500
anos de “Il Príncipe” - história, teoria e
verdade.
Ubiracy de Souza Braga*
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
“È molto più sicuro essere temuti che amati”. Niccolò
Machiavelli, Il Principe, 1513.
Escólio: Niccolò di Bernardo dei
Machiavelli (1469-1527) foi
escritor, diplomata e pensador político. Viveu a sua juventude sob o esplendor
político da República Florentina (cf. Villari, 1920; Roth, 1929; Vellecchi,
1929; Caristia, 1951; Mossini, 1962; Holle, 1963), durante o governo de
Lourenço de Médici (cf. Tenenti, 1973; Larivaille, 1979). Após uma adequada
educação humanista, ingressou na burocracia do governo republicano de 1498,
sendo principalmente empregada como secretário dos “Dez de Guerra”. Instalado
em 1310 para investigar a conspiração de Baiamonte Tiepolo, tornou-se talvez o
mais famoso de todos os órgãos de Estado do Renascimento. A responsabilidade do
Conselho consistia em proteger o Estado de traição, interna ou externa;
empregava espiões e, ocasionalmente assassinos etc. Neste cargo, etnograficamente, Maquiavel “observou o
comportamento de grandes nomes da época e a partir dessa experiência retirou
alguns postulados para sua obra”. O defeito básico dos governantes e estadistas
que Maquiavel conheceu consistia na fatídica inflexibilidade diante da mudança
das circunstâncias políticas. Não souberam acomodar sua personalidade às exigências
dos tempos. Estes políticos tentaram, como hoje, apenas remodelar os tempos
segundo sua personalidade. Este julgamento de Maquiavel constitui o cerne da
análise da liderança política (cf. Ledeen, 2006) em “Il Principe” (1513), e,
por assim, dizer: “teniendo en cuenta que la naturaleza humana es invariable”. Sua
obra principal, “Il Príncipe” foi lida pelo cardeal inglês Reginald Pole, se
dizendo: “horrified by the influence she had on Thomas Cromwell”.
Os termos “Renascimento”,
“Renascença” ou “Renascentismo” são usados para identificar o período da
história social da Europa aproximadamente entre fins do século XIV e meados do
século XVI. Os estudiosos, contudo, não chegaram a um consenso sobre essa
cronologia, havendo variações consideráveis nas datas conforme o autor. Seja
como for, o período foi marcado por transformações em muitas áreas da vida
humana, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna.
Apesar destas transformações sociais serem bem evidentes na cultura, sociedade,
economia, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o
capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é
mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes, na filosofia e
nas ciências. Chamou-se “Renascimento” em virtude da redescoberta e
revalorização das referências culturais da antiguidade clássica, que nortearam
as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista. O
termo foi registrado pela primeira vez por Giorgio Vasari já no século XVI, mas
a noção de Renascimento, como hoje o entendemos, surgiu a partir da publicação
do livro de Jacob Burckhardt: “A Cultura do Renascimento na Itália” (cf.
Ghelardi, 1991), onde ele definia o período como uma época de “descoberta do
mundo e do homem”.
Depois
de servir a burocracia em Florença durante catorze anos foi afastado do cargo e
escreveu suas principais obras. Libertado, seguiu para uma propriedade em
“Sant`Andrea in Percussina” distante 7 km de San Casciano. Foi durante esse
ostracismo e aparente inatividade, o qual duraria até sua morte, que ele
escreveu suas obras mais conhecidas: “Il Príncipe” (1513) e os “Discorsi sopra
la prima deca di Tito Livio” (1512-1517), este em 3 volumes. Ora, vale lembrar
que os “Discursos” são uma obra republicana. E, se Maquiavel foi torturado a
mando dos Médici, que acabavam de retomar Florença, isso se deveu a ter sido
ele um dos líderes da República florentina. O Maquiavel mais extenso é republicano – e sobre ele
temos um livro notável de Newton Bignotto, “Maquiavel Republicano” (1991). Mas
talvez o autor d’ O Príncipe seja o
Maquiavel mais intenso: essas semanas
no campo emancipam a política da moral cristã. Florença comemora os 500 anos de
redação de “Il Príncipe”, de Maquiavel, obra fundadora da ciência política, com
uma exposição que explora sua gênese em contexto historicamente determinado.
