; Idem, Literatura e Consciência Política na América Latina. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1968; CASTRO, Silva, La Lettera sulla scoperta del Brasile di pero Vaz de Caminha. Pádua: Università di Padova, 1984; CHOMSKY, Noam, USA: Mito, Realidad, Acracia. Barcelona: Editorial Ariel, 1978; CORTÉS, Hermán, Cartas de Relación de la Conquista de México. Madrid: Espase Calpe, 1970; DECLARACIÓN de las Naciones Unidas sobre los derechos de los pueblos indígenas - Resolución aprobada por la Asamblea General, 13 de septiembre de 2007;  LIMA, Luiz Costa (org.), Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; Idem, “Aproximação de Jorge Luís Borges”. In: O fingidor e o censor: no ancien regime, no iluminismo e hoje. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1988; GERBER, Raquel, O Mito da Civilização Atlântica - Glauber Rocha e o cinema Novo, cinema e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; GOLDMANN, Lucien, Pour une sociologie du romain. Paris: Éditions Gallimard, 1964; GOLDMANN, Lucien, et alli, “Sociologie de la création littéraire”. In: Revue Internationale des Sciences Sociales. Paris, vol. XIX, n˚ 4, 1967a; Idem, Per una Sociologia del Romanzo. Milão. Bompiani, 1967b; IANNI, Octávio, Conferência: “O Realismo Mágico”. Texto escrito e falado no XVI Congresso Latino-Americano de Sociologia. UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2 a 7 de março de 1986; LINARES, Andrés, El Cine Militante. Madrid: Castellote Editor, 1976; http://www.oreconcavo.com.br/2011/08/05/franz-kafka-e-a-figura-paterna-em-praga-por-ubiracy-de-souza-braga/;http://www.oreconcavo.com.br/2011/08/14/fidel-alejandro-castro-ruz-faz-85-anos-por-ubiracy-de-souza-braga/; http://www.oreconcavo.com.br/2011/11/10/as-farc-e-a-utopia-de-libertacao-nacional-la-muerte-de-alfonso-cano-por-ubiracy-de-souza-braga/ entre outros. 

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