Concluído
em 10 de dezembro de 1513 e dedicado a Lorenzo II de Médici (1449-1492), duque
de Urbino, o célebre tratado de Nicolau Maquiavel (1469-1527), redigido em
apenas dez meses, se tornou, com o passar dos séculos, um substantivo
(maquiavelismo) e um adjetivo (maquiavélico), que explica a doutrina “de que os
fins justificam os meios”. Lourenço de Médici foi um estadista italiano,
soberano de fato da 1ª República Florentina (cf. Roth, 1929; Valori, 1929) durante
o Renascimento italiano. Conhecido como Lorenzo “il Magnifico” por seus
contemporâneos florentinos, foi um diplomata, político e patrono de acadêmicos,
artistas e poetas e também mecenas. Sua vida coincidiu com alguns dos pontos
altos do início do Renascimento na Itália, e sua morte marcou o fim da chamada “Idade
de Ouro” de Florença. A paz frágil que ele ajudou a manter entre os diversos
Estados italianos entrou em colapso depois de sua morte.
É
indiscutível que Maquiavel foi o fundador da ciência política (cf. Escorel,
1958; Esposito, 1980; 1984; Bath, 1992; Nivaldo, 2004; King, 2010; Braga, 2012),
constituindo-se naquele que entendeu primeiro que o poder não foi concedido por
Deus, mas que é temporal. Juntamente com “Pinocchio”, de Carlo Collodi, o livro
de Maquiavel é o texto de um autor italiano mais
traduzido no mundo, afirmou Valdo Spini, presidente do Comitê florentino
para as comemorações dos 500 anos da obra do escritor, durante uma coletiva de
imprensa realizada em Roma. Para homenagear uma das personalidades mais importantes
do Renascimento, como diplomata e filósofo foi organizada uma exposição com o
lema: “Il percorso del Principe”. O comitê organizador quer desfazer também o
estereótipo que foi ideologizado pelo mundo ocidental de que o italiano “é
dúbio e oportunista”, como aparentemente sugere o livro, numa leitura de
aproximação apressada ou imatura que passa ao largo da pretensão do autor ao
desnudar as verdadeiras práticas e saberes sociais em torno do poder.
Palazzo Vecchio, na cidade italiana de
Florença (2010). AFP/Arquivos, Filippo Monteforte.
Foi
também neste período que Maquiavel conheceu vários escritores, no Jardim
Rucellai, formado por um círculo de literatos. Cosimo Rucellai falecera 25 anos
antes, em 1519. Maquiavel dedicou os “Discorsi sopra la prima deca di Tito
Livio” a ele e a Zanobi Buondelmonti, a quem se referirá mais adiante e se
aproximou de Francesco Guicciardini apesar de já conhecê-lo há tempos. Entre os
escritos desse período estão o poema: “Asino d`oro” (1517), a peça: “A
Mandrágora” (1518), considerada uma obra prima da comédia italiana, e “Novella
di Belfagor” (romance, 1515), além de vários tratados histórico-político,
poemas e sua correspondência particular, organizada pelos descendentes, tais
como: “Dialogo intorno alla nostra língua” (1514), “Andria” (1517), “Discorso
sopra il riformare lo stato di Firenze” (1520), “Sommario delle cose della
citta di Lucca” (1520), “Discorso delle cose florentine dopo la morte di
Lorenzo” (1520), “Clizia”, comédia em prosa (1525), “Frammenti storici” (1525)
e poemas tais como: “Sonetti”, “Canzoni”, “Ottave”, e “Canti carnascialeschi”.
A
história social da recepção da obra de Maquiavel foi marcada, desde o século
XVI, pela insistência de muitos intérpretes em descrever suas análises da
política como exemplo acabado do “cinismo e da amoralidade”, convertidos em
regra do convívio dos homens. Associar o nome do escritor ao diabo, por
exemplo, ou atribuir-lhe uma defesa ilimitada da tirania foi o caminho dos que
quiseram defender uma plena submissão da política a regras que lhe são
exteriores. Essa interpretação acabou se refletindo no vocabulário de quase
todas as línguas ocidentais, deixando “maquiavelismo” (cf. Bath, 1992) seu
campo semântico original para se tornar um operador corrente da linguagem no
âmbito da política. Depois de mais de cem anos de um cenário histórico dominado
pelo apelo às utopias e pela crítica a seus efeitos na vida das nações, chama a
atenção em Maquiavel seu apego ao que denomina metodologicamente de “verdade
efetiva das coisas” (“efficace verità delle cose”). Mais do que formular um
novo conceito de verdade, ele nos
ensina a deixar de lado formas políticas imaginárias ou utópicas, para
concentrar nossos esforços de compreensão nas condições objetivas e, portanto reais,
que presidem as ações humanas: a ambição, o desejo de glória, o medo, os
interesses materiais (cf. Villari, 1920; Roth, 1929; Valori, 1929; Wertheimer,
1942; Canistra, 1951; Escorel, 1958; Mossini, 1962; Hole, 1963; Squaroti, 1966;
Esposito, 1980; 1984; Ridolfi, 2003).
Como
renascentista Maquiavel se utilizou de autores e conceitos da Antiguidade
clássica (cf. Pires, 2010) de maneira revolucionária. Maquiavel é um dos raros
pensadores da política a pensar, não só o exercício, mas a tomada, do poder - não a continuidade, mas a novidade, o que o torna “primus inter pares”. Não é fortuito que o
marxista italiano Antônio Gramsci tenha escrito sobre ele: “Maquiavel pode ser
revolucionário” (cf. Gramsci, 1975; 1991; 2000; 2002). Um dos principais
autores foi Tito Lívio (50 a. C.-17 d. C.), além de outros lidos através de
traduções latinas, e entre os conceitos apropriados por ele, metodologicamente
encontram-se o de “virtù”, entendido como um traço de caráter que distinguia o
homem enérgico, probo, corajoso, até arrojado, mas não imprudente, da sua
contraparte convencionalmente virtuosa, tornando-o menos vulnerável às
cavilações da “fortuna”. A fortuna é
o imprevisível, o acaso, a sorte. A “virtù” é o saber como atuar de acordo com
a necessidade do momento, é a “vontade-força”, reiterada por Nietzsche, leitor de Maquiavel, qualidade
fundamental do Príncipe. Tal como Maquiavel encerrava “O príncipe”, com a
“vontade-força” na expectativa de que surgisse na Itália dilacerada do seu
tempo uma figura magnífica, despida de preconceitos, que lançasse mão de
quaisquer recursos, mesmo que inescrupulosos, para unificar o país ameaçado
pelos bárbaros, analogamente Nietzsche-Zaratustra esperava o mesmo na
emergência de um “super-homem” (“Übermensch”).
Tese:
Maurizio Viroli en “La sonrisa de Maquiavelo” (cf. edição brasileira, 2002) apela
a una anécdota para comenzar y concluir su biografía sobre el florentino: se
dice que en su lecho de muerte, Nicolás Maquiavelo tuvo un sueño. En él, se
veía a dos tipos de hombres que tomaban caminos diferentes: los primeros,
vestidos con ropas harapientas, representaban a los santos y beatos, y aunque
se veían sufrientes decían que iban al paraíso. Los segundos, vestidos
elegantemente, entre los cuales se encontraban reconocidos filósofos, iban
camino al infierno. Según él, y como le comentó a sus amigos cercanos, prefería
ser de aquellos que iban al infierno para poder conversar de política con
ellos. La anécdota anterior, nos remite a un personaje que desde el
Renacimiento ha sido polemizado, así como leído en sentido negativo. Asimismo,
interpretado desde diversas corrientes y receptores. No es tampoco curioso que
se llame “maquiavélico” a quien acciona astutamente o para apelar a un
prejuicio negativo. Tampoco es extraño, que a partir de sus escritos hayan
surgido insólitas interpretaciones como “Maquiavelo para mujeres” o “Maquiavelo
para madres” o se hayan realizado series de televisión basadas en la Italia
renacentista del autor (“The Borgias”).
Y es que el pensador italiano, – de quien hoy 3 de mayo se cumplen 544
años de su natalicio y este año se conmemoran los 500 años de su más famoso libro “El príncipe”–, aún persiste en la
actualidad (cf. Orrego, 2010).
Foi porque Maquiavel percebeu que
qualquer conselho positivo para lidar com problemas políticos era suscetível de
ser contrariado por uma alusão pessimista à fortuna,
que ele resolveu dedicar a esse tema o penúltimo capítulo de “Il Príncipe”,
livro escrito por Nicolau Maquiavel em 10 de dezembro de 1513, cuja 1ª edição
foi publicada postumamente, em 1532. Ele próprio aceitou que a Fortuna era o
árbitro de metade das ações dos
homens, mas sublinhou que isso não deveria levar ao derrotismo. Em duas
memoráveis imagens, comparou a fortuna a um rio cujas águas caudalosas podem
ser inofensivamente desviadas por diques e canais de drenagem precavidos, e a
uma mulher que, sendo mulher, pode ser domada pelo ardor e a violência. Vejamos:
“Chegada
a noite, retorno para casa e entro no meu escritório; na porta, dispo a roupa
quotidiana, cheia de barro e lodo, visto roupas dignas de rei e da corte e,
vestido assim condignamente, penetro nas antigas cortes dos homens do passado
onde, por eles recebido amavelmente, nutro-me daquele alimento que é unicamente
meu, para o qual eu nasci; não me envergonho ao falar com eles e perguntar-lhes
das razões de suas ações. Eles por sua humanidade, me respondem, e eu não sinto
durante quatro horas qualquer tédio, esqueço todas as aflições, não temo a
pobreza, não me amedronta a morte: eu me integro inteiramente neles. E, porque
Dante disse não haver ciência sem que seja retido o que foi apreendido, eu
anotei aquilo de que, por sua conversação, fiz capital, e compus um opúsculo De
Principatibus, onde me aprofundo o quanto posso nas cogitações deste assunto,
discutindo o que é principado, de que espécies são, como são adquiridos, como
se mantêm, porque são perdidos. Se alguma vez vos agradou alguma fantasia
minha, esta não vos deveria desagradar; e um príncipe, principalmente um
príncipe novo, deveria aceitar esse trabalho: por isso eu o dedico à
magnificência de Juliano. Filippo Casavecchia o viu e vos poderá relatar mais
ou menos como é e das conversas que tive com ele, se bem que frequentemente eu
aumente e corrija o texto”.
Em
Maquiavel quando “virtù” e “fortuna” caminham juntas, o resultado é a vitória - como podemos observar nos exemplos históricos
- em caso contrário, a derrota na politica. Exumada pelo interesse humanista na
mitologia clássica, essa personificação das forças que desafiam e frustram os
esforços humanos foi utilizada, muitas vezes, como um subterfúgio convencional
para evitar “a invocação da vontade de Deus” na explicação dos fenômenos que
pareciam racionalmente inexplicáveis, quer se tratasse de “um revés no amor ou
no campo de batalha”. A ideia de “fortuna” em Maquiavel vem da “deusa romana da
sorte” e representa as coisas inevitáveis que acontecem aos seres humanos. Não
se pode saber a quem ela vai fazer bens ou males e ela pode tanto levar alguém
ao poder como tirá-lo de lá, embora não se manifeste apenas na política. Como
sua vontade é desconhecida, não se pode afirmar que ela nunca lhe favorecerá. Ela,
pois curiosamente tanto o substantivo “fortuna” quanto a personificação,
“Fortuna”, eram femininos, refletindo a opinião dos homens e da lei de que as
mulheres deviam ser identificadas analogamente com a irracionalidade.
Era
invocada mais comumente num contexto político durante a incapacidade da Itália
para fazer frente às sucessivas ondas de invasão estrangeira depois de 1494. Em
Florença ocorreu um fato estranho. Um frade, de nome Savonarola, que comandava
a cidade, previu-lhe uma invasão estrangeira “em punição pelo seu gosto pelo
luxo e lassidão”. Carlos VIII não avançou sobre o lugar e tomou o caminho de
Roma, aonde chegou a 31 de dezembro de 1494. Ali ele conseguiu prender o
Príncipe Djem, filho do sultão turco Bajazet. Em seguida, a 22 de fevereiro de
1495, tomou posse de Nápoles, e passou a viver em um ambiente festivo em função
de seus sucessos. Daí a análise maquiavélica, segundo a qual afirma: - “sou de
parecer de que é melhor ser ousado do que prudente, pois a fortuna
(oportunidade) é mulher e, para conservá-la submissa, é necessário (...)
contrariá-la. Vê-se, que prefere, não raramente, deixar-se vender pelos ousados
do que pelos que agem friamente. Por isso é sempre amiga dos jovens, visto
terem eles menos respeito e mais ferocidade e subjugarem-na com mais audácia”
(“Io sono del parere che è meglio essere audaci rispetto cauti, perché la
fortuna (opportunità) è una donna e per tenerla sottomessa, è necessario (...)
per contraddirli. Si è visto che preferiscono non di rado lasciano vendere per
audaci che agendo freddamente. Quindi è sempre un amico del giovane, perché
hanno meno rispetto e più ferocia e la sua sottomettere con più audácia”).
Na
Inglaterra chegaram a afirmar que o nome dado ao diabo (cf. Abrahão, 2009) procedia
do seu nome, pois, “Maquiavel precisa de um truque para dar seu nome ao nosso
velho apelido” (“Nick Machiavel hed neer a trick. Tho gove his name to our old
Nick”). Geralmente, acredita-se que a Inquisição é uma instituição
eclesiástica. Mas, na realidade, seu aspecto eclesiástico era mínimo. Quase
ninguém fora da instituição sabia que os inquisidores eram nomeados pelo rei.
Diretamente a Inquisição funcionou mais ou menos como uma “polícia política” de
nossos tempos. A Inquisição funcionou muitas vezes como um tribunal
inteiramente politizado. A Inquisição era inimiga dos grupos burgueses e
“pré-burgueses” na transição para o capitalismo. E a Inquisição foi decisiva
para que na Península Ibérica não amadurecesse uma consciência burguesa, por
muito tempo. Foi nesse clima que Nicolau Maquiavel ofertou “O Príncipe” a
Lourenço de Médicis; que Lutero promoveu a Reforma religiosa; que Copérnico
demonstrou a Terra em rotação sobre seu eixo e os planetas girando em torno do
Sol, não é o centro do universo e que Johannes Weyer publicou, após anos de
estudo, o seu “De praestigiis daemonum...”. Johann Weyer (Grave, 1515 - 1588)
era um médico holandês, ocultista e demonologista, discípulo e seguidor de
Heinrich Cornelius Agripa. Foi um dos primeiros a protestar contra a
perseguição às bruxas. Seu trabalho mais influente é: “De Praestigiis Daemonum
et Incantationibus ac Venificiis” (1563), em português: “Sobre a ilusão de
Demônios, Feitiços e Venenos”.
Mas
para o que nos interessa:
“Il Principe è sempre stato nell`Indice dei libri proibiti dalla Chiesa cattolica,
in parte perché smontava le teorie politiche cristiane come quelle - rispettate
da lungo tempo - di Sant`Agostino e Tommaso d`Aquino, ma soprattutto perché
Machiavelli annulla ogni nesso tra etica e politica: infatti, secondo lui, il
Principe deve cercare di sembrare magnanimo, religioso, onesto ed etico. Ma in
realtà, i doveri di un principe non gli permettono di possedere alcuna di
queste virtù. Il Principe ha sfidato
la filosofia scolastica della Chiesa cattolica e la sua lettura ha contribuito
alla fondazione del pensiero Illuminista e quindi del mondo moderno, occupando
così una posizione unica nell`evoluzione del pensiero in Europa. Le sue massime
più conosciute sono ampiamente citate anche oggi, in genere nella critica di
leader politici: ´è molto più sicuro essere temuti che amati`, ma non è meglio
essere odiati, e nemmeno ignorare virtù e giustizia quando questi non
minacciano il proprio potere”.
Do
ponto de vista historiográfico pouco se conhece da biografia de Maquiavel antes
de entrar para a vida pública (cf. Ridolfi, 2003; 2012; White, 2007; King, 2010;
Braga, 2012). Ele era o terceiro de quatro filhos de Bernardo e Bartolomea de`
Nelli. Não se sabe ao certo o que teria levado à escolha de Maquiavel para a
chancelaria. Outros analistas preferem atribuir a sua entrada à escolha e
camaradagem de um antigo professor seu, Marcelo Virgilio Adriani, o qual ele
teria conhecido em aulas na Universidade Pública de Florença e naquele momento
era Secretário da Primeira Chancelaria. Mas Ross King (2010) resgata a imagem
de Maquiavel da caricatura, descrevendo em detalhes o vibrante contexto
político e social que influenciou seu pensamento, e ressalta a humanidade de um
dos mais importantes filósofos políticos da história social e política. Além
disso, o Maquiavel de Ross King frequenta astrólogos, produz vinho, percorre a
Europa a cavalo como diplomata, e é um estudioso apaixonado da Antiguidade -
mas, sobretudo, “um observador perspicaz da natureza humana”. Isto é
importante. Em uma elaborada e instigante biografia, Ross King resgata a imagem
de Maquiavel da caricatura, descrevendo em detalhes o vibrante contexto
político e social que influenciou seu pensamento, e ressalta a humanidade de um
dos mais importantes filósofos políticos da história. O Maquiavel de Ross King
frequenta astrólogos, produz vinho, percorre a Europa a cavalo como diplomata,
e é um estudioso apaixonado da Antiguidade - mas, sobretudo, um observador
perspicaz da natureza humana.
Em
geral seus críticos se basearam em “Il Príncipe”, analisando-a isoladamente das
demais obras de Maquiavel e sem levar em conta o contexto histórico e social no
qual foi produzida. Sustentamos a tese segundo a qual Maquiavel escreve história mais como pensador político do
que como historiador (cf. Pires, 2010). Isto é importante
e evidencia sua singularidade como pensador político. Não se preocupa tanto com
a referência precisa de afirmações contidas nas suas obras, mal comparando, tal
como o filósofo Michel Foucault em nossos dias, ainda que tenha ido aos
arquivos de Florença - prática incomum na época. Deixa transparecer nas suas
obras históricas a defesa de algumas das suas ideias através da narração dos
fatos históricos. Ele também acredita que a história se repete, tornando a sua escrita útil como exemplo para que os
homens, tentados a agir sempre da mesma maneira, evitassem cometer os mesmos
erros. Assim, a) alguns dos seus biógrafos atribuem-lhe os fundamentos da
escrita moderna da história, b) outros admitem que ele não possua uma visão
crítica o suficiente para poder separar os fatos históricos dos mitos e, c)
aceitou como verdade, por exemplo, a
fundação mitológica de Roma, outros ainda, d) de forma vulgar atribuem-lhe uma “concepção dogmática e ingénua da história”,
daí a ideia contida em nossa argumentação entre história, teoria e verdade na
obra do pensador italiano.
Metodologicamente
falando, “virtù” representa justamente a capacidade do indivíduo de controle
das ocasiões e acontecimentos, ou seja, da “fortuna”. O político com grande “virtù”
vê justamente na “fortuna” a possibilidade da construção ideal de uma
estratégia para controlá-la e alcançar determinada finalidade, agindo frente a
uma determinada circunstancia, percebendo seus limites e explorando as
possibilidades perante os mesmos. Uma estratégia é uma entidade que é
reconhecida como uma autoridade - pode ser qualquer
coisa, desde uma instituição ou uma entidade comercial até um indivíduo cujo
comportamento coincide com as definições próprias para “estratégico”. Uma
estratégia pode ter o status de
ordem dominante, ou ser sancionada pelas forças dominantes. Em outras palavras,
uma estratégia é relativamente inflexível, pois ela é amarrada a um “próprio” (cf.
Braga, 2013), que é a sua “localização espacial ou institucional”. O objetivo
de uma estratégia é se perpetuar através das coisas que ela produz. Ipso facto, a “virtù” está sempre
analisando a “fortuna” e, portanto, não existe em abstrato, não existe uma
fórmula, ela varia de acordo com a situação determinada. Pois, os fins
justificam os meios dentro de uma determinada conjuntura política que sofre
influência de outras dimensões como a social, a econômica e a moral e cabe ao
político com as suas capacidades de análise e de estratégia achar um meio
mediante o qual essa conjuntura para realização de um determinado fim.
No
livro “O Príncipe”, cap. 25. “Quanto pode a fortuna influenciar as coisas
humanas e como se pode resistir a ela”, em que Maquiavel explica esses
conceitos, ele fala sobre a crença que há em sua época em um “determinismo
divino”, o desenvolvimento dos mesmos se opõe a esse “determinismo”, porém
devemos cuidar, pois assim como a fortuna não é determinada e fatalista, mas
sim muda de acordo com a conjuntura, a “virtù” não representa o simples livre
arbítrio, mas sim, a escolha certa na hora certa. Os “Discorsi sopra la prima
deca di Tito Livio”, de 1513 a 1521, opõem-se a “O Príncipe” pelo tema, apesar
de ambos compartilharem alguns
conceitos. Nos “Discorsi”, Maquiavel defende a forma de governo republicana (cf. Bobbio, 1980; 1996; 1999; 2003;
2004; 2005; 2008; 2012) com uma constituição mista, de acordo com o modelo da
República de Roma Antiga. Defende também a necessidade de uma cultura política sem corrupção, pautada por princípios morais
e éticos (cf. Ribeiro, 2004), o que representa atualidade ímpar de sua obra, havendo
passado 500 anos da publicação. Foram pensados como análise e comentário a toda
a obra de Tito Lívio, mas permaneceram incompletos, não passando da primeira
década. Esta obra surgiu da vontade do autor de comparar as instituições da
Antiguidade, em especial às da Roma clássica, com as de Florença no período.
Assim, seguindo a obra de Tito Lívio, analisa como surgem, se mantém e se
extinguem os Estados. Ficou assim dividido em três partes, estudando na
primeira, a fundação e a organização, em seguida, o enriquecimento e a expansão
e, por fim, sua decadência.
Mas
há ainda em sua obra um ponto de inflexão e diz respeito o fato de que a ética
em Maquiavel se contrapõe à ética cristã herdada por ele da Idade Média. Ou
seja, para a ética cristã, as atitudes dos governantes e os Estados em si
estavam subordinados “a uma lei superior e a vida humana destinava-se à
salvação da alma”. Com Maquiavel a finalidade das ações dos governantes “passa
a ser a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade”, não o próprio, de
forma que uma atitude não pode ser chamada de boa ou má a não ser sob uma
perspectiva histórica (cf. Esposito, 1980). Reside aí um ponto de crítica ao
pensamento maquiavélico e fundamento de sua atualidade, pois com essa
justificativa, o Estado pode praticar todo tipo de violência, seja aos seus
cidadãos, seja a outros Estados. Ao mesmo tempo, o julgamento posterior de uma
atitude que parecia boa, pode mostrá-la má. Para ele, a “natureza humana” seria
“essencialmente má” e os seres humanos querem obter os máximos ganhos a partir
do menor esforço, contrariando Hobbes, para quem a “condição da natureza humana
e as leis divinas exigem um cumprimento inviolável”, ou, Locke, “dentro dos
limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de
qualquer outro homem”.
A
“natureza humana” é a parte do comportamento humano que se acredita que seja
normal e/ou invariável através de longos períodos de tempo e de contextos
culturais dos mais variados. Todavia sem querer com isso dizer que os seres
humanos ajam sempre de “forma má”, pois isso causaria o fim da sociedade,
baseada em um acordo entre os cidadãos. Enfim, ele quer dizer que o governante
não pode esperar o melhor dos homens ou que estes ajam segundo o que se espera
deles. Talvez isto signifique o seguinte: na Idade Média, o quadro moral dava conta do lugar tanto do
príncipe quanto do súdito, que deviam ambos obedecer à religião. Em tese,
bastava isso para fazer um bom rei ou um fiel cristão. Maquiavel demonstra que
o príncipe não está mais submetido - nem protegido - por esse quadro. É essa
insegurança que lhe dá liberdade. Ninguém é livre sem ansiedade. “Maquiavélico
e maquiavelismo” (cf. Bath, 1992; Abrahão, 2009; Nietzsche, 2008: 385 e ss.)
são adjetivo e substantivo que estão tanto no discurso erudito, quanto no âmbito
do debate político (cf. King, 2010), quanto na fala do dia-a-dia (cf. Cortina,
2000). Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimônia o
universo das relações privadas. Em qualquer de suas acepções, porém, o
“maquiavelismo” está associado à ideia de perfídia, a um procedimento
astucioso, velhaco, traiçoeiro. Estas expressões pejorativas sobreviveram de
certa forma, incólumes no tempo e no espaço situando a atualidade de um
Maquiavel intemporal.
Em
verdade, o manuscrito passou inteiramente despercebido durante a vida do seu
autor. Publicado por seus filhos em forma de livro anos após a sua morte, a
rejeição a “O Príncipe” logo nasceu e cresceu. Rejeição que marcou a trajetória
do livro durante séculos e que tendo o “maquiavelismo” como centro produziu
muita condenação e pouca luz. Mas em política não poderia ser de outra forma. De
modo geral, lido de má-fé, sem método
no sentido de Hans Georg Gadamer (1900-2002), considerado como um dos maiores
expoentes da hermenêutica filosófica. Sua obra de maior impacto foi “Verdade e
Método”, de 1960, ou, como dizíamos simplesmente citado, sem ao menos ter sido
consultado, O Príncipe
transformou-se num “símbolo da trapaça, o número um da galeria dos livros malditos”
(cf. Alves Filho, 1976; 2009).
Maquiavel
venceu, Maquiavel está vivo (cf. Cortina, 2000). Pois nem depois de morto,
Maquiavel terá descanso. Foi posto no Index pelo concílio de Trento, o que o
levou, desde então a ser objeto de excreção dos moralistas. Realizado de 1545 a
1563, foi o 19º concílio ecuménico. É considerado um dos três concílios
fundamentais na Igreja Católica. Foi convocado pelo Papa Paulo III para
assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica, no contexto da Reforma
da Igreja Católica e a reação à divisão então vivida na Europa devido à Reforma
Protestante, razão pela qual é denominado também de Concílio da Contrarreforma.
Os Príncipes mudaram, mas não de alma, gesto, corpo e pensamento. Mudaram a
mistura usada em pintura (cf. Braga, 2012), pois ontem como hoje, alguns usam
batom e salto alto, mas continuam Príncipes, de alma e coração. Bibliografia
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